ALOPRANDO SOLIDÃO
E de muito silêncio guardado no sovaco carinhoso da perobinha
de cima, a corruíra desafogou preguiça, no canto chorado, para desengatilhar o
sol. Manhoso sol de mal humorado, bocejando querência de não nascer de vez, e
por tudo, meio assim no desabrido e na des-serventia dos inusitados. Pois de
muito antigo como se dizia, sol carecia de sempre nascer, atoleimado e vadioso,
do mesmo lado que corria o brio imponente do vento castigado da Várzea dos
Lobisomens. E vinha ele, sol, exibido de petulante, antes de se tornar poesia, sabendo
carecer subir, encostadinho, pelo pé da trilha da Serra dos Leprosos, por onde
deus tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos, quando por ali cortava caminho,
descalço, sozinho, acabrunhado e no campeio do nada. E por ser ele, às vezes empacava
de não sorrir de pronto no verde, que a mata enfeitava e nem negava, mas na
retranca escondia, conversando o sol, desviado de destinos, com os pedregulhos
orvalhados escondidos na neblina E se atrasava papeando com as macegas
carinhosas, com as juritis risonhas e com os infinitos abobados que sabiam só campear
os deuses safados, as musas difíceis e as tropelias das solidões que as almas
não explicavam; sol e deus eram de assim mesmo ali, não careciam de portantos e
nem davam conta de satisfação prestar a ninguém.
Ainda sequer não era já noitão dos fechados,
mas embora, talvez, quem saberia pontuar se correto poderia afirmar, pois o
curiango ainda nem se desfizera da teimosia de desencantar da beirada, da
beirada da prainha do riacho sabedor como ele só de saltitar as pedras que águas
da Cascatinha da Inhãnhá beijava. Foi neste ali, quando Sepião dos Afonsos
aportou no curral para desandar de fazer dia e cabrestear cavalo. E de lá ouviu
gemido manso-triste, assofrido de vingativo, descendo escabroso, vindo chegando
estupefato e enrugado de mal cheiroso de ver, quieto de ruidoso por silencioso
de escutar, meio de apavorado de fazer medo, ateimosado, muito de prontidão e arribado
nos desconfiados. Quem pariu o ganido dos Leprosos vindo, por diabo enxertado
fora por certo. Sabia saber de longe, Sepião, que depois da Várzea dos
Lobisomens, subia des-facetada de empinada a Serra dos Leprosos, amanho das
almas descambadas, desarvoradas. O cachorro enroscou na perna, o potro resfolegou
sentido e postura, o escuro assoprou carência, tudo acalentou desassombro.
No fazendo, esquecidos, tempos idos, Sepião deu conta, por
prosa de velhos e falas veladas, que no pé da serra, na Serra dos Leprosos,
acomodava, há muito, um lazareto, que as ruínas das taipas ainda restavam. Por
sendo valhacouto de desproporcionais tristezas, doença ruim de sabido, fome carregada
e desgraça, se deram de desespero os leprosos de fugir do leprosário, em bandos
sem rumos e destinos. Os avizinhados da Várzea dos Lobisomens, muito abnegados
de religiões e promessas, atearam fogo de morro acima no encalço de salvar as
almas e separa-las dos corpos estraçalhados dos lazarentos fugidos, que até
hoje, nas madrugadas, reclamam suas penúrias. Sepião afastou o cachorro das
pernas, arribou o lombilho no potro, acomodou o infinito na solidão e destravou
o ouvido, como deus, para não abusar da desgraça. O sol pariu destino, calou as
almas e rumou sertão.
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