quinta-feira, 26 de julho de 2018


ÉDIPO EM PROVIMENTOS
Quando acordo com aquele sabor oxigenado de guarda-chuva envelhecido em canela avinagrada por alcatrão, ocorre algo mais assintomático, segundo Pai Joãozinho de Oxossi, meu conselheiro espiritual das fazes gravosas primitivas. À noite, sozinho, na coxia, internado com a angústia, tomei dois cálices de tristeza mordiscando um sanduiche de solidão, embebido em paranoia, lendo as adoráveis tropelias eróticas do Velho Testamento. Como sempre, escovara a dentadura careada e a trancara no deposito escuro sob a escada, para que não ficasse, sadicamente, me espionando dormir. Não entendi por que o psiquiatra, do sanatório ao qual fui coagido no dia seguinte a estes fatos, não captava as minuciosas ponderações expostas agora por esta carta. Relatei-lhe que pegando no sono, pela janela do além, entrou o velho companheiro de meu avô Joquinha nas vaquejadas lidas, Clemêncio Donato, que morrera há cem anos.
Depois da cachaça, adiantou-me que viera a mando correto e respeitoso nas composturas, a pedido do parceiro demais prezado, meu antepassado, para revelar no soturno da confidência que eu teria sido parido em encarnações anteriores, carismáticas e simultâneas, em verdade dos espíritos alados, por obra do amor perfeito de Alexandre da Macedônia com a camela preferida do seu harém para equitação guerreira. Os ventos dos desertos embalavam as folhas das tamareiras, inspirando as poesias para os encantos dos sonhos e seduções. Alá, criador do céu. Das alas e dos aléns era testemunho das reencarnações ara aprimoramento do espírito.
Registro que antes de me dirigirem obstinadamente para esta casa de saúde, havia procurado meu conselheiro amigo, Monsenhor Rossi, para elucidar os mesmos detalhes levados ao psiquiatra. Ponderado, calmo e racional como sempre sou, fui expondo ao Monsenhor que assassinar meu pai Alexandrino foi tão fácil como resfolegar penitência de oração após a confissão sabatina para comunhão na missa de domingo. A dificuldade se prendia à revisão incestuosa, sob a nova singularidade heterodoxa e inusitada de praticá-la com a figura de uma quadrúpede maternal surrealista, longas pernas dalinianas, inibindo qualquer fantasia erótica por todos os achaques edipianos disponíveis. O monsenhor plasmava sua preocupação tentando chamar alguém para também ouvir a verdade que eu lhe relatava.
Resistindo ao óbvio, pensei que o Monsenhor estaria mais surdo do que de hábito e, suavemente, tentei balançá-lo pelo pescoço para melhorar a audição. O sacristão, não entendendo o gesto carinhoso, despencou-me o crucifixo no lóbulo frontal, prejudicando-me os raciocínios dos dias pares. Depreendi ser a razão de estar escrevendo deste local e sorrindo ao simpático pessegueiro ao meu lado, aqui internado por envolver-se afetivamente com uma seringueira geneticamente modificada, sem autorização da ONG de plantão.                                                                          
                                                                           
Cflorence  17/07/18                  email  cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 23 de julho de 2018


ANSEIOS E OUTROS SONHOS.
É seu destino, lua tímida, cuidar das marés e paparicar os bardos canalhas. A madrugada sabe brincar de inusitado, momento em que os deuses e os demônios repousam depois de se esfalfarem em orgias. O mar chamou-me delicado a atenção para uma casa escondida entre as árvores e encoberta, em parte, pelas sombras das ilusões que a confrontavam. A areia guardara, com cuidado, as marcas das pegadas de um pé miúdo, indeciso, com certeza de esbelta ternura que por ali transitara. Segui as marcas, medindo-as com fantasias, imaginação e sonhos, transfigurando em colcheias. Abaixei os olhos para atender um beija-flor alegre, que tentava pousar em minha alegria para ensinar-me o caminho do amor. Receoso, alertei o beija-flor para não bater as azas tão alto para não assustar a princesa que deixara as pegadas que perseguíamos e se refugiara na casa isolada. O passarinho, indiferente, puxou-me para a trilha do carinho, que contornava o lado esquerdo do afeto e se pôs a brincar no aninho das minhas divagações.
Poderia ser que o colibri intencionasse arrastar-me diretamente ao castelo para que eu entrasse imperioso, com suaves insinuações e verbos carinhosos e salvasse a princesa do monstro da solidão que a devorava. O beija-flor e eu nos sentamos calmos para um diálogo franco e aberto sobre o amor e o devaneio. Os sonhos são construídos destas sutilezas e fomos trocando nossas extravagâncias, seguindo cuidadosamente as pegadas para não acordar o silêncio. A madrugada veio calma puxando um sol ranzinza com preguiça de enfrentar um dia todo de tarefa marulhando a maré montante. Aqueles todos faziam parte da certeza de que encontraria nos rastros das pegadas um imenso amor me esperando para sanar as minhas fantasias mais agitadas. Caminhei sobre os sonhos como quem pretendesse deflorar o futuro. Perguntei ao colibri se me acompanharia até os delírios enquanto acompanhava as ondas invadirem a solidão.
            Os regatos, no entanto, que desciam das serras, margeando os muros altos do castelo, trouxeram notícias não alvissareiras de que as pegadas da praia estariam sendo destruídas, pois o vento se desentendera com a maré e as ondas prefeririam subir canalhas pelas areias e recifes, não deixando vestígios para os ingênuos e sonhadores. Voltei à praia com o colibri, por prudência, onde as pegadas haviam sido impiedosamente comidas junto com as minhas desilusões pelas ondas que nunca perdoam a dúvida.
Um barco chega requebrando sobre o silêncio, recortando as ondas e desfazendo as espumas, de onde salta um rapaz atrevido, petulante e seguro, bonito, se empertigando a caminho das trilhas que levavam a casa. O mundo se estraçalhou, minha princesa se esvaiu do inconsciente e me agrediu encarnada numa plebeia vulgar, concreta e linda para jogar-se nos braços do moço que a segurou e carregou carinhoso, bailando no ar, até o barco, para que ela nunca mais deixasse pegadas eróticas na areia e não atiçasse fantasias nos loucos. O colibri sorriu sobre as ondas destruindo os desejos e se escondeu nos meandros da solidão.        
Ceflorence   10/05/15    email  cflorence.amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 18 de julho de 2018


ENSAIOS EM SUSTENIDOS
            Domingo de devaneio, pois em azul me apanhei indefinido entremeado em anseios estranhos à procura dos meus infinitos margeando as solidões. Constatei, em sustenidos, que seriam sete as luas infantis se escondendo entre melancolias, mas brincando de barra manteiga. Ao lado corriam as fantasias à procura de almas singelas para fazerem-se sonhos. Procedia. A demência era doce e as gotas suaves da garoa escondiam os desejos. Senti a tropa de potros bravios galopando sobre minhas cismas e conflitos. Coisas das artimanhas para que os homens se sintam perdidos, insatisfeitos e domados entre angústias. Os meandros por onde se gratificavam as luas novas deixavam o burburinho das suas querências se esparramarem pelos azuis mais descontraídos. Procurei deixar os pensamentos soltos, se portarem travessos, antes de se esconderem entre as nuvens andejas viajando do horizonte até se esconderem em um ponto neutro do além. Caminhei sobre meu inconsciente mais robusto sem defini-lo. Coisas dos deuses e das ninfas que não são afetados pelo raciocínio intransigente dos que não conseguem enlouquecer mansos para alegrarem-se nos próprios devaneios. Sabia bem e imprudente o aroma de ilusão que tentava escalar pelos sentimentos presos aos infinitos como musgos envelhecidos.
Não era sequer poesia ou sonho, mas os versos soltos não encontravam suas rimas, embora tivessem sabor estranho de nevoa ou de melancolia. Na dúvida calei apaziguado pelo vazio e detive-me a cismar se os sonhos que procurava estariam escondidos entre as rosas ou se disfarçariam de provérbios. Um desconhecido velho ancião atravessou meus versos pobres, montado sobre suas imagens singelas arrastando duas angústias miúdas à procura do silêncio e cuspiu em minhas pretensões. Enquanto cavalgo estes devaneios, as andorinhas sequer se preocupam com minhas doces fugas, pois não consigo acalentar os sofrimentos que voejam à cata de seus desejos. Sem poder saber as causas mais urgentes, pus-me em ritmo de marcha forçada para alcançar o nada, mesmo cabisbaixo, pois só assim separaria as formas dos desejos mais urgentes, dos conteúdos das melancolias.
Enquanto tal não se dava em sendo, as camélias rebrotaram vagarosamente e místico me gratifiquei vendo as crianças saltarem alegres, amarelinha entre os azuis turquesas. A deusa do tempo se pôs a dividir o futuro dos compassos em cinismo, temperança e vazio. Debalde, conclui que por estas divagações não acostaria em portos seguros ou remansos. O mesmo tempo me alcançou antes do rio encontrar suas curvas por onde a felicidade escapava pelas montantes, embora sobre as margens os pássaros revoando as imaginações confusas desbotassem nos firmamentos os períodos carregados das piracemas e as ilusões se ofertassem para se cremarem nas ausências das desovas das felicidades. A tarde era de cores singelas e as fantasias cruzavam em direção aos passos involuntários. Procurei ouvir as cores dos cantos dos pássaros envoltos nos silêncios e caminhei desanimado sobre os meus destinos. 
A tarde se fez miúda antes do horizonte chamar-me para me aninhar em seus braços furta cores.
Ceflorence      28,/06/18    email      cflorence.amabrasil@uol.com.br

sexta-feira, 13 de julho de 2018


CAMINHO EM AZUL E OUTRAS SIMPATIAS
            Na entrada do pequeno espaço que se abriu entre o sorriso e a saudade plantou-se um pequeno pé de alvorecer e, com muita habilidade, carinhosa, inseminaram-se suposições e alegrias com o propósito explicito de colher ternura suficiente para atender a carência geral. A atenção do azul voltou-se de forma imperativa para o leste, pois havia um chamamento afetivo distribuindo suaves acordes de tonalidade cor de rosa com os quais a culpa e a preguiça se fundiam. Eram obrigadas a se recolherem no albergue do infinito. Só assim ficou explicito e definido o objetivo comum.
Ao alvorecendo suave toque de flautas chamando ao passado, esparramando ternuras adolescentes despreocupadas a procura do primeiro amor concreto, redimia a culpa dos deuses que acordavam na madrugada com seus remorsos resolvidos. Por ser criança, um menino agarrou-se ao carinho da mãe, como beija-flor em sorriso de chamas vivas, e serviu-se sem preocupação de mais cantigas para ninar suas fantasias. A chuva esqueceu um pedaço de arco-íris que tropeçava no alegre dos acasos, nos restos de harmonia e nos beijos suaves com intenções de semear ternuras no horizonte aonde se fizesse indispensável comparecer o amor.
             Sem nenhuma cerimônia fez-se vida como os sonhos preferem, pois ao contrário os suaves brotos de esperança se inibiriam exatamente ao desabrochar e castigados comprometeriam o que se plantara sobre carinho fértil para florescer, só quando necessário, no momento certo. Se alguma necessidade de dúvida fosse levantada prematuramente, uma corrente de receios descompromissados com o espontâneo traduziria ondas meio volteadas em desalegrias, se estas ainda estivessem para ser inventadas para castigar os preconceitos intermitentes.
              Em farrapos, maltrapilhos, foram se aproximando os sedentos últimos, poucas prosas em sustenidos, abertos para o amor ou para a valentia, pedindo que se lhes mitigassem sede farta de carinho de lavradios antigos, mal tratados nos desatinos com que foram desnutridos. Faltava, no final, para dar sentido ao desconhecido que se procurava o verbo alegre do diálogo, para deixar correr livre aquela preguiça criadeira que assiste farta nas noites das fantasias almadas há muito perdidas, que assistem no aconchego do desconhecido.
              E por terem sido servidos afetos aos borbotões dos desalmados, para compensar os que vinham chegados recentes das plagas verdes das esperanças esquecidas, não cabia nada mais do que pedir ao desconhecido que atendesse sem receio aquele mundão de afeto que teria sido deixado à margem.
CFlorence  4/07/18             email  cflorence.amabrasil@uol.com.br       

terça-feira, 3 de julho de 2018


 VELÓRIO EM ITACIÁRA DAS CONJURAS E UM ADEUS.
Além das tradicionais coroas de flores, eram quatro as usuais velas em torno do caixão sofisticado, preto, requeimando nossos passados, do morto e meu, exalando incenso e cera, confundindo-se com o embalo da morte, carregando um tempo confuso de memórias esparsas, escorregadio, e mesmo se perdendo até pelos escaninhos da minha insensatez pessoal. Sofreria eu? Desvalido, perguntei ao inconsciente. Não quis ouvir a resposta da demência. Tentei racionalizar as emoções ou emocionar os raciocínios. Debalde.  Confuso, me perdi tanto na ida como no azul. Não me fiz racional enquanto dormitava no fundo da sala e apurava lento se a depressão seria pela morte do amigo, que partira ou pela vida minha, que continuaria? Perversa intimidade, miúda, olhava eu o teto pintado da capela, sem enxergá-lo, disfarçando a teimosia e a ausência de traquejos para o momento.
Ruminava estes dessabores ao medir exatamente as minhas intimidades mais fundas depois que vasculhei os olhos fechados do amigo Acalício Bonato Fiquio, Licinho, refeito em defuntas formas amortalhadas, enflorado em braços cruzados no caixão negro, gravata inusitada, narinas algodoadas, parceiro de encantos, brigas, desencantos, delírios, vida inteira ida, ali morto ele, como se dera a ser e ficara. Licinho nascera para objeto contumaz de meus contraditórios, recalques e conflitos pessoais. Por mero descuido das causalidades nos tornamos afeiçoadamente arrelientos amigos íntimos, dentro da maior inimizade afetiva, inseparável, camuflados trejeitos fingidos, fraternais despeitos, invejosos disfarces, aconchegantes interações cínicas. Coisas das idiossincrasias humanista ou humanitárias das convivências. Nos limites das contradições éramos realmente unitariamente paradoxais. Invejei, sobremaneira, como primeira recordação, a bicicleta que ganhou quando me deram um cavalo de pau idiota, que não serviu nem para estragar o aro da sua roda, como fantasiei, pois a coragem me faltou. Na escola Licinho era ligeiro nas respostas das questões da professora, tanto como ágil como centro avante, quando eu era escalado para o desprezado gol. Eram estas laias e gritas das pequeninas invejas caladas que me atormentaram vidas a fio. Em compensação fui o primeiro a ver, apaixonado, a calcinha da Bilinha na aula de dança, mas ela se enamorou tanto do Licinho a ponto de leva-lo ao altar junto como meus ciúmes e desejos calados. Encurtando, casei-me com a Meiza, por quem o Licinho, como contou a meu irmão, foi exaltado. Não me dei por vencido, tivemos quatro filhos, dois cachorros e uma casa na praia e, do outro lado, o Licinho teve um enfarte, ficou rico, mas gostava de jogos arriscados. A Bilinha praticou aguerrida e insoluvelmente o botoque, mas enviuvou agora muito despencada.
 É a vida, resmungou o santo idiota da parede, onde eu me retorcia, sobremaneiramente, no velório. Não sei se gostaria de estar no caixão, partindo, ou se preferiria continuar carregando os conflitos existenciais infantis? Pensei, ponho ou não meus inconscientes resquícios no caixão para o Licinho levar ou divago mais? O santo foi dormir acabrunhado com os homens insatisfeitos com seus destinos irracionais.
Ceflorence       05/06/18        email   cflorence.amabrasil@uol.com.br