quarta-feira, 27 de setembro de 2017

CURIÓ-SANHAS-SAGAS.
            A seca veio no cabimento de impor retirada, saga de destino incerto carreando nas fugas as mágoas, pobrezas, arrastando as saudades para tentar barganhar com outras pioras a topar nas penadas a virem. O sertanejo Cadinho, criado nas fraldas da Forquilha, dessabia ir embora da serra. Ali caçara com o irmão o curió de estimação e antes de desandar carecia soltá-lo no ponto das artimanhas. Andejando com a gaiola arribada Cadinho, o curió foi apetecendo de voltar aos nascedouros. Afundou o retirante as vistas agradecidas no jacarandá velho, abrigo do azulão disfarçando seu ninho nos recatos do alto para escapar do gato ardiloso. O sabiá cantava igualmente suas melancolias da ponta do ingá, de onde acompanhava o vento trazendo notícias do tucano bicudo premeditando estripulias nos ovos aquecidos no choco pela juriti. Cadinho assentiu, no infinito da tristeza, que quando soltasse o passarinho voariam juntos seus passados e carinhos, sobrariam as melancolias, cismas por brotarem. Caminhou sentido do topo da serra, descabido das almas de gente comum achegar nas normalidades, o Espigão dos Carcarás, zona dos melindres e ribanceiras, terra devoluta, posse de ninguém, e por isto tomada no sangue e na raça, na imaginação, por direito e outorga, pelo irmão e ele. De onde o sol se acocorava na serra, espiava assombreado para não assustar o provérbio, deu Cadinho o bamboleio do cansaço, acocorado cismou. A catadura das coisas perdidas punham-se miúdos os lugarejos.
Dia limpo como estava, pela seca castigando, se anteparava pelas direitas clareadas, desviadas as atenções do Morro do Serrote, enviesado se desmedia até as lonjuras da Comarca de Axumuricá, permitindo nas meias distâncias separadas, muito por pouco nada, as corruptelas de Moncadas dos Alepros, arriba, um tostão a mais, depois da Várzea das Mandibas, caia o Curral dos Pousos, situados tiquiras outros fronteiriços, Cariapó dos Pecados, entremeado vindo da Capoeira das Antas e pendiam as vistas para os achegos de Bom Jesus dos Tropeiros. Lampejando os olhados, Cadinho, destacou saudades voltadas, muito pequeninhas de distinguir nos horizontais sumidos das atenções, enxergava os arruados outros que a seca despovoara, Coivara dos Lobisomens, distanciada de légua, se tanto, depois de atravessar o Grotão do Padre Velho vinha Vau das Mortes, aonde sucumbiam amiudadas vezes boiadeiros e aboiadas, arrojados, quando a vazante do rio enganava, engrossava matadora e destemida, quem desmerecia conhecimento sem cismas nas travessias do lugar das correntezas abundando. Não por desmerecimento apontou os olhos lacrimados para riba dos casarios pobrinhos, sapé adobados ou paus-a-pique, fundão de barrocas feias, caminhos ruins, nas nascentes do Jucurui, Capão dos Mulatos, Aparecidinha das Bordadeiras, até embocar nas ruelas da Gameleira do Redentor. Despovoando os restos das almas, retorcidas solidões, Cadinho manejou que conhecia aquilo tudo, assoberbado de gente, fartura e vida, a casco de cavalo e alegria.
Com estas prosas de solidão, o curió não entendeu, mas gratificou, porque o Sertanejo retirante abrira a portinhola da gaiola e se deram os adeuses cada um para seu infinito e alma?
Ceflorence      21/09/17        email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

SERTÕES E OUTRAS DESFORRAS DAS SECAS
Achegaram gemidos, mesmo no carreiro vindo, como codorninha no verão enfeitiçada de agouros da cascavel desabusada na captura, ano prometido de sinistros. E as sinas se inverteram, concordadas nas previsões dos sinistros se darem nos tempos marcados. Pôs-se da chuva começar a escassear nos roçados, desajustando por conta desesperança de fartura, que já era miúda e barganhou o restinho por minguados, ademais fome piscando vinha caolha olhando braba por trás dos cerrados. Da soleira da porta do sítio, Camiló Prouco, persignou-se voltado de frente para os cantos das juritis pousadas viçadas no graúdo do bacupari petulante, virou contra o vento para desmolhar, antes de, na sequência, sério e compenetrado, urinar aguado, mole, largo, com fé e candura, sobre os encarvoados rabiscados por Inhazinha, tisnados no chão na véspera, sua mulher de desforras, coitos e assanhados melindres acudidos na cama, mesa e fogão. Não se punha como desrespeitoso ou desventurado, como sabido, mas premido atendente de servidão e mandado obediente das ordens certas das crenças reverenciadas, amoldadas a prosperarem robustas, como se era sempre.
O calor gemia desforra, passarada provocada para refrescar nos revoados agitados e proveito dos ventos certos. O tempo se dava por ser e vinham proseados de desperdícios e falta de sustentos nas chuvas, abobados de serventia e reza, mas chapiscados de texturas e sabor, se o sol acordava o burburinho da bicharada ou a algazarra das revoadas obrigavam a claridade bocejar pelos esparramados dotes de belezura da Serra da Forquilha e destravar as atarefadas. Camiló Prouco, até as coisas tomarem outros rumos, enquanto desaquecia a ressaca da bebida forte da noite anterior, choramingava sinceridade disfarçada na beira da bica do córrego, aonde Inhazinha, a mulher, continuava a batida da roupa na tábua larga de peroba aproveitando restado se dando da aguada diminuindo, encolhendo de se ver sumir cada dia um tanto. Acordava lerdo de raciocínio mal lembrado, o trançador, jogador de truco, da hora de deixado as tramas, noite alta, as pingas, as mandingas e ajustara o jacá das tiras de couros aos costados para arribar serra acima já lua galopando. O curiango, olhos sisudos de curioso, pio mole, acompanhava as sinas das vinganças, dos malfadados, dos desdouros, dos sofrimentos achegados aos dedos e aos destinos que Camiló solveu pesado durante um dia todos de trabalhos a fazer. E os espíritos compadecidos e as almas sanadas dos assistidos por Camiló nas explicações das contas pendentes satisfeitas à mulher e entendiam-se nos direitos de agadanharem seus prosados para continuarem sentido seus dedos macios, suas falas cantadas, suas preces sentidas. Inhazinha ouvia o silêncio, ajuizava rancores, considerava mentiras repetidas de um sertão inteiro de solidão a dois, sentia o cheiro da tramoia encarapitada sobre o provável, que só falhava e deixava o marrequinho afundar na taboa a catadura de alguma ilusão passada no brilho do lambari desinibido, do mosquito zunidor, da varejeira azul, embernada de más intenções.
As águas foram aprendendo a refugar amarradas nos tempos e preparando os cerrados para receberem as secas desacomodando almas e esperanças.
Ceflorence    13/09/17     email   cflorence.amabrasil@uol.com.br   

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

LAVRADIOS DOS ANSEIOS E TRISTURAS.
Enquanto o desassombro revia seus comezinhos urdindo tramas para continuar o dilema de preparar infâmias outras, desatinos da vida para não desnortear do poente, a lua ainda no embalo do seu destino de ser para o será, ajustava providências para o sucateiro exausto achegar. E estas tantas providências nada mais foram do que separar as tarefas das caladas das safras entre o dia e a noite e, portanto, resolvido este impasse, os astros acompanharam Cadinho Prouco, descamisado, tisnar com carvão, ódio e respeito a linha das magias, aléns juramentados. Traçou caprichoso, Cadinho, ao pé do frontão enorme do mosteiro gótico, prestimoso na querência de agatanhar o céu, semicírculo sinuoso, místico, para proteção dos ventos, dos vivos, frios, mortos, da polícia, calor, da maldade, sacristão, da puta que o pariu. Ao encarvoejar abnegado o chão descarregava os encarnados dos desmandos, torpezas e das sanhas para fora dos seus domínios. Neste assim, com o simples carvão cravado, defendia-se Cadinho das agruras, doenças, das lutas. Era o que lhe cabia nas águas que bebeu das preces da mãe, sertanejados tempos, que trazia no sangue as oitivas dos orixás, dos deuses, das sabedorias e ordenou ela, nas despedidas finais, a Cadinho nunca dormir sem enfezar os chãos e as almas com os carvões consagrados.   
O debuxo atiçou fundo nas texturas e demarcadas ficaram nos grilhões os limites das posses encarvoadas. O aviso para os infinitos, para os vivos e para os falecidos era o nefasto-nefando, seu e só seu só do seu latifúndio de solidão, só, da sua loucura-sadia, só, da sua desesperança-esperança, do seu inferno-celeste, do receio-corajoso, do seu imponderável-previsível, só. Confirmara-se ali o espaço ilimitado grilado das fatias de rancor desprezadas, da fadiga agônica, domínio do intangível, do inalcançável. Os invasores das terras, dos aléns, dos sonhos, abstratos, das insanidades e das ânsias respeitavam e acatavam os frontais tisnados de Cadinho. O tempo e o espaço se dividiam entre a labuta dos arrastos sofridos das cargas intermináveis pelas ruas infernais e se findavam nas bocas das noites, depois de delineadas as divisas mágicas encarvoadas como posses suas, aos pés dos sinos divinos da igreja. Era a magia do nada na alucinação do vazio pelo poder do irreal, que se estabelecia, se instaurava, se tornava concreto, inabalável, tão só cinzelado pelo delírio e pelo imaginário do catador de dores e papelões descartados. Neste império os mortos afetuosos enlambuzavam suas solidões, os vivos fugiam ameaçados, as almas acalantavam afetuosas. Era por ali dos encarvoados encrustados a sete barrocas de sofrimentos que retornava ele aos seus Oitões, terra acarinhada e saudosa dos sertões ressecados, das catingas, da passarinhada, onde fora parido para a vida e de onde fugira abortara aos destinos das danações pelas secas.
E ajustou como domínio de fé indiscutível, descendo as ordenações das posses, perpendiculares dos benditos telhados abençoados desde as torres tristes da matriz, serpenteando chão frio e lambuzado da confiança no destino, apossado tudo ficou.
Ceflorence     04/09/17         email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

VELÓRIOS-ATRACANÇAS-DESALMAS
Nos exato do tiro golpeando o peito, o trançador das benções, rezador dos couros, cantador dos improvisos, jogador de truco, meeiro das almas foi despachando a vida no intuito de livrar as dúvidas, se imiscuiu torto ao florido do maracujá assustado e atreveu a achar o caminho para beijar a morte. O morcego nem esperou a coruja para voar pelos cantos a procura do desespero. Camiló depositou o espírito na formosura da flor de maracujá, desanimou de proceder.
A flor mimosa do maracujá recebeu o último beijo, boca sangrando, Camiló esvaindo, arrepio de começo, desatino de fim. Subia da Várzea da Malita uma tristeza salobra por ordens das maritacas alvoroçando suas sintonias. Amealhou a flor chorando, machucada com o sangue pingado, compartilhando destino com a brisa soprada da capoeira pela seriema acabrunhando condolências. Tramando cortar caminho pela trilha da capela a flor se persignou nos ensejos dos respeitos, insinuando por dentro do cemitério. Derivou a graça nos atinos calados dos cantos pausados dos pintassilgos voejando entre as quiçaças e atendendo a tristura da morte, subiu serra longa, a flor, para notícia da triste sina chegar. Enquanto entumecia angústia envolvida no vento manso, mudo, a flor rodamoinhou a moita de bacuri e  espiou Inhazinha, mulher, enxaguando as roupas, ninando as tristezas, proseando, só sozinha, suas lamúrias, no córrego e se fez de silêncio aquietado até a coragem parir a vaza. Caminhou a flor pelo sítio nas pontas dos caules, assomou a meninada dormicando uns restos de noites.
Não afoitou o maracujá florido de achegar Inhazinha amargando prosa sozinha com as roupas, cantarolando ladainha de muxoxo no ribeirão, cismando previsões de desajustes sem a chegada, na véspera, de Camilo e trançados. Aguardou a flor, quietada de melindres, lacrimosa, amuada de silêncio, ajuizando cisma, encimando o pé da aroeira madrugando seu olhado sobre os vazios. Atinou as conversas de Inhazinha consigo mesma e mais deus, água correndo por baixo das roupas enxaguando. Bambeou a flor do maracujá, desabonada de promessas, pela picada miúda, arrodeando as taboas e desflora arroxeada de dessabores no pé da tábua de peroba molhada das roupas sovadas. Inhazinha nem destina, emudece, desestorva a angústia para saber que já sabia o recado correto do maldito feito pela flor portado, enroscando desgraças e carregadas do ranço forte de morte tida. Notícias recebidas, no rodopio do vento, seguem em passos de amaldiçoadas infelicidades a família em fila de índios calados na sequência das agonias. E seguiram a flor voltando mesmos passos da vinda convicta de suas prerrogativas de testemunha de sofrimento, os destinados a encontrarem Camiló ainda abeirando mesmo lugar onde atirado fora pela garrucha na Bica das Putas e gente muita acoitando o corpo desprovido de vida aguardando as soluções.
Misturou na fartura de gente de todos conhecidos amigos e sinceros respeitosos, em sendo Camiló, chorando povos se puseram para sofrer ausência por morte. Amizade debulhava no atento, cada afeto sempre acatado, sendo o velório atendido por boiadeiro comprador de trançados, puta carente de carinhos, massagens e premonitórios, jogador de truco, aparceirados nas refregas das jogatinas requentadas, criançada mole de sorriso farto embalada alegre nos cantos macios, nas estórias silvadas, nas delongas fantasiadas.
A roda se formou e a família acercou na precisão da carência. Fim de Camlió que Oitão desviu para sempre e saudosa por morte desmerecida.
Ceflorence – e-mail: cflorence.amabrasil@uol.com.br