quarta-feira, 1 de novembro de 2017

ALOPRANDO SOLIDÃO
E de muito silêncio guardado no sovaco carinhoso da perobinha de cima, a corruíra desafogou preguiça, no canto chorado, para desengatilhar o sol. Manhoso sol de mal humorado, bocejando querência de não nascer de vez, e por tudo, meio assim no desabrido e na des-serventia dos inusitados. Pois de muito antigo como se dizia, sol carecia de sempre nascer, atoleimado e vadioso, do mesmo lado que corria o brio imponente do vento castigado da Várzea dos Lobisomens. E vinha ele, sol, exibido de petulante, antes de se tornar poesia, sabendo carecer subir, encostadinho, pelo pé da trilha da Serra dos Leprosos, por onde deus tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos, quando por ali cortava caminho, descalço, sozinho, acabrunhado e no campeio do nada. E por ser ele, às vezes empacava de não sorrir de pronto no verde, que a mata enfeitava e nem negava, mas na retranca escondia, conversando o sol, desviado de destinos, com os pedregulhos orvalhados escondidos na neblina E se atrasava papeando com as macegas carinhosas, com as juritis risonhas e com os infinitos abobados que sabiam só campear os deuses safados, as musas difíceis e as tropelias das solidões que as almas não explicavam; sol e deus eram de assim mesmo ali, não careciam de portantos e nem davam conta de satisfação prestar a ninguém.
  Ainda sequer não era já noitão dos fechados, mas embora, talvez, quem saberia pontuar se correto poderia afirmar, pois o curiango ainda nem se desfizera da teimosia de desencantar da beirada, da beirada da prainha do riacho sabedor como ele só de saltitar as pedras que águas da Cascatinha da Inhãnhá beijava. Foi neste ali, quando Sepião dos Afonsos aportou no curral para desandar de fazer dia e cabrestear cavalo. E de lá ouviu gemido manso-triste, assofrido de vingativo, descendo escabroso, vindo chegando estupefato e enrugado de mal cheiroso de ver, quieto de ruidoso por silencioso de escutar, meio de apavorado de fazer medo, ateimosado, muito de prontidão e arribado nos desconfiados. Quem pariu o ganido dos Leprosos vindo, por diabo enxertado fora por certo. Sabia saber de longe, Sepião, que depois da Várzea dos Lobisomens, subia des-facetada de empinada a Serra dos Leprosos, amanho das almas descambadas, desarvoradas. O cachorro enroscou na perna, o potro resfolegou sentido e postura, o escuro assoprou carência, tudo acalentou desassombro.
No fazendo, esquecidos, tempos idos, Sepião deu conta, por prosa de velhos e falas veladas, que no pé da serra, na Serra dos Leprosos, acomodava, há muito, um lazareto, que as ruínas das taipas ainda restavam. Por sendo valhacouto de desproporcionais tristezas, doença ruim de sabido, fome carregada e desgraça, se deram de desespero os leprosos de fugir do leprosário, em bandos sem rumos e destinos. Os avizinhados da Várzea dos Lobisomens, muito abnegados de religiões e promessas, atearam fogo de morro acima no encalço de salvar as almas e separa-las dos corpos estraçalhados dos lazarentos fugidos, que até hoje, nas madrugadas, reclamam suas penúrias. Sepião afastou o cachorro das pernas, arribou o lombilho no potro, acomodou o infinito na solidão e destravou o ouvido, como deus, para não abusar da desgraça. O sol pariu destino, calou as almas e rumou sertão.
Ceflorence              email  cflorence.amabrasil@uol.com.br