ENTRE O IMPROPÉRIO E A MITOLOGIA
Relato em
contrapartida e mais convicto, sem constrangimentos agora, passados vários
indefinidos percalços sob a sombra suave desta solidão, mesmo não tendo lábios
de carmim, nem sífilis, vendo em réplica as gaivotas brincarem de fingir fugidias
ao infinito e eu aqui, obsessivo, campeando o verbo espairecer para saborear
delicadas metáforas envenenadas. Mastigo fiapos de nada e me inspiro. Fazia-se,
insisto para não pairar dúvidas, um imiscuído indefinido intervalo emocional
entre o eu e a promiscuidade. Sim, provocativa, plasmando-se procedente posteriormente,
embora, até então, não sabia eu, ingênuo, porque esta hipótese de promiscuidade
comparecesse com peso relevante na minha interminável psicanálise. Prossegui meditativo
vendo pouca esperança em aproveitar o canto da palmeira acarinhando o encanto
do pintassilgo.
Não intuí por que não seria de cunho nada
minimalista, na circunstância, pois entre as sete andorinhas mimetizando
delicados voos insubordinados sobre o imprevisto, modulados em escala de fá, e
o mesmo sol que as acalantara por uma primavera inteira, deu-se de o porvir ser
inconstante, embora inexorável? Esta inconstância passou a fazer parte de meu
proselitismo mesmo quando, raramente, sóbrio.
Mas, para certa tranquilidade, permitiu-se
ao andejar, o que se confirmou fundamental, aproveitar estes cenários
entranhados nas poesias concretas, tanto tal também como com as paisagens expressionistas,
antes de simularem-se findas as sinfonias efêmeras diárias que se desconstroem para
oferecer o poente. Anotei o aroma sobre uma pequena amálgama de hipótese, para
não desperdiçar os remanescentes dos subterfúgios das circunstâncias
indefinidas disponíveis, e a moça passou segurando a mão da criança brincando
de chutar as espumas menores para implicar com a maré. Assim restaria aceitar o
se estender do provérbio para eu absorver melhor o transcorrer inefável do dia,
ameigado pela preguiça e à rotina entre o amanhecer e o entardecer. Friso, por
onde pasmo ainda agora meus devaneios acompanhando este desenrolar, esperando o
nada procriar pequenos êxtases de madraçarias. Não havia incompatibilidade ou
redundância, a meu ver, entre a promiscuidade e o meu eu indolente, mas ainda
estavam estabelecendo limites e espaços confiáveis.
Configurou-se exato. Através do
paradoxo ou da mitologia, sempre confundo, pois repete-se esta determinação do
Criador para se refazer as circunstâncias do panorama eterno que insinua diariamente
a reedição da morte solar. Isto me foi fundamental então. A fantasia seria
minha, portanto, na dúvida, propus que a interrogação perdurasse por outra
estação de recreio se a hipótese em incremento se transformasse em libertinagem
ou imposições xenófobas. Naquele momento, resgataríamos se a origem analítica do
fenômeno da libertinagem teria caráter genético, ambiental, fiduciário, preservacionista
ou influência, quem diria, do cruzamento de Capricórnio com Aires em trânsito
eventual pela Constelação de libra.
Voltava eu, inconscientemente, a pontos
escolásticos ligados ao geocentrismo que levaram vários infiéis ao cadafalso
por negarem aquilo que não fazia a menor diferença. Pois, com ou sem as
alternativas em retrospectiva, a terra não se manifestou, mas também não parou
de ter relações extraconjugais com o cosmos, os servos de gleba mal sobreviviam
do que colhiam, o sol se movia em sentido horário e, em deferência ao
inusitado, solicitei repetir a mesma marca de vinho. Senti-me gratificado e
compartilhei com a tristeza, que viera me acompanhar como sempre naquele
horário, o restante da garrafa.
Como percebi, este pensamento de
confronto do verbo transitivo com a resultante da cabala em conluio com os
princípios da metodologia vegana, jamais se esclareceu conscientemente, mas como
se alternavam estas mesmas e ainda outras minúcias esquizoides posteriores, dei
razão ao psiquiatra para dobrar a dose do psicotrópico. Mesmo preço de uma
dúzia de garrafas de vinho, cartel filho da puta. Neste intervalo a
promiscuidade e o ego já se intervinham um pouco melhor.
Olhei a tristeza e não me lembro se verbalizei,
menti ou supus – “são dados incontestáveis desde quando os deuses burilaram este
universo gravitacional e materialista, embora inconsciente e espontâneo, face a
que as opções da realidade eram mais simples, mas o raciocínio cartesiano foi
se impondo cada vez mais ditatorial, presente e autoritário. Tanto que o
cartesianismo estuprou a fantasia para destruir o amor, imperar sobre a dúvida
sempre que havia discórdia, renegar o novo testamento e as cores passaram a ter
funções psicossomáticas”. Justificava-se a conjetura, pois até então não havia
eu atentado aos detalhes dos pardais entremeando o coreto se descompondo impregnado
de nostalgia, onde uma senhora ouvia o chamado do além e conversava com Deus, ainda
ali o chafariz enferrujado se desfazendo e abandonados se deram a ficar naquela
ponta de praia amortalhada entre o silêncio e minhas insânias alvoroçadas.
Deu-se em alfa as sequências e a
posteridade não configurou mais os meus motivos que não eram só disfarçados,
mas afetivos e ancestrais. Impus-me pausa para não continuar elucubrando como
faço enquanto desenvolvo elipses conflituosas para elucidar se o que estou imaginando
é fruto do meu consciente ou se a consciência elabora o que estou imaginando.
Tenho, nesta ânsia, duas soluções, transcender a atenção para um ponto imaginário
imponderável em um subjetivo aleatório entre o azul amedrontado e o manifesto
comunista ou me consolo da demência restando cativado à flor do maracujá que me
saudou ontem em silêncio. Na dúvida chamei o garçom. O eu se aproximou da
promiscuidade sem tocá-la.
Foram estes os argumentos com que a
tristeza amena, amiga afetuosa, que me embala doce ao cair das tardes, aconchegara
então à mesa que frequentava no Pontão do Procópio. Antecipo que os detalhes
anteriores foram pontos de somenos no contexto que oferecerei. Não me senti
confortado e tranquilo, embora uma das sete andorinhas tenha se recolhido mais
cedo. Mas dispôs a tristeza, aleatoriamente, suave, a partir daquele momento
marcante, sobre o tampo disponível, cada detalhe resgatado da bolsa de seus badulaques
significantes que portava perene à tiracolo. Vieram seus atributos despejados
sobre a mesa com a exigência precípua, sua, que atentasse eu somente ao aroma da
fantasia, à acuidade do melindre, às cores da emoção.
Caso não me contagiasse
peremptoriamente pelas oferendas portadas não seria impregnado da sutileza do
encanto da incerteza, metamorfose da dúvida, do vazio espiritual. O álcool não
faria mais efeito. Isto seria desumano, desalentador. Da embriaguez não compartilhada
na intimidade com a tristeza, antes de chorar, se não lhe devotasse eu todo
carinho e atenção, nasceriam provérbios inúteis, miasmas subversivos, discursos
políticos, dividas, pregadores redentoristas. Repete-se esta cena inspirada na
imensidão da suave demência com a qual me emociono sempre ao entardecer
enquanto repito ordenar sistematicamente outra dose a ser sorvida em goles
miúdos, na companhia da tristeza já alcoolizada, antes de me extasiar. O eu e a
promiscuidade se acalmaram.
Lembro-me bem, parara de fumar na
véspera, mas pedi só mais um maço, usaria dois e jogaria fora aquela porcaria
de cigarros. Na medida que as peças das metáforas e encantos aforavam, tímidas
ou alegres, enternecidas, medrosas, envergonhadas, desorientadas, a tristeza,
imperativa, em seus desígnios de me enternecer em seus braços, olhou-me com a
fisionomia complacente sabendo que eu não teria alternativa, se não a acatasse.
Fui, tranquilo, sendo abscondido pelo fervor impregnado de delírio irrequieto
da tristeza impositiva, olhos pasmados na sua impassividade, certo torpor, resto
de medo atávico. Transcendi à infância, seios maternos, o ladrão embaixo da
cama, infinito, o cavalo de pelúcia, reza para pedir perdão, a reza para pecar
depois.
Deixei-me entreter lento, voz pastosa,
volvendo vistas à tristeza, ela pedindo para passar para o lado direito, pois
gostaria de acompanhar o poente. Oscilei o pensamento para uma frase sem
sentido prático, naquele momento pelo menos, por ser inoportuna, mas me deixei tangenciar
por uma letra de samba canção que pincelava a textura suave do tema, por ser
sábado, no qual poderia eu ter desejos e carências sexuais. A imaginação é
fantástica. O vinho não era dos piores depois da sexta dose. Uma brisa calma
trouxe recordações de Alita, que me abandonara no mês anterior, tanto que
lembrei que teria de resgatar, na véspera, a penhora do relógio que fora de meu
avô.
Só nos distraímos, a tristeza e eu,
por vermos desprender da flor de maracujá, empenhada em ouvir o silêncio, um beija-flor
à cata de seus existenciais, procriar ou nutrir-se. Deus caprichou no colibri
enquanto rascunhava os demais imprevistos à beira do nada. Neste ponto tentei
impor-me o pensamento mais formal e não dialogar com o surrealismo. Por favor, pedi,
sem timidez mais, o terceiro ou quarto copo depois do último que parara de
considerar necessário contar. A tristeza, impassível não se pronunciou. Fiquei
orgulhoso.
Depositava ela seus portados em ordem
de minúcias afetivas e por silogismos crescentes, insistindo para eu não me
distrair pedindo, simultaneamente, vinho novamente. Ainda falávamos da
importância do contexto das andorinhas em confronto com os paradigmas solares,
quando a angústia chegou sorrateira de mãos dadas com o problema de cálculo
integral acarinhando-a e observando a importância existencial do desabrochar da
camélia em dia de finados. A equação não fechava, mas existia certa correlação
poética com o mar morto.
A tristeza voltou a olhar-me na intimidade
da alma, pediu mais vinho tinto para ela então, enquanto entonava quase imperceptível
algo de Noel. Antes de se despedir e levar-me aos safanões pela calçada, sem
perguntar-me, jogou, a tristeza, sobre a lambança dos seus búzios preferidos,
um olho de cabra que sorria pela metade, um preconceito irreal recolhido em
desavença com a Via Láctea, aquele exemplar estranho de sonho que não tinha
envolvimento com o Complexo de Édipo, duas metamorfoses lésbicas de cigarras
ainda encasuladas, fotografia do colibri que enfeitara o além antes das festas
juninas, um saca-rolhas sem dente. Além disto, embora não considerasse búzio ou
patuá, me fez alizar, para ir acostumando a conviver, uma réstia de melancolia,
duas metades de saudades que não encaixavam. Mostrou ela ainda possuir três
quartos de alguma substância fortuita para uso anticoncepcional ou remédio para
mal olhado, mais o pedaço severo lascado de frustração para misturar com álcool
antes da missa das seis. Jamais entendi para que, a missa. O ego viu-se
impotente para assumir fantasia promíscua.
Expos, em sua confusão simpática, mas
destrutiva, a tristeza, os motivos porque se davam nossos encontros sempre ao
entardecer e assim não atrapalhar a chegada da insônia, que não falhava jamais.
Atribuiu à tristeza, então já ordenando mais um vinho tinto, a tranquilidade
que pairou entre nós até enquanto aguardávamos a depressão chegar para entrelaçarmos
nossos propósitos de ménage a trois. Não nos despedimos, convidei-as a dormir. Proibi-as
de atender o insistente telefone, era do AA.
Ceflorence São
Paulo, 04/05/21 e-mail
carlos.florence@amabrasil.agr.br