quinta-feira, 31 de agosto de 2017

OITÕES DAS DESFORRAS E RETIRANTES
Atiçara sina amanhecendo de briga desaforada, Cadinho Prouco, pois palpitava carência, como do pai trouxera, a muito, dos rincões das saudades. E carregou consigo dos cerrados secos, vila arruada de poeiras rezingadas e encardidas, Oitão dos Brocados, de onde a desfortuna o arrancara sem remorso. Urinou Cadinho largado no sopé da torre da catedral tal qual se deu e o fez bem, como gostava, sobre os seus tisnados encarvoados de silêncios e tristuras. Cinzelara certo ali, noite anterior, emprenhado muito de amor e respeito às cativas preces, magias suas ajustadas aos aléns nos recados postos, como a mãe sumida lhe ensinara para nunca deixar de reverenciar orixá e deuses, atendendo cismas de cumprir promessa de sucateiro apenado às des-abençoadas mágoas tantas. Prontidão do rumo do catador fora desembocar raiando sol pelas incertezas de dia todo rasgado em tarefas incalculadas no garimpo das agruras por restados, mitigação de descartados, desaforos, devaneios, rejeitos dos vazios, desprezados, refugados e das sobras inúteis dos outros gentios sobre-sofrer ele na merda. O delírio arrotava azedo na cabeça perdida do catador. Assim se dava o troado encrustado da faina, labuta arrolada nas desditas e tramas de Cadinho se desentendendo consigo desde o sol intentar poente. Desatrelando dos manejos e desmandos, ora sendo, afinadas as contas da trabalheira, pouca monta sobrara, nadinha a bem prover, a noite chamou recanto de volta, depois de arrastar por uma jornada bruta inteira e cada despautério o carro, foi atinando achar seus refúgios e o carreteiro de sobrados juntou os catados pegos e volveu. Os ventos embalaram as sanhas e os pássaros enrolados carentes nas solidões se acercaram dos aninhos e pelo sim, depois das desforras, Cadinho afinou em propositados de assumir abrigo também. Corpo moído apontou demanda, alma prudente atendeu premente.
            Inteirado no vir das providências, o arrastador no tirante da carroça deu conta de seguir bem pelo meio do atiço do burburinho unhado do tráfego, carcomido, onde urdia demência, recalcava agrura, para então o torvelinho debulhar confusões como brotoejas nos rastejados dos carregos das caixas de papelões, latas, lamentos, velhos ferros, desforras, sobras várias, vazias garrafas, desaforos, pesando tudo uma servidão de penúrias. Angústia sobrava! Nas cismas o mundo reciclava matéria, espírito, deuses cuidassem. Arquejados, arrastados, pneus encruando, encastoados no ódio e nas pedras, no desassombro do destempero, fôlego encolhendo as vistas de carência de atiçar achego ao despontado final, puxado peso encarnado sobre os paralelepípedos cravando, amargos, Cadinho Prouco, gemido goela vasta, atazanava as rodas vadias, debochadas, para os ajutórios implorados às morosas no levante proposto da carga infame de pesada até restado aprumar. Restado fim, meta Praça da Catedral da Sé, dali então acenando já às cruzes dos campanários da igreja deslumbrando eternos. Cadinho alavancado, no limite tendo, desespero, tormenta, corpo inclinado teso nas pontas dos pés descalços enroscados à agonia, clamando aos bofes prontos para saltarem dos pulmões chiando, caminhava pouco, movia por vez um dedo de nada, se tanto fosse a dizer. O tempo se desfazia em amarguras sórdidas e nos derradeiros a boca arfava descompensando canalha.
Ceflorence     24/08/17       email     cflorence.amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

SONHOS. DESEJOS, TELHADOS
Volto ao tempo e aos telhados por paixão. Nunca atinei porque, gostaria de saber, antes do beijo final, por que os telhados encantam. Divago enquanto o infinito não me mastiga, se as coberturas acalantariam pela dignidade, silêncio, loucura. Mesmo que paradoxal, os Artânios, que se nutriam de fantasias, garantiam, que estes véus sobre as construções, esvaiam-se por magias, permitindo que os bolores dos tempos, das chuvas e dos imponderáveis, sobre as telhas, aleatoriamente espargidos, fossem como búzios e tarôs, para os fervorosos terem seus destinos devassados.
Já para os tradicionais Éltios, os telhados embalariam o silêncio e das funções de guardiães das alcovas. Aqueles que tentassem decifrar estes remansos íntimos, enfrentariam os íncubos e as bruxas, antes de arderem no purgatório. Por último constava entre os Citérios, que a loucura seria, sem dúvida, a peça mais importante que coabitaria suas incógnitas. As videntes sabem que estas coberturas escondem as demências nos meandros musguentos, para que os demônios as roubem nas noites de pesadelo e as usem nos transes dos incautos, antes de os endoidarem. Os curas garantem, ao contrário, nas solidões dos confessionários, que as fornalhas dos infernos se alimentam com as liberdades que as ninfas espionam pelos desvãos dos tetos.
Telhados e calçadas conversam amenos sobre os transeuntes, as chuvas, as preces e escutam as brisas antes de intuírem o futuro. No entanto, só as pitonisas desvelam as tramas caladas dos telhados dos sobrados, para distribuí-los aos cancioneiros, que dedilharão fantasias em seus bandolins e tecerão com sonhos as suas rimas. Nas madrugadas, os seresteiros devolvem suas harmonias, em serenatas singelas, sob os beirais carinhosos, para as musas gratificadas. É assim que se constroem as recordações dos que amam, sob as benções das coberturas, pelas vilas, pelos recantos, pelas esquinas.
            Compartilhando as solidões ou as alegrias, o vento ameno nasce na ilusão e vem beijar os telhados e os alpendres com as trepadeiras buliçosas. Nestes remansos, os avizinhados carregam suas cadeiras para se acomodam nas prosas preguiçosas. Prudentes e receosos, vão liberando por partes, tímidos, em fatias pequenas, suas mentiras, seus tédios e suas angústias. Se faltar querência, retornam para a proteção dos próprios telhados velhos e se recolhem com as tristezas que exibiram, para só retornarem quando o remorso chamar. O tempo é marcado pelo sino da matriz avisando que o passado se foi e o futuro apontou na curva do imprevisto.
As tardes caem assistindo os pássaros repousarem sobre os telhados, ciciando segredos, para que o futuro não ouça, enquanto especulam se o transcorrer do tempo é real ou mera fantasia. A lua se insinua tímida, envolta em solidão e se derrama carinhosa pelos telhados que sonham nostalgias. Ali, jamais se desapaixona, a lua.
Ceflorence     16/08/17      email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

ENTRAVES POR AUSÊNCIAS

            Apaixonei-me pelo nada, há muito, face à exuberância da sua timidez, impessoalidade. Já me debrucei aqui sobre esta delicadeza, retorno.  Entre o antes e o depois existe meramente o nada. Confirma-se, pois neste nada de instante, que já passou, transmudou-se tudo em um histórico nada. Tentarei sintetizar antes que o vigia do meu sanatório, de soslaio me espionando tão logo tomo papel e lápis, venha provocar-me. Impedirá que a esquizofrênica liberdade se nadifique em insano nada desconstrutivo. O intervalo entre passado e o futuro, embora seja o presente em lapso, é um nada. Se isto não é carregado de um respeitável nada, necessitamos de uma revisão psicológica. O vazio nada é tratado de forma inversa à merecida.  
O agora, segundo estudiosos, é um desfigurado melancólico nada entre o que acabou e o que vai acontecer. Ou este agora já foi ou ainda não é. É o substancioso nada desocupando seu espaço. Reconhecido pensador colocou, com sabor, de forma arguta, que quando se encontra alguém ou algo, após longa busca sobre os vários nadas, é sobre a imensidão destes nadas que resplandece. Se não houvessem os nadas contrapondo os seres, os existentes se atropelariam em caos. O espaço concreto entre o sim e o não é este nosso indispensável nada. O maestro e o compositor, se não harmonizassem sobre indispensáveis pausas, ou seja, os nadas sonoros, não fariam melodias, mas ruídos. Garimpemos outros saborosos nadas do cotidiano.
Saudade é essência do nada, apesar do poeta. Corrói mansa como bica seca desaguada, na porta fechada da casa deixada por nada pela mulher querida, depois da imensidão do nada. É o nada em solidão. E a angústia é filha do nadinha, amamentada de tristeza nos ocos faltados ou faltantes, sem acalantos, com as fantasias estilhaçadas nos inexplicáveis nadas. Nem pense em desejo, nadão de nada, morando a beira da nostalgia, que se estabelece com nada de cerimônia, casa, comida e roupa lavada. Não diz adeus, o desejo, inverna com a ansiedade traiçoeira, calhorda, amarga como nada. Engole o azul e o desespero do nada se acomoda como chinelos velhos pelos vãos.    
Longe de entrar em discussões acadêmicas, mas tendo de recorrer a posições concretas, devemos considerar que de certa forma o nada já foi manipulado por hábeis herdeiros dos sofistas. O que é o pecado senão o nada da virtude. É parente de parede de meia das conclusões finais sobre ética e humanismo entre fundamentalistas ortodoxos, isto é, nada. A discórdia é o nada explicito do ódio, é o nada de amor, é o nada do senso, é a demência evidente. Este quiproquó enaltece o fanatismo em nome do nada, explodem-se bombas reais abrindo-se enormes nadas em saudações à morte. A exuberância do nada, o nada mais radical e compacto é a morte. A morte sintetiza o nada absoluto, simultaneamente é arrogância, esplendor e solução.  Paradoxo das feridas abertas para os nadas.
Chega de incongruências, nada de lamúrias. Vamos ao nada objetivo, construtivo, forte. Ao nada em botão porque ainda é nada a florir e é nada ainda porque só será quando for. Entre tantos nadas, proponho louvação ao nada antes que este enfermeiro louco, nada afável, do sanatório, me coloque a camisa de força e me deixe em situação nada confortável em posição de demente.
Ceflorence 02/08/17                 email  cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

CAMBALACHOS ENTRE ENSAIOS DEVANEIOS

Dia de preguiça, adjacências, engalane-se você acordando, desensarilhe a pressa, abandone-a entre objetos inúteis, feriado trabalhista, dispense a angústia, pendure sua preocupação entre o azul e o provérbio. Achegaram-se espaços interessantes para fomento dos sonhos, desejos, pois os carinhos se abriram com a aurora. Silenciou-se a fobia para não despertar o repouso da melancolia. As fantasias invadiram tranquilas recompondo com estilhaços de amor, carícia e canto, porquanto, não ainda havia encanto para desperdiçar, portanto. Ensaios não movem a vida e nem a porventura fará qualquer diferença no que estou escrevendo. Saímos empatados. Não diga que não avisei.
O destino mareava surpresas de ventos leves, floridos, suficiente para aproar nas marés cheias, como só e acontecer, com os caprichos despojados e os desejos tranquilos. Sobre uma revoada extraordinária bordada de prazeres, distribui-se, aleatoriamente, de forma harmônica, carinho, aconchego e pétalas de saudade, para que cada um, sem afobação, se servisse dos pequenos, mas mais do que suficientes bocados. Doces apetitosos pecados venais eram fartamente servidos, entremeados de candura e recheados de esperança. Os capitais, também pecados, é verdade, muito mais saborosos e disputados, por escassos, foram oferecidos parcimoniosamente, recobertos dos inconscientes mais censurados, luxurias entremeadas. Ensolarado dia, pois a gula engravidou. Esperavam-se sorrisos antes dos carinhos espalharem encantos, para assim os colibris brincarem em dodecafônicas harmonias, regidas pelo eufórico eunuco coxo.
A perfeição das reminiscências abrindo-se em cores indiferenciadas provocavam êxtases, ousadas ternuras, distribuindo anseios inibidos, ainda desconhecidos. Nem sequer fora permitido desperdiçar esperanças acalentadas no regaço gostoso, mesmo que bem sucedido sobre os sonetos ingênuos ou as rimas alegres. Muito menos se propunham ejaculações precoces, pois eventuais movimentos, inesperados, desafinariam o ritmo, a cadência e até mesmo o tilintar suave das delicadas pontas de insanidades que estavam sendo amadurecidas para, recolhidas, serem úteis no preparo do desequilíbrio temporal. Em sintonia com o prazer e o orgasmo, atiravam-se ágeis e graciosos deslizes azuis,  minúsculos, brincando da mais pura imaginação, para abrirem-se no infinito inacabado. O poente jogou um último delicado e respeitoso beijo para a aurora, declarando, com graça, que os sonhos estendidos, para comporem os sonetos, deveriam ser aromatizados meticulosamente sem métrica ou preconceitos.
Sete euforias e um orixá se organizaram em duplas de encantos, ensimesmados de reminiscências, imemoriais versos, embalos suaves, carinhos macios. Tudo para ser recolhido no lugar combinado, sem retrocesso ou emendas. A volta era somente função de um subjetivo conceito sobre a necessidade do tempo, coisas dos deuses e dementes, pois poderiam não ter acontecido. Sabor de alegria não tem norte nem sabor, por abstratas metáforas, intempestivas, leves pensamentos dispensáveis, tristezas descartáveis. Havia uma manhã começando a parir-se em bemois. Cada um recolhia seu quinhão para meditar mais tarde com pequena dose de porvir. Mesmo assim, forma estranha de encerrar sonhos, conclui-se. Verbos, em galas e fanfarras, gritaram amém, palhaços e trapezistas, nós todos sobrevivendo de ilusões, com nossos apegos, tambores ou poesias, indiferentes às melancolias mordiscando nossas angústias, rastejamos pelas ruas tristes, formas perdidas, restando-nos pisar ao léu, a cata e sanha, procura do eu!
            E por serem crianças as noites das nossas ignorâncias, intocáveis, sem pautas para desabrocharem melhores destinos em amanhãs ou ternuras, restando, se couber, a pergunta presa no ar, nosso ar, ar de dementes: quem sobreviverá sem opressão para alimentar o impossível, a paranoia, o infinito, paradoxos da vida? Avisei para não caminhar na trilha, mas, se o fez, transcenda, não cabe lamentar. Assunhaiê dos orixás.


Ceflorence – e-mail cflorence.amabrasil@uol.com.br