terça-feira, 15 de dezembro de 2020

 Por sintonia ao amanhecer que chegando em sustenidos. 


Veio, grito, feio.

Horror.

O ano afastou o  abraço, o laço , o ser, o se ter. 

Asco.


Prudência criou angústia.

A tese ânsia. 

Amorteceu em nós o nós.


Lúcifer cuspiou, colhemos solidão.


Mas o homem cria, crê, cresce.


Mais um dia ou  do amém surge, por alguém ou sim, do talvez, enfim, do além,  por sina ou sorte, a vacina, a rima, o sorriso, o por fim. 


E deste, assim, enfim, revoa e volta  o achego, o afeto,  o traço, o abraço.


De véspera e espera, segue de antemão este então de que nos vejamos muito no ano que se dará de saúde e remissão.


Tudo de melhor a todos os seus.

Até um breve. 

Desejo e sonho.


Carlos Florence

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

 

EMTEMPODEMIA DE CORRUPTELA

 

Doces migalhas e silêncio, ensurdeciam.

Mastigava valsa, falsete, mania.

Vida seguia sonsa, sina, em roda, encima.

Cobriam, os telhados, as casas, as mágoas, águas.

A vila amedrontava-se de em se o tempo não chegasse ou que viesse.

Amarrava-se o paradoxo no abacateiro para alimentar a desconfiança.

Por estar primavera chorava uma garoa triste, modorrenta.

Ao se fazer, fazia, assobiei tico-tico como bolero, mão no bolso.

Subi pela solidão, pelos indefinidos, pelos pensamentos, por mim.

Os caibros velhos dos forros escutaram meu avô, a mim, meu pai, a mais.  

Por se darem tempos amortecidos de sinas, melodias ali morriam.

Sendo sino marcava que o depois iria chegar atrasado pontualmente.

Não tinha o que fazer agora e depois repetiria a tarefa.

Um de cada e eu tiramos a preguiça do jacá da nostalgia.

Era-se mesmo assim espontâneo e serviçal para acalantar o nada.

O pássaro preto subiu pelo pretérito para enxergar o futuro.

Trazia o porvir um igual sendo, um certo receio com sabor de jatevi.

Se colocou a esperança à janela para imitar que chegaria.

As arvores sumiam pelas ruas, vielas, vias, para quem as via.

Lembrei do colo da mãe, chorei, sonhei, sorri.

Ajustei minhas rotinas, pedi o cigarro barato.

Os vinténs se puseram enfumaçados, ordinários.

Urinou o poste apagado no cachorro e a menina surgiu.

Viu, se pôs a rir, mais sete passos, mundo seu, seguiu.

Não devia nada a ninguém ou pediu, pisou no seu desaparecer.

Nada mudava antes d’eu ordenar à tristeza ou ao azul. 

Sábado, cada brisa trazia melancolia e se debruçava no ausente.

As janelas escutavam a imaginação, o sol, as mentiras para serem tomados com café.

Lavei os trapos, apaguei a vela, chorei no leite derramado, dormi um infinito miúdo.

 

Ceflorence   São Paulo 29/10/20     e-mail   carlos.florence@amabrasil.agr.br

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 RECEITA DE NOSTALGIA COM ALIENAÇÃO CARAMELADA E DELÍRIO.


Que amanheça em bemol, se escute o então, silêncio, o desistir de viver, o entretanto.

Sequer lave a alma com esperança, presente do subjuntivo, resignação ou premunição.

Salpique medo ou sonho. Adjetivos, crianças brincando de amarelinha, agregue logo.

Ponha as ansiedades, sem precaução, e o sol entardecido para desidratarem brandos.

Adicione pitada de fantasia, mais manteiga de garrafa, enquanto atina alterne a nota.

Pela janela entreaberta escute dois cavalos pastando na solidão, sua, com as manias.

O tempo chegou, esparrame entropias pela soleira, descortine o impossível, descreia.

Capte tais inexplicáveis pelo afetivo, esparja com moderação até começarem a sorrir.

Observe o tempo entornar capcioso, triste, como as dúvidas, intrigas e as apreensões.

Do lado do coração há um borralho, da alma, o colibri assiste, da saudade paira névoa.

Mexa os sustenidos, cuidado com o rastro do finito a pedir explicações às suas cismas.

Angustiado amadureça uma penca graúda de imprevisto enquanto nega a melancolia.

Não anote os infinitivos que não rimarem na receita com o tom maior do verbo amar.

São os fortuitos para se começar a desestruturar a sintaxe, o portanto e o tino de será.

Sinta o odor azul das sete andorinhas adentrando pelo amém trazendo a volúpia.

A janela se fecha, os cavalos findam entre os tendo sidos, a noite estrupa o entardecer.

Provoque movimentos pendulares de forma a hipnotizar o nada entre o sim e o ciúme.

É sinal que o desejo intenta parir euforia e a solidão aborta antes da sina magoá-lo.

Não esqueça que a receita de nostalgia embala o ser enquanto o sofrer aguarda o vir.

Procriando, as lamúrias pedem dois caprichos, aplique-as com instigações sensuais.

Confira se as emoções estão exaltadas e deixe fermentar as ilusões de suas fantasias.

Sua metamorfose e transe endoidarão, o subjetivo meandrará às evidências e rimas.

Brotando calmo chega ao ponto, desespero. Grite. Deixe aflorar para que a ânsia seja.

Ponha em fervura até dourar o orgasmo, despreze a censura, avive o imaginário.

Envase no inconsciente, acomode no agora, estraçalhe o passado, acalante no porvir.

Receita de nostalgia com alienação caramelada e delírio, paradoxo de desejo e pecado.


Ceflorence São Paulo - 17/10/20 e-mail carlos.florence@amabrasil.agr.br

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

 

JAMBEIRO AO MORRER DA TARDE

 

Ao lado do jambeiro nunca menti acordado. Por medo, adjunto de verbo ou rima?  

Muro ao lado irresponsável, cabisbaixo, quebrado. Usava eu calça curta, bodoque.

Aprendi a mudar de lugar, desconversar, palpite, ideias, ideias, calar. A par, opor, ater.

Conversava comigo, Deus, a professora, minha mãe, respondia por eles e disfarçava.

Mudava de canto, encanto, a mentira me seguia, pensei que era rei e ela sabia.  

O sol cismava, depois me ouvia silencioso, irrequieto, carinhoso ou medroso, subia.

O carretel rodava na corredeira, dedo no nariz, sujeira, delícia, desfaça, disfarça.

Água, riacho empossava no remorso de não olhar Belinha no azul, desejo, seja.

Pé no chão, cheiro de não sei que, manga madura, brota uma dúvida, duas fogem.

Pro Zeca ela sorriu, sofri, ciumei, senti, puta que o pariu.

Entalava a cisma, brincava de rodamoinho o vento ao vento e levava lembranças.

Cismei não mais ser criança, aprendera a dizer não, fingir tristeza, mentir, soltar pipa.

Assim eram os dias, os tais, os pais, os mais, jamais, centavos, poucos, avós, a voz, eu.

O bem-te-vi gostava de azucrinar enquanto não garoava. Me pus, ele pôs, nós após.

Era, ali ou lá, chorão, na beira do córrego, surdo, não entendia de preguiça ou malícia.

Também não floria, idiota, pendurado no nada, para que servia? Não dizia, escutava?  

Aprendi a mentir, Padre Moca mostrou, quando estava às pressas para porra alguma.

Depois das seis, punheta virava Ave Maria.

Às sete mandava voltar depois, não sei porque, pois era a mesma.

Antes das oito perguntava quantas, tomava dois cálices, breviário a mão e rezava.

Benção, hóstia, limpava o cálice, secava o vinho, mandava embora. Chegara a hora. 

Sem nem perguntar cor, o diapasão se fez em breves, casmurro, colcheias e pasmos.

A professora de música tinha uma bunda enorme, sonora, com solfejo idiota.

Não entendi ao que servia a colcheia, a bunda cheia, o diapasão, não. Só sentia tesão.

O jambeiro nunca esclareceu causas de me afastar enganado e medroso, ao mentir só.

Não tinha má personalidade, nem conhecia a realidade. O jambeiro. Mês, fevereiro.

Não seria eu se não fosse o mundo inteiro ali, ser minha cabeça, ser pomar, ali só, ser.

Me afastava do abacate, lacrimava ele no tronco antes da florada e possuía tristuras.

Anjos não frequentavam o quintal, pois a porta da igreja fechava. Não sobrava medo.

Senti saudades dos olhos de Belinha, barra manteiga, amarelinha, recreio, cria, creio.

Por ser mutante e cantos, a cigarra não concordou, mas gostaria de voltar a casulo.

Aprovei sua cisma, mas Deus a pariu assim e não refez como dantes.

O saiote de Belinha não escondia minha vergonha, nosso desejo, sua calcinha.

 Flagrei-a entre meu sonho, canto, o banheiro, o encanto, ela me sabia candura.

Engracei, vivi ela-eu, canivete, ilusão, risquei coração e lá-ela-eu em sim, traço, tronco.

O jambeiro não desfez e nem desmentiu, deixou o gesto, a mania, fantasia. Gritei.

Canarinho por ser, era, sumiu manso pelo voo que Deus lhe deu. Eu vi.

Meu sonho o seguiu até encontrar a manga madura e eu fiquei no intervalo do nada.

O quintal de manhã escondia a melancolia, meio-dia o colibri voltava.

Antes da escola sentia o perfume do tempo, a preguiça e o gato se escondiam no azul.

Fim de aula, alegria, outras artes, as tardes, longas, o canto do pássaro preto. Belinha.

Medo, boca da noite, baixo da cama olho, nada. Dedo na boca, durmo homem, sumo.

Serei quem no até amanhã. Até Belinha, até então, até minha, terei?

Penso, por que penso? Logo desisto.

 

Ceflorence   01/10/20     e-mail  carlos.florence@amabrasil.agr.br

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

 EM CILÍBRIUM ED TAMUS PARADOXOS.

Cilíbrium, realmente confirmada por estimativas não confiáveis, mas contraditos com dados corretos indiscutíveis, embora não seja sintoma antropofágico ou substância inexata, mas se afigura detectável claramente sem garantia alguma de sua realidade, tanto que se discute a confirmação, se existe, existiu ou existirá. Opera com ou sem desequilíbrio racionalista mitológico para achar o ponto de equilíbrio perfeito do desajuste, determinado sem referência, inseguro quando sob a égide de estabilidade instável eternamente fixa. Memórias ancestrais, consideram alguns, Cilíbrium é sintaxe do cérebro em movimento parado a passos moderados de fuga desesperada, antagônico a si e totalmente seguro no imponderável. Indefinido ou não, conflitivo talvez, mas emocionalmente imutável, com dúvida absoluta nas suas certezas, embora com forte probabilidade de não ter se feito existir como se auto pretendia e sem saber se intentara-se ser ou não ser. Com absoluta exatidão e incerteza corretas reciprocas tudo que temos está claro sem definir para podermos continuar a seguir sem nos movermos. A esquerda de Cilíbrium decodifica mensagens para se tornarem incompreensíveis e a direita as entende antes de não as devolver afim de não serem aproveitadas como o são com completo sucesso sem realização. Sem esta ação, a lógica racional não se metamorfoseia em absurdo e o incompreensível não se transmuda ao encobrir a clareza para dar sentido ao cogito.

Mesmo deixando marcas indeléveis entre o enorme diminuto espaço inexistente, inerente à concretude da existência do nada e a indiscutível inconsistência do real, Cilíbrium enlouquece de forma sã. Ali em Cilíbrium, onde se insubordinam as metáforas e as alamedas gorjeiam fora de época, os pensamentos se despregam da imaginação para brincarem de libélulas e as desilusões são de aquários, pois se desentenderam com a quinta de Beethoven. Neste recanto o ser se faz esconder em ser, por ser e em ser comprovadamente por não ser quando é e sendo ser quando não é. Cilíbrium habita o humano, tanto que descuida cautelosamente em se realizar como amor sem afeto, chantagem com honestidade, navega com tranquilidade da orgulho humilde e usa lixo descartável para irritar o vizinho. Não é por sermos cilibriuminos que teremos condições de saber se somos, vivemos, usamos, estamos ou sofremos Cilibrium.

A escola dos arruados e nas corruptelas, mundo das simplórias e desassossegadas tranquilidades exibidas, denomina este emocional-país-estado-sapiens, dos cilibriuminos, como comezinha cabeça, arrisca nomeá-la de ideia ou extrapola para pensamento, põe uma virgula e vira cachola, concorda de ser mente, quando sofistica e por aí descarece parando de sondagens por necessitar. Sem nenhuma discrepância, salvo opiniões sobre sabores das cores ou aroma dos tatos, a passividade é intoleravelmente agressiva e oscila parada neste segmento. Na borda oposta do mesmo lado, acadêmica, as teorias ontológicas, científicas, filosóficas, poéticas, religiosas, tantas demais e outras, discordam alegremente iradas com as desordens mais regulares possíveis, humilhando Cilíbrium de forma gentil e gloriosa de cogito, consciente, cérebro, alma, inconsciente, talento, razão, espírito, emoção, consciência e chega, pois não para de não parar. As teorias todas concordam dialeticamente que Cilíbrium encanta pelo desapontamento ao se afinar na desarmonia. É como o cérebro se deprime euforicamente para conseguir ser em não sendo na pavorosa beleza da mudança imóvel que acelera de forma celebrumicamente incorreta com perfeição obscura.

Existência histórica grafada em aramaico, colhida entre estoicos, filhas de Ogunxãpé, engraxates e dos sefarditas registra que Cilibrium não acompanhou, mas perseguiu o ser

homem, infernizando a alegria de agredir pacificamente a sua ordem desorganizada sociológica, política e econômica, agredindo as pazes do conflito, seus raciocínios emocionais, desde que o sapiens homo foi se auto inventando, criado pelo sobrenatural, aparentemente no desconhecido do imaginário da natureza mãe que se transforma estacionada, talvez parido em fogo muito forte apagado por Comampari Grande ou brotou espontâneo no recanto paradoxal do azul, já ai nos arrabaldes românticos dos latifúndios poéticos do inexplicável, porém elucidado.

Intuitiva, mas empiricamente não comprovada cientificamente, não há a menor possibilidade de comprovar sua materialidade, pois não paira dúvida da efetividade espiritual, embora seja concreta e sólida sua existência duvidosa, que é fartamente confirmada sem comprovação. Cilíbrium se localiza exatamente onde não está e se situa sempre fora de onde se encontra. Captá-lo é tão fácil como impossível, basta procurar onde não está para acha-lo, pois ele estará aonde não se encontra. É assim que a nossa mente cilibriumínica não enxerga o objeto que estamos vendo permitindo assim revelá-lo em todo o seu momento que desaparece. A gangorra de cima sobe e a de baixo está na hora de fazer xixi. Não é efeito de semântica, mas em Cilíbrium o desconhecido é aparente e a escala dodecafônica só é escutada por quem é surdo.

O comportamento constante da região se fixa no transitório. É lindo este horror do conhecimento dessabido que enevoa as planícies montanhosas dos ventos parados que cavalgam a intranquilidade das pazes sanguinárias tranquilas de Cilibrium. No entanto, tridimensionalmente, sem clareza, mas indiscutível, queiramos ou não, nestas distantes proximidades se desacomodam sossegadamente a subjetividade objetiva, ódio afetivo, açafrão esquizofrênico, édipo natalino, inundação da seca, escargot freudiano, a última ceia inacabada, as demais racionalidades irracionais, incluindo todas as racionalizações do corpo da inexistência existencial.

Filosoficamente se filia Cibrílium à síntese perfeita das escolas materialista cigana com a cabala marxista. Resta confirmar a indispensabilidade deste estado emocional racionalista, pois sabe-se de antemão que é completamente inútil tanto como indispensável em meados do outono quando as jabuticabas brincam de joãozinho-e-maria e as mulheres gordas têm de pensar em como descer para o mais alto das árvores para engordarem até emagrecerem para viverem mortas. Esperamos ter chegado a uma inconclusão final do início, claramente enigmática, sem objetivo específico, e sobre o qual sequer possam pairar dúvidas inacabadas.

Cilíbrium tem o dom de vir a cirandar as mentes nas noites de afago entre Zodíaco e o eufemismo pelos quinhões dos ventos dos imaginários das Lagoas de Cainhanã para quem nunca conversou com Cunhabateê na Roda de Capoeira de Alpequinha e não sabe o que é ser objeto da alegria de escárnio, malícia ingênua, bulling saboroso ou perjuro sincero. Cilíbrium adentra pela parte inacessível, facilmente penetrável com resistência via o a rota sem caminho mais frágil intransponível da moleza intransponível da mente atenciosamente distraída e tem o dom de reverter desde o dessabor da paz da tormenta alegre até o vazio preenchido do raciocínio ilógico brilhante. Os Camafeus de Alcodon se comprazem em subir ao mais alto ponto de onde não descem para então atingirem as maiores alturas mínimas de Cibrílium.

Não se sabe se habitamos Cilíbrium ou Cilíbrium nos habita. A única certeza absoluta que transcorre parada em Cilíbrium é a garantia total de que a incerteza é a convicção mais certa, mas com todas as dúvidas. Acordamos em alfa, a frieira da orelha esquerda que tropicara sobre o nada irregular e ondulado plano sentiu vontade de ir à missa ou a luta de classe. O

cachorro miou para esclarecer detalhes sobre psicanálise ou o se o amendoim poderia ser prejudicial ao bem estar para se gratificar em sentir mal. Não houve mais nenhuma confusão ou tranquilidade, pois Cilíbrium expos com sua calma atabalhoada usual que a dentadura do estomago da defunta fora doada a instituição de aprendizagem para as crianças desprotegidas prestes a serem recuperadas para o tráfego de drogas do Padre Armaco.

Seria muito bem um treze de setembro honestamente larápio se a nuvem que passou mais cedo pedindo para todos gritarem calados - Silêncio ou Caramba – não tivesse descido ao subir pelo conhecido sem clareza de Cilíbrium, destroçando deliciosamente o meu cérebro apavorado na tranquilidade. Não deveria ter acordado para escutar o barulho da mudez ensurdecedora do pensar neste amanhecer que ocorrerá amanhã na noite de ontem.

Ceflorence São Paulo 13/09/20 e-mail carlos.florence@amabrasil.agr.br

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

 

SETE SEMÂNTICAS E SEUS CONTRASTES.               

Por onde começar? Era, recordo, véspera de malhação sabatina de Judas e estava precavido, pois no ano anterior fui surpreendido com a vizinha pendurando suas calcinhas na janela do cortiço para me provocar e as crianças quiseram me envolver no contexto. Descrevo sem subterfúgios os acontecidos, pois prefiro não reconsiderar a minha coerência lógica, mas explicá-la a quem tem dificuldade na assimilação. Talvez expondo com métrica e pronunciando acentuadamente as proparoxítonas as hipóteses das metáforas fiquem mais objetivas para vosmecê. Confesso, sem pejo, que a memória poderá falhar em alguns pontos por aceitar, sem precaução, como testemunhas duas falcatruas lésbicas e um artefato hipócrita desconhecido. Mas não alteram os pontos nevrálgicos e vamos objetivamente aos fatos que me obrigaram a rever se existiria sentido pragmático entre as ambivalências de concordar, isoladamente, com o projeto de incentivo à pesquisa para a aceleração da menopausa precoce ou optar pelo imperativo lúdico de desfrutar, com prudência, dos milagres minimalistas das orações gregorianas.

A academia não se pronunciou, em tese, pois houve um ponto especifico de inflexão sem que o jasmim, com tendência homofóbica, se declarasse comprometido com o porvir. Pelo ritmo da apoteose poderia surgir um fato novo ou seria a confirmação dos resultados práticos do que me empenhara há muito que se esclareceriam só com o tempo? Explico melhor, isto é, sequenciaria o contraditório da teoria da insuficiência da fé para conter o efeito das marés montantes no aleitamento do capricórnio ou garantiria, no sentido realmente tautológico, a probabilidade da certeza de ganhos permanentes em jogos de azar? Esclarecido ponhamo-nos a caminho.

 Embora de formas não heterodoxas eram estes os pensamentos que me acossavam durante o período que deixei a porta da Igreja do Barroquinho de Ancalás, andando pela Alameda da Vergália, até atravessar o Viaduto Urcão do Redentor. A alma de Zeferão da Zinca, que desencarnara com uma navalhada do capoeira Quebaldo Ruca no último outono, fez questão de me acompanhar até a porta do Grupo escolar Professor Tamberte. Ali constatei, sem dúvida, que a solução fora inconclusiva, como salientei, razão das crianças do jardim da infância se desajustarem alegremente, incorporarem Netuno e passarem a brincar de Santa Ceia e Pilatos. Lembrei que Rauâ, meu guru, não pontificara sobre estas hipérboles. Determinou ele não ser parte das gêneses de suas preocupações sobre o futuro, tanto como a megalomania e muito menos pontos aderentes ao Protocolo dos Sábios do Sião, que não o haviam comovido de forma alguma.

Neste sentido meu profeta reconfirmou estar em alfa, sem perspectivas de definir valores morais sobre métodos contra conceptivos para os gambás, frise-se, indiferentes, e pensando em retornar aos estudos de sânscrito como inspiração espiritual para a profilaxia da pesca não predatória. Sendo terreno espiritual conflitivo, entre a esquizofrenia e a previsibilidade dos tarôs para estimar a colheita de fantasias das ninfas de Albadén, optou ele por transferir o protocolo para uma Igreja Pentecostal Maronita e usar escalas jônicas nas suas partituras.

Mereceríamos repouso depois deste estafante trabalho de análise transacional. Meditei com toda prudência, embora constatando certo sentimento paranoico que a lagartixa do teto esquerdo da latrina imunda do Cortiço do Mandega, onde morava então, estivera, irritantemente, a me espionar, de forma agressiva, com ares de quem exigia certezas e valores absolutos sobre as interrogações canônicas dos milagres do Beato Alcadim e a garantia de que a imprevisibilidade crônica das tonalidades furta-cores do fim do veranico fossem poupadas do aborto obrigatório estatal. Precisaria frieza, sem entrar no mérito da questão, para resolver a equação imposta pela circunstância.

No hiato dei-me ao direito de decidir, convicto, que entre uma samambaia, ainda que imatura nos seus valores emocionais e um colibri a cirandar pela janela das minhas fantasias, por mim escancaradas para ele sugar as ansiedades e poupar os deleites, a melhor opção seria tangenciar a inclinação emocional da lua, àquela hora se desfazendo elegante entre duas nuvens caladas e a minha desilusão. Conclui que as propostas não se contradiriam, tanto que uma delicada fase rosada dos reflexos dos meus pensamentos sobre o espelho quebrado da parede sem reboque transcorreu suave, aguardando a brisa mansa regar meus sonhos.

Poderia vestir o pijama e dar-me ao direito do repouso depois destas exaustivas apreciações criteriosas sobre o imprevisível. No entanto escutei nítida, indiscutível, a insinuação irônica da luz forte de uma teoria materialista sobre a evolução das espécies. Esta, de forma pragmática, reluziu ainda mesmo sem ter tido oportunidade de menstruar pela tenra idade, sentar-se dialeticamente sob o cavaco de primeira linha do vizinho músico e expressar-se com um poema educado, suave, impúbere, procurando não uma solução do problema dodecafônico, mas, nas circunstâncias, optou pela paixão da sílfide da escala de fá. Desta forma o tempo propiciaria a procria de colcheias em bemóis e sustenidos em semicolcheias, além das pausas. O sonho seria, de ambos, somente ordenharem as libélulas e os arco-íris para amamentarem as adoradas criações.     

Não sucumbira eu até então, malgrado as incertezas. Descobri, incontinente, a partir daquele momento, que comandava o universo somente com meu equilíbrio emocional e o raciocínio lógico. Transmudava as suposições obedientes entrecortadas a meu bel prazer em formas longitudinais, provérbios instigantes, melodias irrefutáveis. Obrigava, altivo e senhorial, os movimentos calados a se transformarem em objetos e estes eu os estilhaçava em simples efeitos sonoros, desconsiderando, por último, interpretá-los, eu mesmo travestido em saltimbanco, em seus papeis de despedaçados remorsos humilhados de nada. Sentia a gloria beijar meus testículos como o fazem os colibris em suas fainas singelas.

Por fim, eu esculpia meticulosamente, a partir do fundo subjetivo das minhas elucubrações, eloquente eu, sempre auto centrado e só, como comandava a minha superioridade, e endeusava os restantes dos nadas, obedientes e inúteis, com os quais embalava as sensuais gotículas de orvalho descendo pela janela para refletir os afagos doces com que as minhas fantasias acarinhavam o próprio ego em seus seios maternais. Neste exato ponto do enredo, que eu compusera em minha euforia, senti a presença de Édipo passeando altivo e vingativo em meus meandros como se fosse mestre sala do inconsciente ou menestrel vegetariano.   

Se compensavam as suposições entre o instinto de maternidade e o arraigado espírito ontológico de prevaricação da classe abastada. Com estas colocações esclarecidas restaria encerrar a pauta evitando a prolixidade. Não havia realmente mais nenhuma dúvida oscilando entre as metáforas e as figuras de sintaxe, esperando-me depois daquela vírgula inútil antes do final do parágrafo. Era claramente visível, a intenção desta pontuação atrevida, como se tivesse a intenção de sujeitar-me à mesquinhez de alguma parábola ou propensa a convencer-me de que a aceitação do resultado do exame psiquiátrico me traria mais sentido pragmático.

Meu raciocínio, além de brilhante, era perfeito, assim conclui modestamente. Rememorei todos os detalhes. Volto aos fatos, para aclarar os acontecidos. Confirmo com saudades, como assistia enternecido, que há anos descia uma simbiose, em formação ainda, de melancolia com pé-de-moleque do outeiro de Rantaso, sempre que esta situação se plasmava. Era um alerta a figura da simbiose. Com isto posto, automaticamente, uma pétala fugidia do arco-íris se acomodava na parede da varanda onde o sol vinha descansar ao meu lado. Ali cantava o astro chamando a brisa para embalá-lo antes de se retirar para o poente. Eu o ouvia cerimonioso, sem interferir, nas suas cantilenas gostosas, longas, para não o perturbar.

Lembrei-me, isto é fundamental no contexto, que possuía ainda a mesma caneta Parker que fora de Jongoinho, meu avô. Por temperamento ou tradição estava a Parker relutante em anotar o que eu ordenava, mas os fonemas se comportavam dóceis e convencidos da necessidade de ocuparem os espaços vazios, ortogonais, disponíveis entre a indecisão das orientações metódicas que eu lhes impunha e um preconceito de gênero que atravessava o zodíaco sem solucionar suas incertezas psíquicas. O vão entre a demanda de carinho e a indefinição sobre a síntese metódica do pecado original foi suficientemente intransigente a ponto de propor-me conceitos conflituosos. Na dúvida não rejeitei nem considerei que o azul seria a cor preferida para ir a quermesse de Santa Ruíta. Sabia e, modestamente, aproveitei todos os conflitos, impondo-me penitências sucessivas para suportar metodicamente vários pleonasmos arrogantes e intransigentes durante a quaresma que se seguiu. A Parker foi extremamente compreensível neste período exaustivo. Não sei se me fiz claro, embora ela tenha desaparecido.

Não desisti, mesmo tendo seguido com olhar cativo o beija-flor à janela ao desviar-se da primeira camélia que se ofereceu, até ver nitidamente o vitral da sala ser cortado por uma cigarra ofegante pedindo para ser aproveitada como soneto alexandrino. Caso não ocorresse esta metamorfose monocromática, pediria eu ao Cônego Vicatinho escusas por não participar da comunhão dos abstêmios da sétima ceia na catedral em louvor ao imponderável. Mudei de espaço psicossomático e retornei ao Bar do Rigado onde o garçom limpou o silêncio, esclareceu que o tempo era uma questão de ponto de vista, metamorfoseou um subterfúgio em dó sustenido, fantasiou usar seu melhor pigarro para ser convincente ou trocaria as incertezas de que dispusera até então para confundir o futuro. Não me permitiu escolher entre um salmão sem tempero e uma moça vistosa que se sentou à mesa em frente ao caixa, com um decote delicado e atraente.

A partir deste instante não consegui atinar com alguns dos detalhes que me impuseram as circunstâncias. Não entendi porque o policial armado entrou pelas portas do fundo enquanto sua companheira, saindo de uma ambulância, moça até educada, ofereceu-me a camisa branca com tiras sobrando e que adoravam se entrelaçar dos meus quadris às costas, apalparem meus mamilos, beijarem-me até o pescoço. Gritei independência ou morte em homenagem a Tiradentes, pois me senti um ícone de mãos atadas, lindo como peça descomposta em pedra sabão pelo Aleijadinho nos outeiros das Gerais.

Me pus calmamente em tormentas e adjacências desmerecidas. Imagine eu, com o meu acervo intelectual e artístico de saltimbanco consagrado, poeta, instrutor de marimba e filho de Ogun Lele.  naquela postura de irreverência junto ao público que continuava sendo devorado pelos seus apetites incontidos, pratos circulando, garçons gritando, apogeu do destempero. Mas enfim dos males o menor, fez-se e faz-se o tempo. Daqui escrevo, este santuário de solidão, pois ouço agora, muito compreensível, só a angústia desta pobre jabuticabeira ao meu lado, que reservou em particulares sussurros a mim, a pouco, que não tem ideia do que fizeram com o mamoeiro geneticamente modificado, que a acompanhava apaixonado e de mãos dadas nos passeios das manhãs.

Acredita ela, agoniada, que uma ONG ambientalista o sequestrou. Escutei-a chorar, por último, enquanto a moça de branco e mandante, ciumenta da jabuticabeira que me acarinhava e apetecia, puxava-me pelas mãos e sugerindo a tomar pílula de sonhos ou dos delírios.

 

Ceflorence     01/09/20 -   E-mail:  carlos.florence@amabrasil.agr.br

 

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

O SER, A RAZÃO E O DESEJO

            Entre o Infinito e o Eco, há uma zona denominada pelos fiéis de Rosa Delicada, figura miúda e delicada, extremamente prestimosa, onde o Sonho prefere habitar antes de se acomodar no Inconsciente e criar as Dúvidas. Isto tudo se justifica relembrar, com carinho, para nós focados em entremear as incógnitas da Melancolia, para confirmar a concretude do Nada e o esplendor do Absoluto. O retroceder do Eco, quando Orcomoi, Criador do Cosmos, estabeleceu o desvão entre a Paranoia e o Equinócio foi à comprovação de que o Nada habita o infinito, mas ele sempre se esconde fora de onde o procuramos. Em consequência lançou a Divindade sua imaginação ao garimpo dos motivos e correlações entre o Paradoxo, Carnificina, Fundamentalismo, o Nascimento e, inclusive, o Pecado. Segundo ele, elementos indispensáveis aos Existenciais. Embora inexplicáveis aos mortais, estes valores são partes relevantes dos dezoito Mistérios e as sete Arrogâncias que compõem o Mundo, a Sátira e o Caos.

Segundo os Arcávoles da Maucária, o primeiro clã que se deu a estar na terra, assim se formou o Cosmos, a Intransigência e o Apetite para justificar a criação do Corpo e da Alma. Orcomoi formatou seus delírios criativos pela Alquimia Espiritual, altamente subjetiva, para acompanhá-Lo no abstrato em que produz, reina e atua. Desdobrou, posteriormente, a partir destes germes primevos, sequências irregulares de alternativas transmutáveis para glorificar, merecidamente, a Si.

Compôs, após, para justificar sua existência, todas de Formas, Cores, Objetivos, intrincados entrelaçamentos Quânticos, elaborou a Fantasia para justificar a Realidade, permitiu-se lapidar com método as Abstrações, os Absurdos, parte como Imprevisto e outra pela Regência dos Astros e a relevância da Menopausa para marcar o Tempo. Realizou, obstinadamente, os Ilimitados complementos existenciais e inexplicáveis dos gêmeos Macro e Micro, a partir do incomensurável, aos ínfimos, quase inexistentes, Prótons, Nêutrons, Neutrinos, instáveis. Para tal moldou, a seu prazer e ganância, a Força para impô-la proporcional a Massa e na Razão inversa à distância. Condensou conjecturas Psicológicas para justificar a Confusão, Psicanálise, o Canapê e a Inconformidade. Em paralelo instituiu o Complexo de Édipo, a Quinta Sinfonia, ao configurar sua imaginação artística, programou metodicamente a Metamorfose, a Bolsa de Valores, o Subterfúgio e o Calote. Elaborou o Existir, o Permanente, na recíproca o Provisório, a Fé e instalou, no entremeio, o Indelével só para Si e seus Preferidos. Marcou em cada substância concreta ou espiritual seu lacre batismal, para que ninguém se esquecesse do Eterno.

Houve no início, épocas de confrontos e escaramuças, entre um Vento a Bombordo, presunçoso e hermafrodito, que se fazia indiferente, e o pensamento Platônico, tanto que Orocomoi, como se registra, acordou certo Milênio Luz, como preferia arrematar seu tempo e espaço, inspirado, bocejou satisfeito e procrastinou, sem saber por que, mandar à Terra, então escolhida por estar na Latitude mais próxima do seu coração, três entes ainda incipientes de provérbios e motivos para se definirem em Usos, Hábitos e Conceitos Pragmáticos. Escolheu, ao acaso, o Soberano, na onipotência da sua autoridade, a Razão, o Ser e o Desejo. Poderia ter optado pelo Sentimento, o Nada e a Dúvida. Mas ao Supremo não se demanda explicações.

Estava a trindade preferida desfazendo-se em preguiça saborosa entre outros indefinidos criados pelo Senhor, em recantos alternados do imaginário sólido do Sobrenatural, autocriado, zanzando pelo Cosmos Celeste, antes dele autorizar a existência ao Tempo, ao Espaço e por último à Vida para justificar e elucidar a Magia, a Paranoia e o Contrafeito. A Vida até então inexistente e só se justificaria para dar provimento a estes entes inferidos pela Divina vontade se atribuída para as suas ordenanças e malbaratadas estripulias. Foi para atender apelos do Desejo, da Razão e do Ser que Orocomoi se deu-Se a criar então a Vida em formas multifacetadas, intrigantes, conflituosas.  

A Razão, como se preferia estar, apeteceu acompanhar-se a direita dos desconhecidos pelo Cogito, inflexível e prepotente, para achegar às regiões de confronto, a Terra, lugar de destaque até então no centro do Inexplicável, antes do Senhor idealizar Galileu para deslocá-la a um lugarejo medíocre desmerecido, desprestigiado, nos arrabaldes do infinito. Arrogou-se a Razão o direito de impor, como condição de prestar contas ao Soberano, a prerrogativa de organizar desde o Abstrato, passando pelo Infinitesimal, a Nanociência, coabitando ainda com estas esferas o Método, Samambaia, o Recém-Nascido, Abstinência e a Prostituição.

O Ser preferiu, ao despedir-se do imaginário de Orocomoi para baixar à Terra, trazer consigo o Indelével, a Epistemologia, o Devaneio para levantar celeumas, instigar os Motes, encantar o Absurdo e criar Amor, Ciúmes, o Ódio, Medo e o Olfato. Obediente, não impôs condições ao Mandante, amealhou a primeira Imprevisão que transitava sem esclerose pelo além, se fez vestir de Antagonismo e estremou caminhos para o que “seja o que deus quisesse”.

O Desejo considerou indispensável portar consigo o Perigo, Ambição, a Utopia e, a reboque, convidar sua oponente espiritual, a Satisfação, para também florirem nas instâncias que mais as apraziam e confundirem o imaginário. As coisas divinas não se pautam por sincretismo ou simbiose, mas somente sob a batuta do inextricável, sem jamais permitir desenhar a fragrância do Óbvio e da Clareza, que se acomodam suavemente ao lado do Zodíaco, preferindo sentir o Amanhecer, quando a Ternura não se envolve em atos libidinosos. Isto fica bem mais explicito quando se escolhe o sabor do Obscuro, a fragrância da Latitude Boreal e o ensejo da Latitude Austral para demonstrar como as decisões do Supremo são sempre pautadas por motivos Coerentes e Lógicos. Estas definições vieram por ordens Soberanas, para surtirem os efeitos categóricos, plenamente justificados pela forma bucólica em que nasceram os Irmãos Siameses, o Absoluto e o Nada.

Ao se encontrarem em plagas terrenas os mandados do Soberano, Desejo, Razão e Ser, se puseram a atuar ora em conjunto, quando então os ventos se deslocavam da nascente da Dúvida para o Azul Marinho, e ora separadamente, quando a Sinfonia era Dodecafônica e preferiam em Sincopados e preceitos Individualistas. Foi desta maneira particular e isolada que o Ser se implantou como representante da Mitologia, da Evolução da Espécie e da Divina Comédia. Isto deixou marcas indeléveis na Escolástica e na procriação hermafrodita. Com isto prosperaram as Religiões Fundamentalistas, o Pretérito Imperfeito, Organismos Geneticamente Modificados e a Radioatividade. Sobre estes contingentes criaram-se Sociedades Anônimas, Não Governamentais, Beneficentes, Esportivas e Terroristas para justificarem e adorarem o Senhor.    

A Razão se pôs de imediato, seu feitio orgânico, a entrecortar sistematicamente o uso da Clonagem, do Sermão, dos Juros Compostos, Preservativo, Orçamento e das Fakes News. Com isto promulgou indispensável a necessidade da Política, do Centauro, Religião, Inveja, da Matemática, Mentira. Foi neste formato que se permitiu elaborar a miscelânea entre Contradição e Contraditório e promulgar a relação bissexual, preconceituosamente estigmatizada, entre os meandros de Todavia, Hermenêutica e do Quiçá. Esta é a história real dos acontecimentos da criação do Conhecido, do Silêncio e do Porvir, dando origem ao Suposto e a Santa Ceia.  

Não há assim dúvida de como se formou o Universo. Aparentemente seriam assuntos alheios, mas sob a ótica do Criador não existem intercorrências isoladas no Cosmos, na Mente e na Fantasia. A criação é Única, Inseparável e Inexplicável. Desta forma a população de Arcováles da Maucária comprova estes fatos com as pinturas rupestres que preservam e adoram nas cavernas em que habitam com os mesmos respeitos, adorações, costumes e valores dos seus antepassados milenares.

Assim profetizou Orocomoi, para dar respaldo aos seus Delírios – “que se instaure em meu reino o Início e o Infinito, desde a inexistência do Nada, até os confins do Absoluto e se desfaça em todo o Caos e se justifique o Eu. Amém”.

 

Ceflorence   02/08/20  - E-mail   carlos.florence@amabrasil.agr.br  


segunda-feira, 29 de junho de 2020


SALVE O INFINITO E O PADRE NOSSO

Há sete desejos sumidos e cinco luas findas, mesma fé, sonho não provinha.
Criança chorava só, leito, mãe desprovia do peito, cão grunhia.
O sol espreguiçava em sustenido, melancolia dispersada, solta, afronta.
Derriçou o verbo, derramava chuva, turva, sonho despariu infinitos, sumiço.
Feitiço? Prantos, chusma de andorinhas, doze sorrisos, grito no escuro, solidão.
Prontidão, atentas, todas, manias, cartomantes, beatas, rameiras.
Umas santas, sensatas, outras profanas, vistosas, altaneiras.
Padre Bencó professava às primeiras, mas demais abençoava, crendoso, castiço.
Tanto sonho faltado, rua vazia, gente, sandice, sarjetas, sem prosa ou mossa.
Nossa. Fez-se inverno, veio frio, pediu trégua, passou régua. Estica, aguarda.
Não brota sonho, é a sina, povo duvida, rio abaixo, mundo acima.
Desavistou azul, indescortino, gente chora, pintassilgo em muda, descanta, nada.
Desarrumo, aventa praga, não desdiga do vento, sonho, nada.
Sonho? Sonho, que és de ti sonho?
Maré cansou do embalo, o barco saiu sem vela, vela ficou ao tempo.
Restou ao leu, intrigou, sonho, apogeu, cisma subiu ao céu?
Ronda do mar calou, Netuno atenta Iemanjá. Sonho afunda. Se dá mais? Jamais.
E por ser por demais desfeito, se dá dando ao infinito, desassossega, paira, para.
Paira, espera, arvora, clama o sonha, acanha, some sonho. Estranha hora.
No entanto um adeus, regaço, solidão, esperança, lira desfeita, sida.
Deserto, relento, sol, destino, sonho ido, mágoa, morte, não ser.
Caiu o verso, sumiu o senso, fantasia perdeu-se, era, quebrada, desdeu-se.
Seja feita sua desfeita aqui na terra como no além. Pois como sonho desfez-se.
Amarga, o tempo se faz solidão, apavora, desampara, morte. Esgarra. Vez?
Em vez, por ser, talvez, apetece, acontece, veja, astros revertem. Atrás.    
Renasceu pelo amanhã e se verteu incenso, mirra, cantar e galo.
Afogaram cismas, penhor, solidão definha. Porém provérbios, amém, vinham.
Renasce, criança fantasia, mãe aleita, estreita, aquece, sonhama, ama.
É. Só, sonho, sol, maré desponta, fé viceja, veja, Padre Bencó aflora. Ora.
Beatas, santas, rameiras, abundam ruas, sarjetas, festejam, sem réguas ou tréguas.
Festejam vícios e canções, sonhos soltos ao dará, Deus, ocasiões. Transforma, versa.
Morre a cisma, cresce a rima, verbo, sonho abunda, alegria graça. Euforia.
Canta, rua acima, mundo abaixo, alucina, traço, proveito, provérbio.
Enfim fim sós. Só somos só sonhos só!        
 
 Ceflorence   29/06/20    E-mail    cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 4 de junho de 2020

FANGAS E OLÓCIOS EM ESPLENDOR DO MACAÇAU.

            A última janela, final do corredor, entre o oratório, quarto do silêncio e fantasias, a biblioteca, sempre deixava entrar à tardinha um resto de luz melindrosa intendendo se insinuar tais libélulas, com certo afeto místico a ser e se fazia deslizar ao além ou invadir o imprevisto. Assim se anunciava o dia feito com o poente debruçando sobre a solidão e o sino da capela de Esplendor do Macaçau chamando para a Ave Maria. Rondeava, tanto por ali também, um aroma delicado de poesia colorida nos chilreados dos pintassilgos entremeados com o sorriso espontâneo de Vó Somezinha.
Cismando, atento, se escutava baixinha a sonoridade dolente de arco íris das asas das libélulas brincando de melancolia. Era mesmo nesta sutileza que Tio Guanduxo apontava-me os sumiços das libélulas ao em se indo infinitas céus afora, misturadas em sustenidos, antes de voltar a solfejar grave, com os dedos magros sobre a partitura de Fígaro, para apresentar-se, um incerto dia, com Maria Callas, quando o Cine Teatro Avenida estaria lotado.
Escapava, depois de ouvi-lo, aos meus aforas insinuados, convencido dos destinos das libélulas, mas intencionado mais na obrigação de puxar pelo rabo Alai, gato russo, ainda com saudades de mamar e ensiná-lo, carinhosamente, a tomar ciência das tarefas da ratazana mais velha, do relógio de carrilhão da sala grande e da aranha felpuda tecendo delicadezas pelos tetos inacabados do solar. Do fundo do pomar vinha um silêncio convidando à preguiça. Os passarinhos ali nas árvores não sabiam que habitavam o prometido, supunha.   
As quebradiças paredes sujas, cada dia uns casquilhos maiores, nos olhavam ouriçadas, pois careciam resguardar o passado plasmando nos desenhos lapidados das goteiras refletindo abstrações e horóscopos. Nestes astrais, Vó Somezinha penetrava com a sua alma imantada de além, impregnada de ciência profunda e esgarçando fé do infinito. Dependendo da forma envesgada do seu olhar pelos cantos das fantasias e das crenças com que acordava, conseguia soletrar em braile, ela, os entrecortados nos tisnados do porvir, pois o passado e presente, ali grafados nos reboques, não mentiriam à evidência do advir a caminho.
Memoro se correto, estávamos na quaresma, pois só às carnes achegava miúdo, eu, escondido e àquela manta despencada longa do jirau, com o melhor perfume do mundo, o proibido, sabor de pecado original, ousadia, pendurada no fundo da dispensa, com certo ar de solidão e meditação confabulada. Para mim festiva e temperada pela dentada gulosa, vigiada pelos olhos ladinos à porta grande, carne sensual, pontas dos pés sobre o caixote bambo, pois se esticava bem ao alto a peça farta, afastada dos ratos, das manias, das crianças.
Nestes torpores, os pretéritos e as andorinhas ligeiras retornavam do infinito ao se pôr o sol, de onde traziam seus mimos para os esparramarem aos pés d’Avó Somezinha no terraço fazendo mandriar-se cochilenta, merecida, no terço em reza ao Vô Albargádio. Neste tempo, Tia Ancinha atravessava dia em busca de todos os cômodos, corredores, pausadamente, repetindo aos falecidos suas obrigações, os quartos de cada um e os cuidados para não assustarem as formigas carinhosas responsáveis por despertarem os sois nas madrugadas.
No sobrado, a imortalidade às vezes se distraia e escapava alguém para se deixar morrer por algum pouco tempo, mas assim que se descuidasse voltava o falecido, fagueiro, ao armário de Somezinha, aos passeios da Tia Ancinha, para o boa-noite do galo índio, coruja do forro, acariciar o cachorro, beber água na bilha, amém das seis horas, ou o sim-senhor de qualquer estranheza ou novidade que atravessasse o imaginário e a fantasia.
Foi neste mesmo outono, ano de chuvas pesadas, roças faceiras, nhambu acanhando moroso das águas no entremeio do ensejo preguiçoso e do pé de serra que se deram os acontecidos e ditos que reponto. O tempo se marcava bem, o casal de fanga e olócio, de que falei, chegou ao sobrado de forma espontânea, metódica, educada. Vieram com intenções de eterno, alongados do pretérito até a suposição do desvelamento, ao que deduzi pelo perfume marcante.
Passaram a se disfarçar de inexistentes e corteses no desvão desocupado, camuflado, vizinho de uma goteira na claraboia enxergando a lua, entre o sótão do forro mais alto, pegado exatamente ao pedaço de imaginário incolor que circulava pelos corredores e um tom indeciso usado para prevenir mal olhado que Somezinha guardava na terceira prateleira do armário das maravilhas mágicas e vidências.
O primeiro olócio a que atentei tímido e recatado, como nas demais vezes, se fazia em azul reclinado sobre a autoconfiança introspectiva, solfejando um sombreado viscoso, elegante, disfarçado de perplexo, nada invasivo. Punha-se ele entre os copos, taças, talheres da cristaleira no canto do fundo da sala de jantar, muito a vontade, tranquilo. Agitava-se sem preocupação entre as prateleiras com sua sonoridade de estilhaços acomodando-se às peças a se fazerem sorrir estagnadas em seus lugares, imóveis, caladas, sensuais, para recepcioná-lo. Davam a nítida sensação de que os cristais se gratificavam com os afagos delicados e cuidadosos ao tocá-los olócio.
A janela do meio espiava o infinito no hábito antigo de se deixar ouvindo o deslizar suave do silêncio de uma parreira começando a florir. Sistemáticas abelhas, borboletas, mosquitos, cirandando suas satisfações nos entornos apareceriam dolentes vagueando desejos, tanto que o sol aproveitou o balanço da poesia em curso e esparramou-se descontraído, preguiçoso, sobre a mesa posta. Notei estranho que o sol antes de se debruçar sobre a última cadeira de espaldar nobre sorriu-me como a pedir permissão pela ousadia e intrusão. Ao ensejo do olócio presente, estes detalhes foram se imiscuindo comigo em um só existir e não conseguia mais, eufórico, diferenciar onde começariam os inebriados derredores e por onde afloravam minhas ideias íntimas excitadas. Pelos segredos intangíveis fui me metamorfoseando em um nós inseparável. Senti-me entrar pela goela melíflua indefinida do abstrato com sabor de imponderável e transmudar o eu em enorme interjeição de nós.
A partir de então, envolvemo-nos suavemente em uma algaravia cativante, não distinguíamos se interna ou externa, nos autodevorando de maneira macia e percebemos um último pensamento meu, isolado, já distante e disfarçado, prestes a alcançar as asas preguiçosas de uma mariposa para esconder e livrar-se de conflitos. Entalamos unidos entre uma suposição arregalada e abduzimos com a cadeira de braços que fora do Avô Albargádio ao sentir o olócio nos encantar. Concluímos, pela forma alegre com que o teto nos acariciou que não estaria o advento do olócio ligado ao horóscopo do dia findo com regência de Capricórnio atraído pelo Zodíaco em Áries, que se separara da constelação de Netuno para enaltecer a fertilidade de Peixe advindo, conforme Somezinha confirmara à prima Mecália engravidada do oitavo filho a nascer no final de ano.
Notamos, neste momento, que olócio estendeu delicado e afetuoso os membros desuniformes de sua sombra elegante, viscosa e juvenil, balançando calma e fagueira, para segurar carinhoso o vestígio da sua fanga adentrando a cristaleira. Invadiu radiante ela, sombra sílfide, misteriosa nuance, secreta, colar invisível tilintando mouco, melodia silente, fragrância de pecado, sabor de desejo. Fomo-nos amalgamando àquelas fantasias e não separávamos mais o antes do azul, os móveis da imaginação, as teias das aranhas trinavam candentes ao sorver os pássaros, enquanto o pomar beijava sofregamente o forro de taquara para se fundirem e, assim, coesos pusemo-nos a introverter em um só êxtase às paredes sensuais.   
Nosso alongamento sala deu-se encolher ao fundo, como braço suave se curvando delicado, tal se portam os sonhos para não fugirem do inconsciente, e nos permitimos desvanecer acompanhando as sombras se aconchegando. No mesmo movimento, nossa integração cristaleira, respeitosa, debruçou-se sobre o aparador para facilitar a descida da fanga e do olócio sobre tábua furada que se envaidecia e se inteirou para os ruídos assombreados deslizarem mansos tais brisas que a tarde trazia. Na medida em que cruzavam nossos espaços as sombras delicadas, as formas dos moveis, objetos retornavam às suas individualidades, as paredes sorridentes reassumiam suas imponências eternas, não antes de se contorcerem para ajustarem os reboques, as poeiras, a preguiça sobre o eterno.
Fanga e olocio, com graça e melindre, irromperam nossa perplexidade, exalando indefinidos silêncios perfumados e dispuseram em nossas mãos curiosas uma única colher miúda de dúvida. Não tinha sabor, cheiro ou cor, mas nos sabia altamente suspeita para o uso sem orientações precisas de Somezinha. Ao deixarem a pequena amostra de dúvida, foram morosamente se despedindo do integrado, nós, e retornaram olócio e fanga pela cristaleira, que se ajoelhou delicada para galgá-los às hipóteses ou às alternativas que os indeterminariam. Olhei o redor e os objetos, sons, os silêncios, imaginações volviam impertinentemente ao estável insonso, imutável convencional, como fossem alegrias desajustadas, tristes. Abandonaram-me cruelmente incompetente com sabor de orfandade deprimida. As lúgubres cadeiras de braços, em suas imponências eternas, destroçando sobre as tábuas puídas plasmaram circunspectas, como se impunham existir, e eu, indefinido, choraminguei tal qual permitido, dedilhando a dúvida na palma da mão sem saber ao que destinar.
Procurei o quarto de Somezinha, ansiedade abraçada escada acima, degrau, degrau, ansiedade. Bati baixinho na porta larga de duas folhas com a mão vazia e segurando a isca de dúvida na outra, cuidadosamente. Somezinha continuou um tempo mais no oratório conversando com o falecido Vovô Albargádio, como me disse ela, pois vinha ele prudente ao anoitecer para deixarem o silêncio os acarinhar, sossegados, antes de agasalhá-lo, pô-lo a dormir. Depois de beijar-me, doce, perguntou o por quê do olhar de socorro. Mostrei-lhe a pitada de dúvida no centro da palma da mão e contei-lhe os detalhes da visita da fanga e olócio, as movimentações das cristaleiras, sons, pensamentos, paredes nos incorporando em uma só deliciosa alucinação inebriante. Chorei novamente por ter sido abandonado à minha incompetência naquela sala de realidades indiferentes, tristes, concretas. Vovó apertou delicada minha mão, fechando-a sem mais olhar.   
- Enásio, menino, hoje se deixou vir em arrebatamento à segunda essência que governa o absoluto, os astros que regem do infinito à nossa insignificância. A primeira foi o desejo, tão logo concebido por seus pais, a segunda a dúvida, que vem com a maturidade, para o bem e para o mal. Veio a você nesta metamorfose entre você e incomensurável entorno, pois tudo ocorre como uma só consciência no seu existir, no pensar. No momento que colocou o todo em eu sentir, o seu sentir, pensar era o todo.
A dúvida chega a cada um de forma muito especial. Quem criou o cosmos pensou em detalhes. Tudo é envolto no êxtase existencial por estes dois fundamentos, desejo e dúvida. O resto são detalhes decorrentes. Se a dúvida antecedesse o desejo o próprio Criador poderia não ter idealizado o cosmos, a terra, a vida. Imagine se ele preferisse o nada ao ter dúvida no seu desejo.
Chegue pelos tempos infinitos a você mesmo, que ficaria desesperadamente em dúvida se preferiria nascer ou se eternizar no útero indefinidamente com sua mãe. Duvidaria se deveria mamar ou ouvir o sorriso dela. Os homens se fazem em desejos de se tornarem Deus, mas duvidam como. Sofrem entre a dúvida a escolher, amor ou ódio, guerra ou paz, afeto ou solidão. Tenho eu dias vários desejos infinitos que minhas rezas, bênçãos, vidências prosperem, se eternizem, mas tenho dúvidas e sofro até que se rebrotam. Pense na dúvida de Guanduxo se Maria Callas virá a Esplendor do Macaçau. E nas dúvidas de sua Tia Ancinha se as formigas não despertarem o sol ou os mortos resolverem migrar para outros aléns.
Só você poderá balancear suas dúvidas e seus desejos. É a vida, eu estou em dúvida de uma alegria triste profunda se lhe dou um beijo porque você se emancipou ou se acabrunho porque vai se alimentar da imensa angústia que é de decidir sempre entre as liberdades que as dúvidas lhe trarão para escolher sempre. Vá dormir. Vou ver se Albargádio está dormindo mesmo, pois à noite duvido às vezes se ele preferiu morrer sozinho em algum além.

Ceflorence     04/06/20         e-mail - cflorence.amabrasil@uol.com.br              

segunda-feira, 27 de abril de 2020


FANGAS - OLÓCIOS E O CÍRCULO INDEFINIDO DE ÁRIES

            A vida se fazia exatamente sonolenta, azul, metódica. Dias longos assistidos cuidadosamente pelas artimanhas das aranhas entrelaçando paredes, escondendo seus silêncios para adornarem os tetos tecendo motivos, melodias. Dava-se existir em passarinhos cantando, jabuticabas amadurecendo, o sol filtrando sensual entre as teias e invadindo pela claraboia.
Raios tais, em sendo sim, eram então véus singelos, tão puros, transvestidos e brincando com a brisa gostosa disfarçada pelas janelas largas. Assim como era o tempo então do ser em ser e só se fazia assim, o ser, porque tudo era muito assim para ser. Refaço este passado, pois não sabia parar, ele, passado, para se presentear e depois se fazer para intentar o futuro o mesmo.
Tal sonhava, eu, e pedia, muito, muito mesmo, para nada mudar e não arruinar os intentos. Era o medo de tudo se acabar para sempre sem eu mais poder beijar os segredos, fantasias, as ilusões. Pelos derredores eram não mais do que preguiças morosas, acomodadas em ruídos macios, abeirando para uns confins dos infinitivos que divisavam com os fundos do pomar do sobrado para depois ganharem os aléns. De então, para os desconhecidos, moravam os medos medonhos que me diziam não cruzar, embora, naquelas pontas, crescessem juntadas de parcerias umas melancolias sem serventia, segundo os antigos, mas não prosperavam ou eram agressivas quando eu chegava bem perto.
Nós ali da morada, desde criança, sentíamos pelos meandros, entre as tábuas largas furadas, sonhos e portais, um sabor doce de delírio com ambrosia, disperso em aconchegos e, se tanto, ao entorno, pois minha avó borrifava, aos pouquinhos, suas mezinhas e benções, no andado lento, arrastado sobre a sabedoria, ensinando o futuro a esperar, pois o presente estava lerdo, enquanto ela alimentava os pássaros, imaginações e dispersava salpicados sorrisos, muito seus, para os apropriados e os momentos.
Domesticadas e silenciosas se acomodavam duas ratazanas em tempo de aposentadoria vagando entre a dispensa, o pretérito imperfeito, uma rosa murcha esquecida no vazo da sala de jantar, os almanaques e livros carunchados e indicávamos ali como biblioteca. Neste envolto medievo abarrotado de prateleiras desordenadas, paradoxos existenciais exóticos amontoados, entre as obras esfacelando, Guanduxo, irmão mais velho de minha avó, esquecido de quando cometera noventa, imitava ler Ilíada, Divina Comédia, a Bíblia, Gregório de Matos, Odisseia, Vieira, os Lusíadas, ou tantos mais, enquanto ensaiava os graves profundos do Fígaro, na cadeira de balanço, para estrear, como afirmava, no Cine Teatro Avenida, que fora demolido há quarenta e nove anos, quando Maria Callas viesse a Esplendor de Mocaçau. Assim era, foi, se foi.
O fantástico e o mágico me corrompiam pelas sombras, contornos e recantos do sobrado centenário onde nos acomodávamos, nascera eu sem até então não arredar o pé e onde gerações se perdiam na memória e na história. Circulava eu pelas paredes, divagados, quadros, poesias, cristaleiras, rangidos, escarradeiras, recantos, medos, encantado com os infinitos sem entender as formas. Rodava por todo ali, em ritmo de complacências e encantos, pelos cômodos, corredores, salas e quartos, puxando um carrinho de rolimã entulhado de bijuterias eloquentes, novidades inimagináveis e ruídos vermelhos, como ela mesma, minha Tia Ancinha, bem descrevia e, convicta, exibia com seu sorriso ingênuo e afetuoso aos fantasmas dos antepassados, seus afetos e protegidos. Resguardava cuidadosamente suas formigas cortadeiras, delicadas, que a acompanhavam pelos cômodos para sugarem, miúdas, de suas mãos os açúcares e doces em calda que lhes oferecia.
Com voz macia as levava Tia Ancinha, no caindo da tarde, para dormirem no alpendre da frente, pois de madrugada se aprontavam, com pontualidade, para atender seu pedido de acordar o sol. Depois que as formigas estavam recolhidas, acomodava os velhos defuntos acarinhados em suas camas e lhes contava estórias infantis para que dormissem tranquilos. Acordava muito cedo e carregava desde então ao ombro a maritaca Remi que aprendera a solfejar em escala de sol e latir como o Capió. Titia se orgulhava de contar até dezessete, suficientes algarismos para saber os números de quartos por onde tresandava o dia todo. Vestia ela um roupão folgado costurado de sacos velhos de adubo emendados com as marcas desbotadas e sandálias de dedos estraçalhadas.
Frequentada em plena vida de alegoria por almas de todos os mantras e cantigas, cozinheira, saudades, arrumadeira, linda, lavadeira, às vezes, convidados, cachorros, bernes, criança, fungando, pescador, mentira, cantador, violeiros, catiras, pois era exatamente ali, neste torvelinho e fé, que se fazia a vida entre a cozinha e o alpendre enormes. Todos voltados em torno das gaiolas penduradas dos passarinhos que filtravam suas melodias para se dizerem canarinhos, cúrios, coleirinhas, azulão, trinca ferros e se davam os demais. Achegavam gentios vários de longas sinas e motivos, conversas de lero-leros sempre, estendidos por aquele aconchego de contos de fadas. O mundo, os embalos, imprevistos e demais inevitáveis preciosos sabores de delírios com tons pueris ocorriam ali, sorriam, faziam-se naquele quadrilátero de magia e sonho. Minha avó atendia a todos na imensidão da sua igualdade e serventia que Deus lhe dera.
Marcava-se imponente e misterioso, protegido pelas preces e afirmações de minha avó, Somésia (Somezinha), Tramaia Alcalunga Dicema, quedando no fim do corredor, a cobrir uma janela inútil, ao lado dos dois últimos quartos, o armário dos impenetráveis e dos interditos onde ela guardava seus sonhos e ilusões para com eles cobrir e proteger as armas, espada e a farda cor de quebranto com almíscar, que seu marido, meu falecido avô, Albargádio Tomasínio Alcalunga Dicema se instrumentara para o inevitável. Fora assim que se preparara ele para assumir, como generalíssimo, a frente do Corpo da Guarda Monarquista de Esplendor do Macaçau. O movimento pretendia destituir todas as autoridades locais, prefeito, juiz de direito, delegado, antes de enviar telegramas definitivos, claros, e expressos aos demais revolucionários patriotas aquartelados nos municípios vizinhos e a beira do Rio Pitomba e cada qual assumindo brava e autoritariamente os comandos locais, para juntos, sob as estratégias definidas por meu avô, navegariam em águas agitadas e corredeiras perigosas, rio acima, até à capital e onde reporiam a realeza chegando do exterior. O movimento frustrou-se, pois fora marcado para o dia vinte e nove de fevereiro em ano que não era bissexto, os revolucionários arregimentados pelo avô Albargádio foram maliciosamente convidados pelos prefeitos republicanos das comunidades para celebrarem juntos o carnaval na sede da Comarca de Ponhatã de Cima.
Todos se embriagaram. O veleiro que transportaria os imperialistas fora requisitado pelo Rei Momo, que recebera a chave da comarca como símbolo dos festejos, e confiscara carnavalescamente a embarcação para transportar a banda de Ponteio da Pedra Velha. Mas ainda para reforçar e deprimir a malograda intentona, os herdeiros da monarquia, descendentes da família lusitana, que já estavam no país, não foram avisados do movimento, não tinham a menor vontade de se envolverem e menos ainda em época de carnaval. Sobraram do movimento o inusitado, o imenso amor de minha avó pelo marido e um aroma debalde do propósito que a nobreza e a aristocracia bateram à porta do sobrado, mas o destino fora cruel.
Guardava vovó, a sete chaves, no mesmo armário fantástico, junto com os sonhos, armas, fardas e dragões monarquistas do vovô, um farnel incontável de utensílios dela para exercer, com muito êxito e ciência, as suas premunições, benções, oratórias, quebrantos e rezas respeitadas por todos em Esplendor de Macaçau e redondezas. Ordenadas em pequenas caixas talhadas com símbolos exotéricos dos rituais e magias, infalíveis, seguiam as peças mediúnicas para celebração dos imprevistos, lupa de enxergar o além, concha de recolher o etéreo e o difuso do fundo do copo com café amanhecido, repousado, virado para o lado da lua cheia em janela do leste do oratório.
Detinha ela na solidão do móvel, sementes e seixos de tamanhos, cores e formas diversas para com eles sentir os tatos e o refluxo dos eventuais, das arbitrariedades, desafetos, angústias, das paixões. Eram estes seus inúmeros tarôs, de origens incontáveis, seus poderes divinos, que só ela traduzia com os olhos vidrados nos imponderáveis e nos inconscientes.
Águas, óleos, pós, misturas efusões das profundezas, abençoadas, exotéricas, poderosas nas curas das malignidades físicas e emocionais, que ela prescrevia com exatidão, crença e resultados. Mantinha ainda no armário um talismã de apalpar o cheiro e o sabor da vida, a definição do sexo a vir à luz, prever doenças a caminho, cataclismo, morte, traição. Patacas antigas a serem apontadas pelos consulentes e só assim nos seus apalpados se tornariam infalíveis para as revelações de vidas eternas, saúde, quebranto, alertas contra desencantos e maus olhados. Pendurados nas portas se colhiam todos os tipos e formas de compassos, triângulos, réguas comuns ou numeradas, heterodoxas, todas entronizadas, santificadas, demoníacas para traçar a exatidão dos horóscopos e dos destinos. Protegidos pelos espíritos de todos os santos e orixás, quedavam os baralhos específicos para responderem, sem titubeios, pelas flutuações do cosmos, das colheitas, para atender moças virgens, semi-virgens, viúvas, as más casadas, traídas, que corneavam. Os baralhos não poderiam jamais ser trocados ou invertidos em seus usos próprios para que os confrontos, fins, astros, fortuna, imponderáveis, não se confundissem e misturassem as almas atendidas. As secções particulares de vovó Somezinha só eram feitas em dias de sol, a partir da madrugada e quando a brisa do noroeste trouxesse o beijo e as benções do Senhor. Caso não houvesse o clima de exaltação, as magias tresandavam. Trajava ela branco para atender até às onze horas, quando o galo índio do fundo do quintal, pontualmente, a avisava do dia sido.
Na prateleira mais alta do mesmo armário enorme de Pinho de Riga, com a sua ripa preta estreita de óleo pregada do alto ao chão, como símbolo eterno do luto, desde que meu avô morrera, guardava vovó os licores de pequi, jabuticaba, framboesa, tangerina de produção de muitos anos que ninguém mais se arriscava. Restavam nesta mesma tábua do móvel descomunal, os cordéis e tarôs para lerem-se os destinos só dos homens, dos animais de estimação e as volubilidades das chuvas e secas. Por último, com o maior carinho e precaução, encontrava-se o vestido com que se casara Vovó Somezinha depois que fugira com Vovô Albargádio de Abadia dos Menestréis, deixando no altar o noivo a que fora prometida pelo pai e que jurou vingança antes de se suicidar. Cavalgaram dezoito horas, três trocas urdidas no correto do manejo e raça das providências pelo avô, animalada soberba de desenvoltura e fidalguia, ajustando as marchas mais pelas aguadas, mor não deixarem rastreados para as catas dos que vinham no encalço e se deram em ser de corpos e almas, desmilinguidos, em Esplendor do Mocaçau. Não era ali então não mais do que um pouso carecido e pobre de muladeiro e jagunço a beira rio. O vestido era estendido ao sol em cerimônia semanal, depois de passado com muito esmero a ferro em brasa, antes de vovó vesti-lo e exibi-lo a todos nós, inclusive aos cães, às invejas, pássaros, formigas e aos segredos, por não mais do que quinze minutos e devolvido ao armário dos incontáveis e dos sonhos.
Mas o que mais me atraia e queria contar agora nesta prosa de beira de fogão de lenha, nesta hora de acarinhar serão, seria sobre duas famílias de fangas e olócios, vindos de um silêncio dodecafônico desconhecido, como garantiu minha tia, e que chegaram entre o repicar do sino da matriz e uma chuva forte de verão que estragou muita lavoura e carregou, beijou o pé da igreja e um eito baita de criação de Esplendor de Macaçau. Passaram a habitar eles o sótão do sobrado, no começo, em total surdina, sem mesmo nos darmos conta, mas com o tempo foram se assenhoreando dos ventos das cumeeiras, dos pensamentos que andavam soltos pelos corredores, ficaram íntimos das aranhas tecendo suas artimanhas, sentiam o perfume das formigas cortadeiras lambendo os doces, definiam os dias pelos cantos dos pássaros que não chocavam no inverno, se encantavam com os sorrisos das visitas para alimentarem seus filhos, brincavam com os ruídos azuis das nostalgias que se escondiam pelos verdes da solidão e, ainda, pelos ......
Bom, vamos apagar o fogo jogando o café requentado e o restado se proseia em outro talvez, pois a noite alongou, as formigas querem acordar o sol e Tia Aninha começará sua ronda interminável. Tio Guanduxo já está entoando seus graves baixos na biblioteca enquanto Maria Callas não chega. O sono apontou e fica para o depois, outro dia mesmo, pois as tramas das fangas e dos Olócios, que dei conta de agadanhar espantado, muito criança eu, no sobrado da Vó Somezinha, ainda me comovem e excitam demasiado.
Ceflorence     São Paulo – 24/04/20    email  cflorence.amabrasil@uol.com.br


segunda-feira, 13 de abril de 2020


DESAFEITAS EM ALQUIMIAS DE EROS E TANATOS
 
            Caíra eu em depressão profunda face às medidas tomadas de reclusão pela invasão dos vírus, políticos, economistas e anões da sonolenta Branca de Neve. Mesmo se fez assim o último outono em Antraçós das Benções, entre pintassilgos, melancolia, inclusa nostalgias, sim, abrindo diariamente as cortinas dos invisíveis para nos pormos a saudar nada menos do que o inelutável, micro infinitesimais, famigerados diluídos no abstrato. Os movimentos eram lerdos, mas nada desmentia o refrão medieval: “uma centopeia não faz verão”; com isto as andorinhas se sentiram ultrajadas. Vesti máscara, chapéu verde oliva, empunhei jornal, com polêmica manchete: fecha, abre ou o bicho pega, assumi as sandálias havaianas e fui proibido de ir à praia ou conversar com o além. Não havia inclusive confronto entre a metamorfose do absurdo e as pequenas soluções das premonições confirmadas sobre a influência do paradoxo, tanto que as brisas contornavam as meditações não permitindo às flores restantes encantarem os sorrisos. Entre o delírio e a loucura não se conseguia introduzir mais do que um nada. O desespero assumiu o tempo e o verbo. Seria a primeira secção de psicanálise com o doutor Aracácio e não poderia deixar de estar com fome, ansioso, sentindo odor de curiosidade e com premonição de que no final da tarde sentiria falta do guarda-chuva, pois o sino da capela avisou que a missa das seis seria professada em mandarim por Dom Keioshan pelo féretro de sete contaminados em sequência e destino.
            Notei, caminhando para o consultório, que os jardins ainda eram muito dependentes por serem da infância. Adentrei pela ótica minimalista sem grande entusiasmo. Saudações ofegantes, discretas. O psiquiatra ordenou-me deitar no canapé e debulhar livremente meus delírios existenciais. Livre pensamento. Obedeci. Existia uma atmosfera de romantismo pueril entre as samambaias deprimidas e as crianças aguardando a hora de recolher pela pandemia. À distância, provável até pela sutileza delicada da neblina indefinida, a mera imaginação não parecia senão relutante silhueta de metáfora a procura de sua poesia. Nos escombros do gerúndio, em que cirandava naquele final de outono a imaginação, confirmou-se a expectativa antiga do vácuo existencial entre a angústia e o conteúdo da melodia dos menestréis compondo as sinfonias dos adventos prováveis, que propõem ser a existência que antecipa a essência para criar o nada, segundo os existencialistas. Com isto descrito, relacionei com o vírus começando a se impor a todos os gostos, gestos, paladares. As ruas se esvaziaram ao se ouvirem os sons retumbantes dos invisíveis com os dentes trincados mastigando o pavor. Pairava, sem preconceito algum, nítido sabor hermafrodito da metamorfose transformando o acanhado silogismo em petulância por ser a liberdade proveniente da angústia. Escutei o psiquiatra coçar o subjetivo ou anotar algo sobre uma folha azul pelo aroma de lua nova dos raios de sol transcendendo as venezianas, as fantasias e os bafos invisíveis dos vírus. Dei a devida distância e retruquei que os dados levantados, segundo autoridade do assunto, pelo sequenciamento da ilusão de ótica, poder-se-iam estabelecer a correlação, indiscutível, entre a menopausa e a síndrome psicológica do afro-lagartixa. Amedrontei-me com o ruído similar ao silêncio tentando ultrapassar a porta do fundo em função das meras equações do segundo grau se recusarem a estabelecer correlações com as escalas dodecafônicas e o assim o vírus poderia ser intransigente. Retornei à infância, lacrimei envergonhado, e atribui o inexplicável ao complexo de Édipo. Não pude atinar se o doutor chegou a entender exatamente o que eu transmitira, mas não havia condições de repetir, pois a sensação de que tirara ele os sapatos, como preferem estes profissionais para verificarem onde estariam os atos falhos ou as censuras, fora indeterminada.
            Enquanto tal, poderia se observar claramente que os jornalistas e as madressilvas procuravam suas razões e preconceitos entre uns papeis rasgados que o almoxarife deixara antes de ir ao cemitério na quarta feira. O psicanalista virou a folha do bloco para a página verde em que são anotados casos pessoais, endereço da namorada, receitas culinárias, informações em sânscrito dos analisados mais esquizofrênicos, melhores safras de vinho. Em seguida tossiu, discretamente, sugerindo, captei, com argúcia, pela entonação da sua mensagem para não ser tão enfático nos assentos graves e intempestivo, eu, nas vírgulas entre o sujeito, o predicado e o objeto indireto.   Não pude deixar de me reportar à borboleta Viléia, mais afeiçoada ao verbo intransitivo, exatamente quando no confronto da pandemia com as decisões de investimento nas bolsas, circunscreveu uma hipérbole original resultando em graciosa parábola ecumênica do entretenimento entre animais imaginários, figuras abstratas, mensagens de pêsames, remédios hermafroditas, orações poderosas. Desta forma intransigente, as formulações consistentes foram aproveitadas pelas crianças saindo repentinamente do Sétimo Sermão de Isaias, Capítulo dos Abstratos e se puseram a saltar amarelinha antes de levarem estas informações fundamentais como trabalho de casa sobre o imprevisível. Lembrei-me, pelo em tendo sido minha infância, que as melhores jabuticabas do outono são as colhidas entre as latitudes boreais e oitava de Beethoven. O único aparte, até então do casmurro médico, foi de que ele preferia a quinta. Pela plasticidade das circunstâncias, sabores das jabuticabas ao tempo, pavor dos invasores, revoadas das aves e da angústia, lembrei Van Gogh retratando o belo com o caos dos seus devaneios. Pousou em surdina em meu além vagando, um som com perfume de fim de dia e tive uma sensação de suicídio ou vontade de beliscar os croissants da Maria Antonieta. Os vírus cairiam, supus, com entardecer e durante as discussões inúteis, repeti ao abismado doutor que imaginara um enorme abstrato de esperança azul, antes de deixar onde estava em transe sobre o canapé cruel, escolheria um solitário banco de jardim e verificaria se seriam horas adequadas para um aperitivo ou a senhorita que passaria mascarada deveria se dirigir em português ou em libras para pedir, desesperada, ao taxi que a levasse para um horizonte sem limites ou a um refúgio desabitado. Descrevi com precisão que uma imensidão cinza fosca envolvera Antraçós das Benções e fomos todos nos diluindo em eu’s - (o psiquiatra corrigiu para egos) - assimétricos e disformes, nos desfazendo dos nossos corpos, almas, por findos intransitáveis, entrelaçando deformidades geométricas, muito irregulares e com seus ângulos indefinidos, nos transformávamos em sabores de absurdo, cheiros de pavor, sensos de incompetências, olhares de inacabados, acenos da morte. Desencarnei então em fá sustenido e pesadelo sobre o canapé, por tempo indefinido, mas foi como apalpei desesperado o nada e me pus a não existir em sendo.
            Acredito que o psicanalista e eu dormitamos neste intervalo de transe, tanto que fomos surpreendidos pelo forte ruído do bloco de papel e peso abrutalhado das anotações caindo no chão. Ele pigarreou sisudo em voz cavernosa que uma hora analítica se fizera. Senti uma fervura de delírio borbulhando entre o passado e o futuro sem o presente solucionar ou comparecer. Metrificamo-nos de tão longe que nossos inconscientes se depauperaram em solidões. Não nos abstivemos, mesmo assim, da sensação clara do vírus intentando imiscuir-se com suas garras sádicas pelas nossas insondáveis demências apavoradas, regurgitando o mistério, o insondável, a intimidade das próprias ignorâncias e por último os pavores que transvestíamos.
            Invadindo, pelo inexplicável entranhado, nos demos um forte jamais, distantes o mais possível, e até o infinito, se houvesse.

Ceflorence      11/04/20        e-mail  cflorence.amabrasil@uol.com.br