quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

TORVELINHOS DAS AGUADAS SUMIDAS
Padre Rocco, a mesma ternura, fé, paciência, desde que chegou à Amuraicá, da Itália, há quarenta anos, abre a porta da igreja, antes de começar a missa das seis. Angustiado pergunta ao Senhor, olhando para o horizonte, quanto mais teria de implorar para as chuvas choverem. Registra cinco corridos messes sem águas. O cachorro do cego Damião estica a guia avisando-o dos demais chegados à praça, lambe a mão do sanfoneiro e solto corre para acarinhar a cabra do esquelético Zé Cigano.
Zico da Sorte abre a portinhola do realejo para desafogar o periquito e espalha o som da fortuna para anunciar-se. O destino, que coordena tudo e todos, assume o comando. Desnorteia Zé Cigano, carente de informação e a cata do seu não saber por que e aonde, pela praça aberta. Ordena, o destino, que cego e cachorro sigam para a rua da zona, aonde as tristes mulheres alegres aguardam carinhos. Zico da Sorte se alonga nos desconhecidos para que o periquito destine o destino de cada.
Zé Cigano, manquitolando, e cabrita, perambulam pela praça campeando o mágico. Enfim, uma trilha organizada de saúvas despenca em um olheiro. O cigano se acocora. Sentiu calmo o cosmos lhe envolver, risonho e afetuoso, pelos ombros magros, obrigando-o a expulsar qualquer pensamento alienado. Em cerimoniosas procissões, inclusive com oferendas, durante dois dias e duas noites, a cidade vê aquele cigano mudo, acocorado, conversar com as formigas e seus infinitos.
Padre Rocco crescia nos sermões e afoito saia, em seguida, sem rumo ou porquê, depois das missas, em romaria, distribuindo bênçãos carregadas de perdões e esperanças. Zico da Sorte não deixou de prever o futuro de ninguém, pagasse ou não. Na madrugada do terceiro dia, a igreja abrindo, o sanfoneiro e Zico do Realejo chegaram à praça no instante que Zé Cigano, em transe total, ordenava que a última formiga se recolhesse e o destino no céu trovejasse assim que Padre Rocco consagrasse a hóstia. Uma enorme lágrima celeste chove sobre o braço de Zé Cigano, fazendo-o desmaiar. Com carinho, Damião e Zico o acomodam no banco da igreja enquanto a cabra subia ao altar para dar conta, respeitosamente, da última das pétalas das rosas. O mundo começou a molhar alegre e para sempre. A água limpava poeiras e almas. 
Padre Rocco, só amor, o destino mandou, fez o sinal da cruz e sentou-se no banco velando carinhoso o cigano desmaiado.
Ceflorence     06/12/17      email    cflorence.amabrasil@uol.com.br
CADÊNCIAS EM SUPERLATIVOS E OUTRAS ANUÊNCIAS.

Não paira dúvida, no entanto, de que no dia azul marinho, do mês da parca semeadura, do ano da fome farta e, portanto das disputas infindáveis, introduziu-se o código de Artépios, descendente de Kartona, rainha filha do criador do universo, a qual, depois de um reinado conturbado, mas duradouro, foi enterrada embalsamada entre lírios de conduta duvidosa e ao sabor de seitas cabalísticas, na ala norte do templo para adorações a Sermisium. A nós devotos é fundamental saber que acompanharam a soberana os cantos, as profecias e as poesias premonitórias Creônicas para traçarem os destinos dos recém-nascidos, semideuses, Átora, Atora e Atorá.

A realidade traçada para o futuro obscuro, que às vezes irreverentes incréus ousam destruir, foi que as seitas seguiram rigorosamente as métricas inflexíveis das rimas dos astros e as fantasias descritas nos cerimoniais fúnebres. Eliminando assim habilmente as incoerências, os semideuses constataram que havia restado, após milênios, somente três crenças, seguidas pelos canalhas, pelos caolhos e pelos calhordas: a psicanálise, com suas interrogações insolúveis e permanentes, o materialismo histórico, adorado pelos criadores dos projetos inviáveis e, por último, o mercado, endeusado pelos futurólogos e justificadores dos erros pretéritos. As demais seitas, até tradicionais, passaram a atuar mais em áreas da prestidigitação de magias, desencarnações dos demônios e, com eficiência, junto às finanças e aos dizimos.
Cumprindo os mandamentos proféticos, Átora, Atora e Atorá, encontraram-se, pelos caminhos da fortuna, exatamente no lugar em que O Todo Poderoso, extasiou-se ao infinito, dando o melhor de si e caprichando no fino acabamento daquilo que acabara de concluir com muito amor. Comovido com a beleza da natureza que criara, chorou de alegria, derramando ali uma única e afetiva lágrima a qual se transformou no perene Carioca, rio idealizado e fantasiado por ele, com ternura. Assim, a trindade, ungida pelo destino de criar uma só e abençoada liturgia, preparou, com afeto, o porvir, respeitando rigorosamente as cerimônias proféticas que lhes foram determinadas.
Para tanto, procurara, cuidadosamente, uma carinhosa fé, enredaram-na nos ombros firmes e aconchegantes de um batuque insinuante, após uma noite em que não faltara luxúria e amor, os dispuseram, fé e batuque, embevecidos e sonolentos, entre quatro velas tagarelas, duas garrafas de pinga exuberante, um risonho galo de briga preto com pescoço pelado, valente, e uma inibida pomba branca, virgem. Destaque-se, por derradeiro, neste ofertório mágico, uma encabulada farofa, entre dengosa e tímida, com as persistentes insistências dos afagos de um mambembe vira-lata, agnóstico, intisicado, mordiscando suas intimidades. E mais, na encruzilhada entre o Beco dos Velhacos e a subida do morro, assistiu a tudo, um cacoete bêbado, maltrapilho, olhando ainda de soslaio, à jusante, a natureza esplendorosa da Baia da Guanabara, deleitada com a delicadeza da sonoridade de um berimbau gingado, o reco-reco honesto, mais o cavaco competente, sem deixar o tamborim risonho separado.
E deste sincretismo singular, sob as benções do cacoete, a ternura do coro de instrumentos e o amor da trilogia profética, viu-se nascer e criar, com muita veneração, os Santos Irmãos Siameses, orgulho da união, da pureza e dos sonhos, o Carnaval e o Futebol. Mas, infelizmente, a brisa da previdência ou da imprevidência, assoprou leve o registro desta cerimônia que se perdeu, no repique do sempre, para ninguém mais chorar sem alegria.

Ceflorence –     30/11/17       e-mail cflorence.amabrasil@uol.com.br
CAMBALACHOS ENTRE ENSAIOS DEVANEIOS

Dia de preguiça, adjacências, engalane-se você acordando, desensarilhe a pressa, abandone-a entre objetos inúteis, feriado trabalhista, dispense a angústia, pendure sua preocupação entre o azul e o provérbio. Achegaram-se espaços interessantes para fomento dos sonhos, desejos, pois os carinhos se abriram com a aurora. Silenciou-se a fobia para não despertar o repouso da melancolia. As fantasias invadiram tranquilas recompondo com estilhaços de amor, carícia e canto, porquanto, não ainda havia encanto para desperdiçar, portanto. Ensaios não movem a vida e nem a porventura fará qualquer diferença no que estou escrevendo. Saímos empatados. Não diga que não avisei.
O destino mareava surpresas de ventos leves, floridos, suficiente para aproar nas marés cheias, como só e acontecer, com os caprichos despojados e os desejos tranquilos. Sobre uma revoada extraordinária bordada de prazeres, distribui-se, aleatoriamente, de forma harmônica, carinho, aconchego e pétalas de saudade, para que cada um, sem afobação, se servisse dos pequenos, mas mais do que suficientes bocados. Doces apetitosos pecados venais eram fartamente servidos, entremeados de candura e recheados de esperança. Os capitais, também pecados, é verdade, muito mais saborosos e disputados, por escassos, foram oferecidos parcimoniosamente, recobertos dos inconscientes mais censurados, luxurias entremeadas. Ensolarado dia, pois a gula engravidou. Esperavam-se sorrisos antes dos carinhos espalharem encantos, para assim os colibris brincarem em dodecafônicas harmonias, regidas pelo eufórico eunuco coxo.
A perfeição das reminiscências abrindo-se em cores indiferenciadas provocavam êxtases, ousadas ternuras, distribuindo anseios inibidos, ainda desconhecidos. Nem sequer fora permitido desperdiçar esperanças acalentadas no regaço gostoso, mesmo que bem sucedido sobre os sonetos ingênuos ou as rimas alegres. Muito menos se propunham ejaculações precoces, pois eventuais movimentos, inesperados, desafinariam o ritmo, a cadência e até mesmo o tilintar suave das delicadas pontas de insanidades que estavam sendo amadurecidas para, recolhidas, serem úteis no preparo do desequilíbrio temporal. Em sintonia com o prazer e o orgasmo, atiravam-se ágeis e graciosos deslizes azuis,  minúsculos, brincando da mais pura imaginação, para abrirem-se no infinito inacabado. O poente jogou um último delicado e respeitoso beijo para a aurora, declarando, com graça, que os sonhos estendidos, para comporem os sonetos, deveriam ser aromatizados meticulosamente sem métrica ou preconceitos.
Sete euforias e um orixá se organizaram em duplas de encantos, ensimesmados de reminiscências, imemoriais versos, embalos suaves, carinhos macios. Tudo para ser recolhido no lugar combinado, sem retrocesso ou emendas. A volta era somente função de um subjetivo conceito sobre a necessidade do tempo, coisas dos deuses e dementes, pois poderiam não ter acontecido. Sabor de alegria não tem norte nem sabor, por abstratas metáforas, intempestivas, leves pensamentos dispensáveis, tristezas descartáveis. Havia uma manhã começando a parir-se em bemois. Cada um recolhia seu quinhão para meditar mais tarde com pequena dose de porvir. Mesmo assim, forma estranha de encerrar sonhos, conclui-se. Verbos, em galas e fanfarras, gritaram amém, palhaços e trapezistas, nós todos sobrevivendo de ilusões, com nossos apegos, tambores ou poesias, indiferentes às melancolias mordiscando nossas angústias, rastejamos pelas ruas tristes, formas perdidas, restando-nos pisar ao léu, a cata e sanha, procura do eu!
            E por serem crianças as noites das nossas ignorâncias, intocáveis, sem pautas para desabrocharem melhores destinos em amanhãs ou ternuras, restando, se couber, a pergunta presa no ar, nosso ar, ar de dementes: quem sobreviverá sem opressão para alimentar o impossível, a paranoia, o infinito, paradoxos da vida? Avisei para não caminhar na trilha, mas, se o fez, transcenda, não cabe lamentar. Assunhaiê dos orixás.


Ceflorence – 22/11/17  e-mail cflorence.amabrasil@uol.com.br
ORAÇÃO DOS DESENCANTOS E OUTRAS CISMAS
 Quem por desavença, destino ou praga se dá, mesmo porfiando descuido ou desajeito e se assenta para peneirar o azul do provérbio, assim destilar mentira, verá depositados nos escaninhos da vida peneirada um borralho grosso de demência, do lado que a sorte é mais calhorda e do outro um ranço de solidão. Abeirado ao retido notará, desfibrando, o cheiro acre de enxofre azedo, fermentado em chumaço graúdo de despautério. Neste proceder, meticuloso para não desandar, a sutileza bela do nada se enfeita de ser, mas só depois de manipulada pelo destino. Fica separada assim, no centro desta bateia cósmica uma catinga apodrecida, inexplicável, condimentada pelos demônios vomitando probabilidades e inesperados sem aviso antecipado na ardência da sobra de ilusão ou estrelas. Loucos e desvairados. Mas para não dizer que a sina se alienou na desgraça, só, ficam caídas no canto esquerdo, também, os pedaços mais graúdos de angústia, que o senhor aproveita para lambuzar as almas que o enganaram ou das outras que ele ludibriou nas encruzilhadas das tabocas. Por derradeiro, as solidões se aglomeram em pedaços maiores e enroscam na joeira.
Assim se grafa o evangelho dos descalabros para desvelo das ameaças e outras torpezas. Segundo os alistamentos dos alucinados e imbecis, há os que acreditam em deus, embora nem sempre deus nos próprios fie. Também se contam entre os tarjados, múltiplos em série por não serem poucos, os que de mais ardilosos se assanham nas tramoias e sorrelfas para catimbarem divinas dádivas, em santos nomes, e nunca pagam assumidas contas. Jamais esquecer os mentirosos ao senhor voltados, que os há desmesurados, no entanto não são, com certeza, os mesmos que deus escarnece. Destrava-se entre alguns os pios ou trêfegos pedintes de dízimos, adereços, relíquias, indulgências, profecias, promessas, esperanças, falcatruas. Estalam estes ligeiros aos céus infindáveis, como se portavam os sarracenos, os olhos sebentos de ardis mesquinhos, pastores oportunistas de melodramáticas curas e promessas no jamais obtidas, refazem os gestos intrincados, amiúde, as contas com os aléns, por se adornarem de lídimos depositários provisórios dos tributos aliciados em divinos nomes e os esbanjam muito por conta, até deus vir no encalço para justo reclamo da sua parte. Então, ah! Adeus a deus. Andais, oh deus.
Há ainda, nem mais retardos nos propósitos, mas nem também os mais afoitos, pois são notados tanto entre os justos como entre os vendilhões, alguns mais descuidados e do senhor darem por falta ou conta só no caminho da morte, amém. É o quanto basta por ora, meu bom amigo para começar a desfolhar o futuro, os imprevistos e as destrezas outras a serem manipuladas no correto espaço entre a vida e o eterno. Tenha bom tempo e chame quando for.
Fechadas as sanhas, os ventos pediram aos badalos da catedral que abrissem seus silêncios para os infinitos poderem repousar nas pazes das inverdades e das falcatruas.
Ceflorence    16/11/17    email   cflorence.amabrasi@uol.com.br  

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

ALOPRANDO SOLIDÃO
E de muito silêncio guardado no sovaco carinhoso da perobinha de cima, a corruíra desafogou preguiça, no canto chorado, para desengatilhar o sol. Manhoso sol de mal humorado, bocejando querência de não nascer de vez, e por tudo, meio assim no desabrido e na des-serventia dos inusitados. Pois de muito antigo como se dizia, sol carecia de sempre nascer, atoleimado e vadioso, do mesmo lado que corria o brio imponente do vento castigado da Várzea dos Lobisomens. E vinha ele, sol, exibido de petulante, antes de se tornar poesia, sabendo carecer subir, encostadinho, pelo pé da trilha da Serra dos Leprosos, por onde deus tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos, quando por ali cortava caminho, descalço, sozinho, acabrunhado e no campeio do nada. E por ser ele, às vezes empacava de não sorrir de pronto no verde, que a mata enfeitava e nem negava, mas na retranca escondia, conversando o sol, desviado de destinos, com os pedregulhos orvalhados escondidos na neblina E se atrasava papeando com as macegas carinhosas, com as juritis risonhas e com os infinitos abobados que sabiam só campear os deuses safados, as musas difíceis e as tropelias das solidões que as almas não explicavam; sol e deus eram de assim mesmo ali, não careciam de portantos e nem davam conta de satisfação prestar a ninguém.
  Ainda sequer não era já noitão dos fechados, mas embora, talvez, quem saberia pontuar se correto poderia afirmar, pois o curiango ainda nem se desfizera da teimosia de desencantar da beirada, da beirada da prainha do riacho sabedor como ele só de saltitar as pedras que águas da Cascatinha da Inhãnhá beijava. Foi neste ali, quando Sepião dos Afonsos aportou no curral para desandar de fazer dia e cabrestear cavalo. E de lá ouviu gemido manso-triste, assofrido de vingativo, descendo escabroso, vindo chegando estupefato e enrugado de mal cheiroso de ver, quieto de ruidoso por silencioso de escutar, meio de apavorado de fazer medo, ateimosado, muito de prontidão e arribado nos desconfiados. Quem pariu o ganido dos Leprosos vindo, por diabo enxertado fora por certo. Sabia saber de longe, Sepião, que depois da Várzea dos Lobisomens, subia des-facetada de empinada a Serra dos Leprosos, amanho das almas descambadas, desarvoradas. O cachorro enroscou na perna, o potro resfolegou sentido e postura, o escuro assoprou carência, tudo acalentou desassombro.
No fazendo, esquecidos, tempos idos, Sepião deu conta, por prosa de velhos e falas veladas, que no pé da serra, na Serra dos Leprosos, acomodava, há muito, um lazareto, que as ruínas das taipas ainda restavam. Por sendo valhacouto de desproporcionais tristezas, doença ruim de sabido, fome carregada e desgraça, se deram de desespero os leprosos de fugir do leprosário, em bandos sem rumos e destinos. Os avizinhados da Várzea dos Lobisomens, muito abnegados de religiões e promessas, atearam fogo de morro acima no encalço de salvar as almas e separa-las dos corpos estraçalhados dos lazarentos fugidos, que até hoje, nas madrugadas, reclamam suas penúrias. Sepião afastou o cachorro das pernas, arribou o lombilho no potro, acomodou o infinito na solidão e destravou o ouvido, como deus, para não abusar da desgraça. O sol pariu destino, calou as almas e rumou sertão.
Ceflorence              email  cflorence.amabrasil@uol.com.br      

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

ENTERRO DE CAMILÓ

Camiló nascera em Oitão dos Brocados, filho de gente sertanejada ali chegada há mais de duzentos anos. Se fizera trançados de couros por heranças de conhecimentos e destrezas, jogador de truco referenciado e por último acolhedor de dores e almas pelos tombos de peões de burros xucros, mulher da vida apanhada de cafetão e outras desditas. Por ordens das desfeitas fora assassinado por conta das suas habilidades e carinhos incompreendidos. Seguiram-se as exéquias como se deram e das quais damos nossas vistas.    
O cortejo fechou a rua principal, seguiu o instinto da flor de maracujá, que ele carregou quando atirado, caminhava lento tudo no embalo do caixão, para não acordar a poeira e assumiu o caminho fronteiro da Capela de Santa Eulábia, aderida ao Cemitério da Saudade. A igrejinha deu providências de atender o corpo de Camiló sem cobranças de passados e nem promessas de futuros. Saíram todos, gente por gente triste enfileirando, muito entretida nas ordens das melancolias respeitosas, para enterrarem o corpo, abonarem a alma e guardarem a saudade. Lágrimas passivas ouvindo a passarada entretida em seus atrevimentos. Na porta da venda do Mutalé Maneta, como ali pendia de visada direta ao cemitério, e trilha do trançador era rotina sabida, Camiló se agitou na rede deixando a flor cair na porta como mereciam as insinuações, para serem apaziguados os passos com a derradeira cachaça.
Minhoco deu muita razão ao cadáver em respeito às mesuras da flor pendida que mereciam ajustados sentimentos ao passarem gentes tantas em reverências funerárias por ali e cabia mais do que merecido aquele trago de despedida na venda que assistira o trucador por inesquecíveis. Conversas trançadas, tramoias ditas, afetos foram colhidos nas lágrimas do Mutalé antes dos definitivos. O povo assumiu resguardo, instigou Camiló saudar as dependências do Mutalé Maneta em memória ao passado e em abono a partida. Hora chegou correta com o cortejo ao portão do cemitério, povo machucado de tristeza adentrando ruelas de corredores estreitos, sinuosos, confusos entre os túmulos velhos saudando vizinho novo. Uma vala, sem muitas querências de vaidades, aberta esperando a encomenda, para finar em seguida nos atijolados de adobes pobres por merecimentos se ajustara e cruz postada na cabeceira.
Cadinho, filho do falecido, plantou a cruz de cedro na virada para o por do sol e na sôfrega da despedida da vida, intuito de Camiló poder acompanhar o passeio do astro durante o dia todo, como sempre fizera nas beiradas das ruelas, cantochando mesmices enquanto tramava couros, adivinhava sortes e enaltecia com os mesmos dedos as tristezas alegres de sempre nas assistências aos sofridos, às moças das vidas, aos peões das fraturas, às crianças dos sonhos. Era a imensidão de Camiló e seus conflitos.
O cedro poderia brotar em árvore de respeito e porte, como é das temperanças dos cedros e contar muitos anos depois as proezas dos dedos do Camiló Prouco, o homem mais habilidoso de Oitão e outros sertões por onde as suas venturas se desacomodavam nas invejas e nas carências das tramas, prosas, prendas e solidões das felicidades sofridas.
Cada um se deu por jogar um restolho de mão cheia de desesperança para a terra dizer adeus e o amém recolher o fim.

Ceflorence   19/10/17     email    cflorence.amabrasil@uol.com.br  

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

ESPAÇOS EM AZUL E OUTRAS CISMAS
Confirmadas foram em diretas linhas dos oxalás, por destino e paixão dos astros, que careceria cautela em cada brisa, para chegar disfarçada, renascendo diariamente na várzea espraiada de onde o Tomuaiacá, rio das magias e contos vindos dos sertões e das matas dos mistérios, desaguando na Baia de Acarampó, enfurnava agraciado. Antes da brisa se preparar para subir à cidade alta, enrolava-se faceira nas areias, refrescava nas águas das vertentes das marés mansas, brincava maneira em abertas rodas de capoeiras, artimanhas coloridas das gingadas negaças, rabos-de-arraia, meias-luas, benções, molengas desfeitas, generosas pausas, atiçava o berimbau em sustenidos às divindades, mas nos respeitos aos imponderáveis.
Vestida assim de silêncio e dogma, só então a brisa encravava pelas escadas do frontão, rumo à matriz soberba, se persignava com a canhota, apesar das contrafeitas das insinuações, enfezava nas diligências, arrebanhava a imaginação para conferir se não faltava nada para o dia começar a enlouquecer, suavemente, como era carente para os povos e gentios. Nos conformes adequados, como rezavam os pescadores, achegados cansados em suas jangadas embandeiradas, a madrugada só se desfazia depois destas querências cismadas dos ventos e das brisas, trazidos por eles dos aléns das quebradeiras das ondas, oferecendo as graças dos netunos e das iemanjás.
Nisto, as providências descarregadas nas praias, acatavam, derradeiras, as ordenanças dos sinos mascateando suas delicadezas e encantos nas cismas de alongarem as tarefas pelo cotidiano. Por ser de prudência merecida, as estrelas foram se acomodando em apropriadas solidões depois de brincarem de pirilampos com as escuridões, fartadas da noite, exaustas dos bailados e movimentos nas abundâncias dos firmamentos. Entrecortadas se deram as providências como as manias se faziam para repetirem as cismas das igualdades. Dia comum só se daria se os feitiços desacomodassem de suas preguiças para jogarem destinos e gentes a cata de suas providências.
A catedral refazia as badaladas remarcando os quartos, as meias e as inteiradas horas, para os fieis se aprontarem para as orações, mentiras, confissões, fingimentos, comunhões, invocando e provocando os santos das devoções preferidas, na falta de outros cinismos. Tempos mimosos, sol já assumindo seus desacordos e calores. Coisas miúdas de vendas nas ofertas e negócios, ervas curandeiras atravancadas nas calçadas quebradas, prostitutas a negociar mixes, travestis empolgados, enveredavam pelo átrio para completarem o dia. Ônibus, carros, pedestres, circulando a cata de destinos. 
O chafariz, como era de sua magnitude italiana, festividade, se empolgou sobre o passeio, desafogou de suas bordas rebuscadas em rococós e barrocos adventos, desatrelou do patíbulo os melhores anjos e querubins bailando entremeados em seus afrescos para ensinarem risonhos suas manias aguadas aos curiosos e aos pássaros carentes de nostalgias e sonhos. O dia se fez em demências saudáveis e cores ruidosas.
Ceflorence       10/10/17         email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

PREMONIÇÕES E OUTRAS SANHAS

O tempo cismado se pôs em versos, abelhudo nas premonições a virem, e por assim se deu que além dos percalços dos couros e das taquaras apaziguadas e entravadas entre si, sob as preces das cantatas e das prozas dolentes, Camiló, sertanejando seus sertões de Oitão dos Brocados, passou a se atrever, por ocasional socorro a um repentino imprevisto, a outras artimanhas de curador e vidente. Soberbo de curioso nas coisas endiabradas insolúveis e descabidas, começou o trançador a usar nos tateados de aprendiz e rezador de cantochões murmurados os mesmos dedos ágeis, definidos e embriagados de energias tantas, porosos de ternuras, calejados nas carências, afrontando com macias e afetuosas sedas nas horas justas os artelhos destros nas imbricações, para massagear os corpos maus sucedidos em quebradiços e ouvir as almas das agruras postas.
O acaso primeiro veio em queda de moça da roça afastada, chegando montada a Oitão e a besta alazã, sem sobreaviso, com buzina de caminhão cruzando caminho na boca da noite passarinhou seus desmerecimentos. A jovem não sustentou refugo picado do animal assustado, caiu frouxa na poeira seca com o ombro torcido visto. Estiraram, desmaiada, a menina da mula alazã sobre o balcão sujo da venda do Abigão. Camiló encostado na ponta da venda, dando conta do gole seu derramado, mais o baralho de truco para os desafios, foi amoldando aconchego de curioso e palpite, viu com olhos matreiros a desfeita mal amparada do ombro deslocado, apalpou os vazios dos cuidados carecidos. Acatou Camiló uma correia de couro ajustada aos provimentos deslocados, atraiu o músculo, a omoplata e a sanha deslocados para as corretas posturas, enquanto a desfalecida, no abandono do balcão, se desfazia de sentir, falar e dar de si notícia. Muito aprimorada nos intuitos a menina, desdisse do susto acordando, se remendou das vergonhas sobre o balcão, retornou dos seus aléns, ressabiou nos olhos dos em-tornados carecendo choro e carinho, mas curada das mazelas.
A doente sarou assumiu a mula de volta para casa e destacou como sendo a primeira providência amena, terapêutica, justa, de Camiló passando a se tornar trançador, doravante, também das almas e cismas. O trançador do Oitão, brioso de cerimoniais e ciências, foi empertigando nome ajustado e conhecido por cerrados e sertões de curador dos defeitos e adivinho das cismas. Da manobra curandeiras definiu Camiló à moça o uso de laço verde, esperança, amarrado no pescoço e deixá-lo cair brioso pelos seios mimosos por um quarto de destino e pendurar o braço do ombro magoado, emparelhando semana corrida inteira para assegurar das certezas de cura.   Tempo andou rompante como cascavel no cio, chegou maturado de conversas sobre benzeduras e outras estrofes, azucrinou sina e entre o sol se pôr e as estrelas ajustarem as coisas da noite mugindo, caiam nas mãos do trançador-benzilhão, curador das ânsias, as desditas não resolvidas. Quando nas casas das moças se altercavam desditas de desamparos de mulher querendo atear fogo no álcool embebido no próprio corpo, desforra de cafetão embriagado por corno tido, coronel salpicando concubina de rabo-de-tatu nas desfeitas do namoro pega, a solução no arruado era Camiló desenrolar do truco ou suspender da cachaça que castigava frouxa de bem querer e socorrer o destino.
As famas das benesses, das bênçãos, das curas cresceram nos volteados dos ventos contadores de casos e Camiló, nome benzeiro, se esparramou nos cerrados, nas  desfeitas, nas carências.                                                                                    
Ceflorence        04/10/17    email cflorence.amabrasil@uol.com.br   

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

DESPACHO E DESPEDIDA

                        Nunca entrara em bordel, o retirante a cata de seus futuros. Se pôs no desfecho das sanhas para aforar e coincidiu tratar de premências nas casas das damas por desfortunas das cismas. Mas diferente dos sonhados, desfez dos trejeitos e manias. Imaginava a maravilha dos pecados saborosos rodopiando pelas vagadas cadências dos andares flutuantes, enfeitando as paredes, tetos, imaginações, os abajures sombreados, fantasias. As portadoras das ternuras deixariam cair pelas coxas, pescoços, seios, nádegas, insinuações delicadas, sem preconceitos ou restrições, entrelaçando os cabelos soltos, ousados, esvoaçantes, perfumados. Roupas transparentes caindo cuidadosamente sobre as carnes palpitantes, voltadas para os céus e pedindo que os pecados lindos e os desejos azuis debruçassem sobre seus lábios para beijá-las infinitamente em orgasmos. Jamais poderia admitir tantas mesquinhezes, dispensáveis, que amulheradas putas tivessem corpos marcados de cicatrizes, pelancas soltas a serem escondidas e embora transitassem seminuas de roupas pobres e rasgadas, despertassem nenhuma preocupação dos olhados para não estorvarem as liberdades.
                        Indefiniam pelos corredores, quartos, a cata do único banheiro sujo, velho, para se acomodarem como gentes comuns nas urinadas e cagadas como procediam as fêmeas outras, tanto assim as cabras, as carentes das vidas. As andantes mulheres da zona pareciam assemelhadas à sua mãe, irmãs, vizinhas, gentadas pessoas indefesas, tristes, esperando o nada passar para não se assustarem. Fugazes e ingênuas dos cotidianos, sem aleluias ou estardalhaços, desmereceu Cadinho as senhoras prostitutas do sertão com muito dó, pois eram, por serem, tão constituídas de infelicidades idênticas.
                        Partiu, sobrou, sem dizer por que, uma réstia só de nada de água no Riacho da Perobinha, para nem arrastar sorte pela vida que viesse, enfezou Cadinho, sertanejo, retirante. Enfronhados desenfronhados fins, conflitos atiçados nas indiferenças e gritos dos prazeres. Adeus, oh deus dos infelizes e foi Cadinho subindo as escadas, para desaprender um pouco do choro, até esgueirar-se sem afobação pela porta do fundo do armazém do Abigão. O vendeiro retornara à depressão, sentado, enviesando os olhados para os despropósitos, mascando o palito de sempre, aconchegando um cafuné no papagaio mudo, esperando o nada entrar pela porta, em vez de Cadinho.
                        Resolvidas as teimas últimas com o vendeiro, adeus deu, mediu o sol começando a se esconder por trás da Forquilha, aprumou firme, calado, subida da serra que conhecia tão bem. Nunca atinara enfrentar o mesmo pó, caminho igual, sina repetida, pensando consigo no mais fundo, ele, por que a alma doía tanto? Atentou, foi atolando mágoa insolúvel, última, na sabedoria amarga pôr levar consigo um quase nada de pouco, além das roupas e farnéis, mais o desespero do punhado de fim sem volta e esperança, para oferecer às meninas irmãs que careciam partir sozinhas. Subiu sem mais assobiar como era do feitio. O curiango desceu de suas indiferenças, olhos muito marejados de tristezas e ansiedades, pousou no moirão das suas afeições e métodos, para avisar que o cavalo mandara recado para Cadinho chegar a tempo de ainda vê-lo vivo, se quisesse, embaixo da moita de bambu, lugar mesmo das conversas que estiveram tendo por último. Enfrentou as vistas das meninas especulando caladas das janelas pequenas, lembrou que era Cadinho, sertanejo, órfão de pai, sem mãe, arrimo das irmãs e não procedeu falar de si ou acreditar na realidade. Quem sabe? Parou por ai e nem cismou mais até enterrar o cavalo e despachar as meninas.

Ceflorence  26/09/17        email   cflorence.amabrsil@uol.com.br 

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

CURIÓ-SANHAS-SAGAS.
            A seca veio no cabimento de impor retirada, saga de destino incerto carreando nas fugas as mágoas, pobrezas, arrastando as saudades para tentar barganhar com outras pioras a topar nas penadas a virem. O sertanejo Cadinho, criado nas fraldas da Forquilha, dessabia ir embora da serra. Ali caçara com o irmão o curió de estimação e antes de desandar carecia soltá-lo no ponto das artimanhas. Andejando com a gaiola arribada Cadinho, o curió foi apetecendo de voltar aos nascedouros. Afundou o retirante as vistas agradecidas no jacarandá velho, abrigo do azulão disfarçando seu ninho nos recatos do alto para escapar do gato ardiloso. O sabiá cantava igualmente suas melancolias da ponta do ingá, de onde acompanhava o vento trazendo notícias do tucano bicudo premeditando estripulias nos ovos aquecidos no choco pela juriti. Cadinho assentiu, no infinito da tristeza, que quando soltasse o passarinho voariam juntos seus passados e carinhos, sobrariam as melancolias, cismas por brotarem. Caminhou sentido do topo da serra, descabido das almas de gente comum achegar nas normalidades, o Espigão dos Carcarás, zona dos melindres e ribanceiras, terra devoluta, posse de ninguém, e por isto tomada no sangue e na raça, na imaginação, por direito e outorga, pelo irmão e ele. De onde o sol se acocorava na serra, espiava assombreado para não assustar o provérbio, deu Cadinho o bamboleio do cansaço, acocorado cismou. A catadura das coisas perdidas punham-se miúdos os lugarejos.
Dia limpo como estava, pela seca castigando, se anteparava pelas direitas clareadas, desviadas as atenções do Morro do Serrote, enviesado se desmedia até as lonjuras da Comarca de Axumuricá, permitindo nas meias distâncias separadas, muito por pouco nada, as corruptelas de Moncadas dos Alepros, arriba, um tostão a mais, depois da Várzea das Mandibas, caia o Curral dos Pousos, situados tiquiras outros fronteiriços, Cariapó dos Pecados, entremeado vindo da Capoeira das Antas e pendiam as vistas para os achegos de Bom Jesus dos Tropeiros. Lampejando os olhados, Cadinho, destacou saudades voltadas, muito pequeninhas de distinguir nos horizontais sumidos das atenções, enxergava os arruados outros que a seca despovoara, Coivara dos Lobisomens, distanciada de légua, se tanto, depois de atravessar o Grotão do Padre Velho vinha Vau das Mortes, aonde sucumbiam amiudadas vezes boiadeiros e aboiadas, arrojados, quando a vazante do rio enganava, engrossava matadora e destemida, quem desmerecia conhecimento sem cismas nas travessias do lugar das correntezas abundando. Não por desmerecimento apontou os olhos lacrimados para riba dos casarios pobrinhos, sapé adobados ou paus-a-pique, fundão de barrocas feias, caminhos ruins, nas nascentes do Jucurui, Capão dos Mulatos, Aparecidinha das Bordadeiras, até embocar nas ruelas da Gameleira do Redentor. Despovoando os restos das almas, retorcidas solidões, Cadinho manejou que conhecia aquilo tudo, assoberbado de gente, fartura e vida, a casco de cavalo e alegria.
Com estas prosas de solidão, o curió não entendeu, mas gratificou, porque o Sertanejo retirante abrira a portinhola da gaiola e se deram os adeuses cada um para seu infinito e alma?
Ceflorence      21/09/17        email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

SERTÕES E OUTRAS DESFORRAS DAS SECAS
Achegaram gemidos, mesmo no carreiro vindo, como codorninha no verão enfeitiçada de agouros da cascavel desabusada na captura, ano prometido de sinistros. E as sinas se inverteram, concordadas nas previsões dos sinistros se darem nos tempos marcados. Pôs-se da chuva começar a escassear nos roçados, desajustando por conta desesperança de fartura, que já era miúda e barganhou o restinho por minguados, ademais fome piscando vinha caolha olhando braba por trás dos cerrados. Da soleira da porta do sítio, Camiló Prouco, persignou-se voltado de frente para os cantos das juritis pousadas viçadas no graúdo do bacupari petulante, virou contra o vento para desmolhar, antes de, na sequência, sério e compenetrado, urinar aguado, mole, largo, com fé e candura, sobre os encarvoados rabiscados por Inhazinha, tisnados no chão na véspera, sua mulher de desforras, coitos e assanhados melindres acudidos na cama, mesa e fogão. Não se punha como desrespeitoso ou desventurado, como sabido, mas premido atendente de servidão e mandado obediente das ordens certas das crenças reverenciadas, amoldadas a prosperarem robustas, como se era sempre.
O calor gemia desforra, passarada provocada para refrescar nos revoados agitados e proveito dos ventos certos. O tempo se dava por ser e vinham proseados de desperdícios e falta de sustentos nas chuvas, abobados de serventia e reza, mas chapiscados de texturas e sabor, se o sol acordava o burburinho da bicharada ou a algazarra das revoadas obrigavam a claridade bocejar pelos esparramados dotes de belezura da Serra da Forquilha e destravar as atarefadas. Camiló Prouco, até as coisas tomarem outros rumos, enquanto desaquecia a ressaca da bebida forte da noite anterior, choramingava sinceridade disfarçada na beira da bica do córrego, aonde Inhazinha, a mulher, continuava a batida da roupa na tábua larga de peroba aproveitando restado se dando da aguada diminuindo, encolhendo de se ver sumir cada dia um tanto. Acordava lerdo de raciocínio mal lembrado, o trançador, jogador de truco, da hora de deixado as tramas, noite alta, as pingas, as mandingas e ajustara o jacá das tiras de couros aos costados para arribar serra acima já lua galopando. O curiango, olhos sisudos de curioso, pio mole, acompanhava as sinas das vinganças, dos malfadados, dos desdouros, dos sofrimentos achegados aos dedos e aos destinos que Camiló solveu pesado durante um dia todos de trabalhos a fazer. E os espíritos compadecidos e as almas sanadas dos assistidos por Camiló nas explicações das contas pendentes satisfeitas à mulher e entendiam-se nos direitos de agadanharem seus prosados para continuarem sentido seus dedos macios, suas falas cantadas, suas preces sentidas. Inhazinha ouvia o silêncio, ajuizava rancores, considerava mentiras repetidas de um sertão inteiro de solidão a dois, sentia o cheiro da tramoia encarapitada sobre o provável, que só falhava e deixava o marrequinho afundar na taboa a catadura de alguma ilusão passada no brilho do lambari desinibido, do mosquito zunidor, da varejeira azul, embernada de más intenções.
As águas foram aprendendo a refugar amarradas nos tempos e preparando os cerrados para receberem as secas desacomodando almas e esperanças.
Ceflorence    13/09/17     email   cflorence.amabrasil@uol.com.br   

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

LAVRADIOS DOS ANSEIOS E TRISTURAS.
Enquanto o desassombro revia seus comezinhos urdindo tramas para continuar o dilema de preparar infâmias outras, desatinos da vida para não desnortear do poente, a lua ainda no embalo do seu destino de ser para o será, ajustava providências para o sucateiro exausto achegar. E estas tantas providências nada mais foram do que separar as tarefas das caladas das safras entre o dia e a noite e, portanto, resolvido este impasse, os astros acompanharam Cadinho Prouco, descamisado, tisnar com carvão, ódio e respeito a linha das magias, aléns juramentados. Traçou caprichoso, Cadinho, ao pé do frontão enorme do mosteiro gótico, prestimoso na querência de agatanhar o céu, semicírculo sinuoso, místico, para proteção dos ventos, dos vivos, frios, mortos, da polícia, calor, da maldade, sacristão, da puta que o pariu. Ao encarvoejar abnegado o chão descarregava os encarnados dos desmandos, torpezas e das sanhas para fora dos seus domínios. Neste assim, com o simples carvão cravado, defendia-se Cadinho das agruras, doenças, das lutas. Era o que lhe cabia nas águas que bebeu das preces da mãe, sertanejados tempos, que trazia no sangue as oitivas dos orixás, dos deuses, das sabedorias e ordenou ela, nas despedidas finais, a Cadinho nunca dormir sem enfezar os chãos e as almas com os carvões consagrados.   
O debuxo atiçou fundo nas texturas e demarcadas ficaram nos grilhões os limites das posses encarvoadas. O aviso para os infinitos, para os vivos e para os falecidos era o nefasto-nefando, seu e só seu só do seu latifúndio de solidão, só, da sua loucura-sadia, só, da sua desesperança-esperança, do seu inferno-celeste, do receio-corajoso, do seu imponderável-previsível, só. Confirmara-se ali o espaço ilimitado grilado das fatias de rancor desprezadas, da fadiga agônica, domínio do intangível, do inalcançável. Os invasores das terras, dos aléns, dos sonhos, abstratos, das insanidades e das ânsias respeitavam e acatavam os frontais tisnados de Cadinho. O tempo e o espaço se dividiam entre a labuta dos arrastos sofridos das cargas intermináveis pelas ruas infernais e se findavam nas bocas das noites, depois de delineadas as divisas mágicas encarvoadas como posses suas, aos pés dos sinos divinos da igreja. Era a magia do nada na alucinação do vazio pelo poder do irreal, que se estabelecia, se instaurava, se tornava concreto, inabalável, tão só cinzelado pelo delírio e pelo imaginário do catador de dores e papelões descartados. Neste império os mortos afetuosos enlambuzavam suas solidões, os vivos fugiam ameaçados, as almas acalantavam afetuosas. Era por ali dos encarvoados encrustados a sete barrocas de sofrimentos que retornava ele aos seus Oitões, terra acarinhada e saudosa dos sertões ressecados, das catingas, da passarinhada, onde fora parido para a vida e de onde fugira abortara aos destinos das danações pelas secas.
E ajustou como domínio de fé indiscutível, descendo as ordenações das posses, perpendiculares dos benditos telhados abençoados desde as torres tristes da matriz, serpenteando chão frio e lambuzado da confiança no destino, apossado tudo ficou.
Ceflorence     04/09/17         email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

VELÓRIOS-ATRACANÇAS-DESALMAS
Nos exato do tiro golpeando o peito, o trançador das benções, rezador dos couros, cantador dos improvisos, jogador de truco, meeiro das almas foi despachando a vida no intuito de livrar as dúvidas, se imiscuiu torto ao florido do maracujá assustado e atreveu a achar o caminho para beijar a morte. O morcego nem esperou a coruja para voar pelos cantos a procura do desespero. Camiló depositou o espírito na formosura da flor de maracujá, desanimou de proceder.
A flor mimosa do maracujá recebeu o último beijo, boca sangrando, Camiló esvaindo, arrepio de começo, desatino de fim. Subia da Várzea da Malita uma tristeza salobra por ordens das maritacas alvoroçando suas sintonias. Amealhou a flor chorando, machucada com o sangue pingado, compartilhando destino com a brisa soprada da capoeira pela seriema acabrunhando condolências. Tramando cortar caminho pela trilha da capela a flor se persignou nos ensejos dos respeitos, insinuando por dentro do cemitério. Derivou a graça nos atinos calados dos cantos pausados dos pintassilgos voejando entre as quiçaças e atendendo a tristura da morte, subiu serra longa, a flor, para notícia da triste sina chegar. Enquanto entumecia angústia envolvida no vento manso, mudo, a flor rodamoinhou a moita de bacuri e  espiou Inhazinha, mulher, enxaguando as roupas, ninando as tristezas, proseando, só sozinha, suas lamúrias, no córrego e se fez de silêncio aquietado até a coragem parir a vaza. Caminhou a flor pelo sítio nas pontas dos caules, assomou a meninada dormicando uns restos de noites.
Não afoitou o maracujá florido de achegar Inhazinha amargando prosa sozinha com as roupas, cantarolando ladainha de muxoxo no ribeirão, cismando previsões de desajustes sem a chegada, na véspera, de Camilo e trançados. Aguardou a flor, quietada de melindres, lacrimosa, amuada de silêncio, ajuizando cisma, encimando o pé da aroeira madrugando seu olhado sobre os vazios. Atinou as conversas de Inhazinha consigo mesma e mais deus, água correndo por baixo das roupas enxaguando. Bambeou a flor do maracujá, desabonada de promessas, pela picada miúda, arrodeando as taboas e desflora arroxeada de dessabores no pé da tábua de peroba molhada das roupas sovadas. Inhazinha nem destina, emudece, desestorva a angústia para saber que já sabia o recado correto do maldito feito pela flor portado, enroscando desgraças e carregadas do ranço forte de morte tida. Notícias recebidas, no rodopio do vento, seguem em passos de amaldiçoadas infelicidades a família em fila de índios calados na sequência das agonias. E seguiram a flor voltando mesmos passos da vinda convicta de suas prerrogativas de testemunha de sofrimento, os destinados a encontrarem Camiló ainda abeirando mesmo lugar onde atirado fora pela garrucha na Bica das Putas e gente muita acoitando o corpo desprovido de vida aguardando as soluções.
Misturou na fartura de gente de todos conhecidos amigos e sinceros respeitosos, em sendo Camiló, chorando povos se puseram para sofrer ausência por morte. Amizade debulhava no atento, cada afeto sempre acatado, sendo o velório atendido por boiadeiro comprador de trançados, puta carente de carinhos, massagens e premonitórios, jogador de truco, aparceirados nas refregas das jogatinas requentadas, criançada mole de sorriso farto embalada alegre nos cantos macios, nas estórias silvadas, nas delongas fantasiadas.
A roda se formou e a família acercou na precisão da carência. Fim de Camlió que Oitão desviu para sempre e saudosa por morte desmerecida.
Ceflorence – e-mail: cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

OITÕES DAS DESFORRAS E RETIRANTES
Atiçara sina amanhecendo de briga desaforada, Cadinho Prouco, pois palpitava carência, como do pai trouxera, a muito, dos rincões das saudades. E carregou consigo dos cerrados secos, vila arruada de poeiras rezingadas e encardidas, Oitão dos Brocados, de onde a desfortuna o arrancara sem remorso. Urinou Cadinho largado no sopé da torre da catedral tal qual se deu e o fez bem, como gostava, sobre os seus tisnados encarvoados de silêncios e tristuras. Cinzelara certo ali, noite anterior, emprenhado muito de amor e respeito às cativas preces, magias suas ajustadas aos aléns nos recados postos, como a mãe sumida lhe ensinara para nunca deixar de reverenciar orixá e deuses, atendendo cismas de cumprir promessa de sucateiro apenado às des-abençoadas mágoas tantas. Prontidão do rumo do catador fora desembocar raiando sol pelas incertezas de dia todo rasgado em tarefas incalculadas no garimpo das agruras por restados, mitigação de descartados, desaforos, devaneios, rejeitos dos vazios, desprezados, refugados e das sobras inúteis dos outros gentios sobre-sofrer ele na merda. O delírio arrotava azedo na cabeça perdida do catador. Assim se dava o troado encrustado da faina, labuta arrolada nas desditas e tramas de Cadinho se desentendendo consigo desde o sol intentar poente. Desatrelando dos manejos e desmandos, ora sendo, afinadas as contas da trabalheira, pouca monta sobrara, nadinha a bem prover, a noite chamou recanto de volta, depois de arrastar por uma jornada bruta inteira e cada despautério o carro, foi atinando achar seus refúgios e o carreteiro de sobrados juntou os catados pegos e volveu. Os ventos embalaram as sanhas e os pássaros enrolados carentes nas solidões se acercaram dos aninhos e pelo sim, depois das desforras, Cadinho afinou em propositados de assumir abrigo também. Corpo moído apontou demanda, alma prudente atendeu premente.
            Inteirado no vir das providências, o arrastador no tirante da carroça deu conta de seguir bem pelo meio do atiço do burburinho unhado do tráfego, carcomido, onde urdia demência, recalcava agrura, para então o torvelinho debulhar confusões como brotoejas nos rastejados dos carregos das caixas de papelões, latas, lamentos, velhos ferros, desforras, sobras várias, vazias garrafas, desaforos, pesando tudo uma servidão de penúrias. Angústia sobrava! Nas cismas o mundo reciclava matéria, espírito, deuses cuidassem. Arquejados, arrastados, pneus encruando, encastoados no ódio e nas pedras, no desassombro do destempero, fôlego encolhendo as vistas de carência de atiçar achego ao despontado final, puxado peso encarnado sobre os paralelepípedos cravando, amargos, Cadinho Prouco, gemido goela vasta, atazanava as rodas vadias, debochadas, para os ajutórios implorados às morosas no levante proposto da carga infame de pesada até restado aprumar. Restado fim, meta Praça da Catedral da Sé, dali então acenando já às cruzes dos campanários da igreja deslumbrando eternos. Cadinho alavancado, no limite tendo, desespero, tormenta, corpo inclinado teso nas pontas dos pés descalços enroscados à agonia, clamando aos bofes prontos para saltarem dos pulmões chiando, caminhava pouco, movia por vez um dedo de nada, se tanto fosse a dizer. O tempo se desfazia em amarguras sórdidas e nos derradeiros a boca arfava descompensando canalha.
Ceflorence     24/08/17       email     cflorence.amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

SONHOS. DESEJOS, TELHADOS
Volto ao tempo e aos telhados por paixão. Nunca atinei porque, gostaria de saber, antes do beijo final, por que os telhados encantam. Divago enquanto o infinito não me mastiga, se as coberturas acalantariam pela dignidade, silêncio, loucura. Mesmo que paradoxal, os Artânios, que se nutriam de fantasias, garantiam, que estes véus sobre as construções, esvaiam-se por magias, permitindo que os bolores dos tempos, das chuvas e dos imponderáveis, sobre as telhas, aleatoriamente espargidos, fossem como búzios e tarôs, para os fervorosos terem seus destinos devassados.
Já para os tradicionais Éltios, os telhados embalariam o silêncio e das funções de guardiães das alcovas. Aqueles que tentassem decifrar estes remansos íntimos, enfrentariam os íncubos e as bruxas, antes de arderem no purgatório. Por último constava entre os Citérios, que a loucura seria, sem dúvida, a peça mais importante que coabitaria suas incógnitas. As videntes sabem que estas coberturas escondem as demências nos meandros musguentos, para que os demônios as roubem nas noites de pesadelo e as usem nos transes dos incautos, antes de os endoidarem. Os curas garantem, ao contrário, nas solidões dos confessionários, que as fornalhas dos infernos se alimentam com as liberdades que as ninfas espionam pelos desvãos dos tetos.
Telhados e calçadas conversam amenos sobre os transeuntes, as chuvas, as preces e escutam as brisas antes de intuírem o futuro. No entanto, só as pitonisas desvelam as tramas caladas dos telhados dos sobrados, para distribuí-los aos cancioneiros, que dedilharão fantasias em seus bandolins e tecerão com sonhos as suas rimas. Nas madrugadas, os seresteiros devolvem suas harmonias, em serenatas singelas, sob os beirais carinhosos, para as musas gratificadas. É assim que se constroem as recordações dos que amam, sob as benções das coberturas, pelas vilas, pelos recantos, pelas esquinas.
            Compartilhando as solidões ou as alegrias, o vento ameno nasce na ilusão e vem beijar os telhados e os alpendres com as trepadeiras buliçosas. Nestes remansos, os avizinhados carregam suas cadeiras para se acomodam nas prosas preguiçosas. Prudentes e receosos, vão liberando por partes, tímidos, em fatias pequenas, suas mentiras, seus tédios e suas angústias. Se faltar querência, retornam para a proteção dos próprios telhados velhos e se recolhem com as tristezas que exibiram, para só retornarem quando o remorso chamar. O tempo é marcado pelo sino da matriz avisando que o passado se foi e o futuro apontou na curva do imprevisto.
As tardes caem assistindo os pássaros repousarem sobre os telhados, ciciando segredos, para que o futuro não ouça, enquanto especulam se o transcorrer do tempo é real ou mera fantasia. A lua se insinua tímida, envolta em solidão e se derrama carinhosa pelos telhados que sonham nostalgias. Ali, jamais se desapaixona, a lua.
Ceflorence     16/08/17      email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

ENTRAVES POR AUSÊNCIAS

            Apaixonei-me pelo nada, há muito, face à exuberância da sua timidez, impessoalidade. Já me debrucei aqui sobre esta delicadeza, retorno.  Entre o antes e o depois existe meramente o nada. Confirma-se, pois neste nada de instante, que já passou, transmudou-se tudo em um histórico nada. Tentarei sintetizar antes que o vigia do meu sanatório, de soslaio me espionando tão logo tomo papel e lápis, venha provocar-me. Impedirá que a esquizofrênica liberdade se nadifique em insano nada desconstrutivo. O intervalo entre passado e o futuro, embora seja o presente em lapso, é um nada. Se isto não é carregado de um respeitável nada, necessitamos de uma revisão psicológica. O vazio nada é tratado de forma inversa à merecida.  
O agora, segundo estudiosos, é um desfigurado melancólico nada entre o que acabou e o que vai acontecer. Ou este agora já foi ou ainda não é. É o substancioso nada desocupando seu espaço. Reconhecido pensador colocou, com sabor, de forma arguta, que quando se encontra alguém ou algo, após longa busca sobre os vários nadas, é sobre a imensidão destes nadas que resplandece. Se não houvessem os nadas contrapondo os seres, os existentes se atropelariam em caos. O espaço concreto entre o sim e o não é este nosso indispensável nada. O maestro e o compositor, se não harmonizassem sobre indispensáveis pausas, ou seja, os nadas sonoros, não fariam melodias, mas ruídos. Garimpemos outros saborosos nadas do cotidiano.
Saudade é essência do nada, apesar do poeta. Corrói mansa como bica seca desaguada, na porta fechada da casa deixada por nada pela mulher querida, depois da imensidão do nada. É o nada em solidão. E a angústia é filha do nadinha, amamentada de tristeza nos ocos faltados ou faltantes, sem acalantos, com as fantasias estilhaçadas nos inexplicáveis nadas. Nem pense em desejo, nadão de nada, morando a beira da nostalgia, que se estabelece com nada de cerimônia, casa, comida e roupa lavada. Não diz adeus, o desejo, inverna com a ansiedade traiçoeira, calhorda, amarga como nada. Engole o azul e o desespero do nada se acomoda como chinelos velhos pelos vãos.    
Longe de entrar em discussões acadêmicas, mas tendo de recorrer a posições concretas, devemos considerar que de certa forma o nada já foi manipulado por hábeis herdeiros dos sofistas. O que é o pecado senão o nada da virtude. É parente de parede de meia das conclusões finais sobre ética e humanismo entre fundamentalistas ortodoxos, isto é, nada. A discórdia é o nada explicito do ódio, é o nada de amor, é o nada do senso, é a demência evidente. Este quiproquó enaltece o fanatismo em nome do nada, explodem-se bombas reais abrindo-se enormes nadas em saudações à morte. A exuberância do nada, o nada mais radical e compacto é a morte. A morte sintetiza o nada absoluto, simultaneamente é arrogância, esplendor e solução.  Paradoxo das feridas abertas para os nadas.
Chega de incongruências, nada de lamúrias. Vamos ao nada objetivo, construtivo, forte. Ao nada em botão porque ainda é nada a florir e é nada ainda porque só será quando for. Entre tantos nadas, proponho louvação ao nada antes que este enfermeiro louco, nada afável, do sanatório, me coloque a camisa de força e me deixe em situação nada confortável em posição de demente.
Ceflorence 02/08/17                 email  cflorence.amabrasil@uol.com.br