quinta-feira, 25 de agosto de 2016

ASSUNHÃÊ DOS PERDÕES.
            No esticado do destino o fogo-apagou piou manso na Cachoeira da Juroca, aonde o mundo começa, embora poucos saibam, mas fica o dito. E pelo lado da serra arribada de mato, ainda fechado, escondedouro dos silêncios e de lá escorrendo pelo lado da ternura a queda d’água graúda; graúda de boa e farta. E tudo bem contado, antes um pouquinho da juriti dar sinal, de longe, que ouvira e, portanto, o repique era merecido de ser postado para contraponto do chegado ouvido canto ameno do fogo-apagou. É nesta toada que a cantoria da passarinhada se aperta para justificar o verbo ser. Madrugador bocejo espreguiçado, o mundo era carente de por o sol a par de desfazer as quiçaças das trevas e das quebradas para o nada desvirar em sim. E estava de acordo com a juriti, muito nostálgica das tristezas portadas, tal deus mandou que fosse ela assim mesmo, como sempre fora, pois respondeu aflita, de pronto, à correção dos propostos de mandar a manhã se fazer. E se deu conforme o pintassilgo assanhou de breve, no piado curto de quem sabe muito correto como propor querenças para, sem teima ou morrinha, abandonar o ninho e coisas e tais que se deram por acontecer.
É assim que se desperta o tempo, o vento aliviando carinhoso o provérbio, candura das avezinhas piando prontidão de fome e aconchego, mas na verdade sem a dolência dos solfejos nada inicia ou prospera em Assunhãe dos Perdões. E para o bem do porvir, como firmado ficou, é ali que o mundo se diz começar, em Assunhãê dos Perdões, e fica tudo esperando até o quero-quero acordar o fogo-apagou para dar de aceso e correto, no canto primeiro, os sinais das tramas, das revoadas e do sol se sendo. Pela ordem das coisas o sol se fazia preguiçoso na boca da solidão e o dia carecia urgência de se por em caminho e firmado, ficou conforme acordado nada se acomodar mais na preguiça e pamonha a partir de então.
Deu conta, alvissareiro de repiques e lembranças, Jacato da Juroca, de campear no pasto de riba o campolina em se fazendo de lindo, marchador, potro castanho, calçado nos cascos e des-saudade-matar de Rosinha, que o destino levara na banda outra do vento. E os passarinhos cantaram cadenciados no repique do potro e no até já alongados.   
Ceflorence    14/08/16      email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O PARTO DE ROMPÁSIO.
Pelo vitral principal da enfermaria azul o reflexo do pardal sobre o vidro fosco, atirando-se agressivamente sobre si mesmo, arremedava despautérios da autodestruição da humanidade sob justificativas capciosas, perenes, cambiantes. Deuses ainda bocejando, preguiça; local - Luminar das Desforras, antes da madrugada compor-se, altiva, nos três movimentos inerentes: rondó, degustação e cinzas. São as tramas da verdade e, por dispostos os mesmos em linhas alternativas, apresentaram-se respeitosamente no aguardo dos cerimoniais afrodisíacos dos deuses encarregados do preparo do nascimento de Rompázio em sintonia com a ressurreição anunciada. Sem talvez ou então, cadenciou o sino da enfermaria azul, detectando, em dúvida ainda da sequência, se meia-noite seria conveniente para o início. Hora nobre sugerida, mas o protocolo determinava aguardar a chegada dos dois terços sagrados das fantasias fundamentais, o dos pecados e o das virtudes, e serem desenlaçados e acomodados, para o cerimonial do parto de Rompásio, sobre os objetos sacros: o ar, a metamorfose e a injúria. No movimento, dois padres deles, mas nenhum padre-nosso, seguiram convictos para suas solidões e no aguardo da degustação do canto orfeônico do choro do recém-nascido e dos gemidos da parturiente. Acompanharam antes, os padres deles, a ave, que não era ainda, até segunda ordem em processo, maria, e por circunstância inesperada pousou sobre o vitral por onde a lua se fez minguante e o pardal se transmudou da réplica agressiva intimista para outros devaneios. Fatos e premonições seguiam coerentes com os tempos a serem.
Minguou-se evitando, a lua, como ensejo das benevolências, das contradições e das ansiedades da gravidade decorrente do momento espiritual e não, jamais, por pressões newtonianas gravitacionais discutíveis. Por serem polêmicas as variáveis, Benfor D’Hur, escriba por determinação dos juninos deuses, fez constar como indispensáveis tais averbações nos papiros certificantes do nascimento de Rompásio Eufort. Alocaram, para conforto do processante, duas bigornas às pernas escancaradas da parturiente, Maróvia. O demiurgo desenrolou os provérbios, pecados e virtudes dos terços, e ordenou à Maróvia liberar cuidadosamente só a cabeça de Rompásio para, organizadamente, entrouxá-lo em formal ritual religioso com as substâncias fundamentais componentes da alma. Pelas narinas reticentes e pequenas introduzia os elos dos pecados pela esquerda e os das virtudes pela direita.
Ouviu-se alto o barulho do silêncio à medida que a alma virgem e vazia de Rompásio se agraciava com os fundamentos existenciais recebidos: angústia, amor, teimosia, ódio, sagacidade, melancolia, vontade, simulação e os demais infinitos para seu destino profético. O demiurgo persignou-se, ordenou à Morávia acarinhar a placenta entoando o flautim da anunciação. Rompásio não chorou até cuspir intolerância sobre a cinza que se afagava no rondó da degustação. Os objetos sagrados, o ar, a metamorfose e a injúria estavam entronizados e a civilização salva.
Ceflorence      07/08/16    email cflorence.amabrasil@uol.com.br 

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

AGNÓSTICOS, TEMPERANÇAS E PROFECIAS.
A clave da crueldade e da angústia, no cenário deste universo astral impingido aos desventurados, pensantes e viventes é o futuro. Os deuses sanguíneos utilizam estrategicamente esta artimanha diabólica, o futuro, para aniquilação dos propósitos e a escondem, envolvida tão logo despertam todos os dias, antes de apaga-la em labirintos funestos, às noites, nas placentas dos disparates e a jogam com ironia e deboche sobre as águas confusas do mar revolto das incógnitas do porvir, de onde a mera tentativa de retorno é fatal. O passado, que as deidades invocam como rebotalhos e ironias depreciadas, pois cada um interpreta a seu sabor, distorce como lhe aprouver, passa despercebido, salvo para justificar, sempre erroneamente, o que virá e como não pode mudar o que foi ninguém engravida de grandes sentimentos ou preocupações dos decorridos e sidos. Estas são as leis litografadas nas tumbas dos sábios do Conselho do Deserto de Jofarar, aonde a humanidade aflorou e de onde se esparrinhou por todos os azuis, pelos desabridos e entre os inexplicáveis. Em sete, de cada centena de imprevistos e místicos ritmos de quebra do silêncio do futuro, reinício dos despautérios, há a revisão dos valores pelo demiurgo da Centésima Constelação de Hópion. É esta a constelação espiritual de nossa pousada deste ciclo sideral. Quando criava e mapeava os caminhos das mentiras e dos impossíveis, utilizou-os, o demiurgo, no futuro para camuflar o porvir e assim obter a certeza de que os seres vivos jamais deixariam de consulta-lo sistematicamente em adorações perpétuas. Complementando o imbróglio, entrelaçou uma cláusula de paradoxos composta por três elementos básicos e vinte e seis decomposições destes.
Os básicos, a se entrelaçarem para rompimento do silêncio futuro, se compunham de dois desejos amadurecidos em fantasias, um único dissonante pedaço graúdo de ciúmes, com odor amargo extraído do sabor do ranço de camela menstruada e, terceiro e último, incontáveis pequenas pitadas de inveja, ornadas, diariamente, com flores das colinas dos Enviões, mas regadas com indisfarçáveis cinismos. A treva das incógnitas de tormento do porvir, o assanho da humanidade, se amparam nesta tríade de abstinência ao previsível, além das vinte e seis decomposições pertinentes, conforme o criador deflagrou ao separar o azul do contingente, o som do breu, o amor da alcachofra e, mais importante, a raiva do suspensório. Sem estes fatores fundamentais confirmados pela astrologia Vérnia, mascaradas de verdades perambulantes entre os crentes, o futuro seria uma repetição do passado, a vida se tornaria uma rotina insuportável e os milagres varejados não poderiam ser incentivados. As alienações espirituais redentoristas se furtariam e as tragédias deslumbradas antecipadamente seriam comercializadas a preço das drogas nos mercados paralelos ou do valor da usura e agiotagem.
Os sábios do Deserto de Jofarar, há milênios, prognosticaram que os fins das previsões camufladas se sanariam quando a humanidade passasse a idolatrar o absurdo, o imprevisto e o paradoxo, componentes do futuro silencioso.
Ceflorence    01/08/16        email  cflorence.amabasil@uol.com.br          

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A PRAÇA
            Do fundo se percebia o princípio, distraído, espreguiçando indiferença para não assumir compromisso com as cores que insistiam em borrar o horizonte. Fez-se, e por ser, assim sem trejeitos ou alternativas, a melhor posição para mascar, de longe, absurdo doce, sabor irrelevante, era aquela. A brisa, engatinhando entre os arbustos irrequietos, esperou chegar a tarde fazendo-se carinhosa em si. As rimas não chegaram antes da Ave Maria, mas ninguém proveu ou deu atenção. Tempos azuis e provérbios, balbuciavam, sussurravam, acalantavam. Assim os deuses definiram, desde quando as bacanais exigiam um dia de repouso para as reflexões. Por gregoriana, a semana vestida de infinito se enfeitou de domingo envolvido por quem se distraia. Tudo era praça. E por ser, as fantasias balançavam os corpos dominicais dos andejos ocasionais, repousados, exibindo e trocando desejos, sorrisos, flertes – vida amena e trocadilhos. O pintor salpicou alegria sobre a paleta e desenhou a praça para mostrar as crianças se escondendo entre as ilusões. O indefinido escorregou expressivo, solitário, detalhes delicados grafados na melancolia, ouvindo o nada.
A habitual ansiedade do rato, em temporada curta de jejum e fuga, preferiu brincar no rastro vermelho do sol sem fazer-se nem mesmo de rogado. O tempo achou os telhados adequados para receberem o sereno que só chegaria depois das mentiras se recolherem. Confirmou-se o esperado: não daria conta de assistir, o infinito, a tudo que a praça poderia oferecer antes do vento desfolhar, em rodamoinhos, bolinando, descontraído, as árvores despreocupadas. O cão, que não se sabia vira-lata malhado, lambiscava no faro o sabor das pernas perambulando confundidas, alvissareiras, libertas, antes de definir seu rumo atrás de um par-de-calças, atencioso, que o acarinhou no assovio. Por respeito ao procedimento, os sinos dobraram a primeira à esquerda, rua principal por onde ganharam seguidores fiéis. A esmo, os sinos dobram, sem definirem suas direções, desde os tempos em que as distâncias eram cegas e as cores, surdas.
            O chafariz se constrangia com as luzes hipócritas que lhe impuseram para saudar o domingo. Enquanto suas águas dançavam, deixava-se curioso, o chafariz, assistir subir pelos degraus da matriz os pecados não confessados, as saias rodadas, as mentiras da semana, os sapatos engraxados, as brigas dos casais, os desejos provisórios, as insinuações, as invejas em formação ou amadurecidas. A porta grande da igreja devorava as arrogâncias, as saudações, as hipóteses. Um ventre realizado, plenamente salpicado de afeto e gravidez, empurrava à frente o carrinho do seu incipiente Complexo de Édipo em conflituosa formação, dormindo enquanto podia.
             O tempo correu para o incerto. Os sinos desdobraram retorno. A porta enorme da matriz, satisfeita, por ser a última e a mais em conta cerimônia do dia, regurgitou os pecados confortados, os sorrisos comungados, as mentiras renovadas, o sermão elogiado. As árvores irritadas pelo adiantar da hora impuseram aconchego aos pássaros e aos silêncios. Só então o chafariz chorou descontraído, sem as suas cores ridículas e os andarilhos indiscretos. A praça se foi, o vazio se fez.
Ceflorence    24/07/16     email   cflorence.amabrasil@uol.com.br