quinta-feira, 22 de abril de 2021

 

EGO MEU DONDE ESTÁS? EM FÁ SUSTENIDO, ABISTEL OU A FLOR DE LIZ NÃO BROTOU?

Paira-me até hoje a interrogação que se tal houvera em ré menor, poderia ter ocorrido da mesma forma que se deu na Constelação de Aires ou ainda com a brisa do sonho como melhor apetecesse? Mas não se deu e prossigo. Irrompe me perguntar de improviso se raciocino em grená após deleitar a quinta sinfonia ou o complexo de Édipo tem influência sobre a menopausa do esturjão? Este conflito saboroso, emulação, que aflora em sendo, me intriga eterno se é fruto da emoção, do consciente, vinho tinto, impudência, atração sexual, materialismo histórico, reciclagem de lixo, irresponsabilidade, reforma agrária, amor, imaginação, pré-conceito, não menos respeitável, inconsciente, saudades ou vontade de exibir-me. Como dilema eterno é emocional ou intelectual? Não tenho resposta, mas constato que por isto o meu último leitor sou eu e o abstrato silêncio. Mas impinjo-me seguir.

Fato e precaução como aviso. Não é afrodisíaco, mas também não suporta críticas pessoais, coletivos lotados ou ejaculações precoces estas melancolias ou paranoias. Dou conta da consciência, assustada ou vadia, ser a única própria consciência deste labirinto circular. Viver é muito perigoso, senha do meu mestre Guimarães. Poderia ter agradavelmente memorado esta cena inteirando-a entre um correr de casas modestas, flores nas jardineiras, violão à mão, intenção de serenata a ser dedicada à frustração, pois estava apaixonado, ou a melancolia ainda tentando se explicar por falta de hábito naquele se desfazer, fim de tarde, lábios do anoitecer. Senhor, ajudai-me, segure meus delírios ou peça ao garçom um vinho tinto.

Se ruborizaram piegas o sol e o poente ao se beijarem. Se fosse poeta colocaria esta delonga verbal, inútil, registre-se, para surtir efeito emocional sobre alguém imprudente, em um sorvete de marzipã ou ofereceria as palavras separadas, em ordem não alfabética, à professora em vez da maçã, sem pejo ou sorriso cínico. Devaneio, como proponho-me, é inútil na maior parte das vezes, mas muito interessante, perigoso outras, confuso sempre, irritante ou alegre, quiçá necessário, ainda pode se desafazer esvoaçante por desconhecidos imbróglios ou se assenta infernal como paranoia irresoluta sem reticências sobre o pedestal da arrogância.

E a reflexão, minha, permite-se portar com independência e altivez como tal maré que segue as determinações da lua e não tem a menor consciência de ser. De onde vem meu imaginar? Não obtenho retorno, mas é como prospero transtornar-me em infinitesimais deleites, curvas inacabadas, retas indecisas, desfigurações confusas. Não escolhi, brotam. No meu caso eu esbarro, não reclamo, mas tenho muito medo, embora disfarce com habilidade. Obrigo-me refletir como as coisas aleatórias surgidas no, ou melhor, do meu ego subalterno ao inconsciente, prestes a se enrolar nos delírios, como sempre, mas no momento escolhi, por não conseguir segurá-lo, a forma original das jabuticabas silvestres que se desmilinguem das próprias flores para se tornarem bolas e belas. Se não beijadas pelas abelhas, cismas, as aves, alguém apaixonado, talvez pobres

famintos, se desfazem murchas, tristes, desconhecidas. Enfim, me confundem desesperadamente estes pensamentos que tal jabuticabas se desfazem rapidamente sem saber por onde somem.

Assim perco-me ao dirimir e fingir que sou kardecista, intelectual de vanguarda, monge maoísta talvez ou em busca constante do eu. Meu vizinho Elpádio, instrutor de subserviência em uma fábrica de algo para alienação infantil, prefere cerveja gelada em copo de cristal com iscas de manjuba, enquanto imagina assistir seu time de futebol marcando gols e discute consigo mesmo por ser normal não escutar a metamorfose da crisalida em cigarra. É a crisalida que se metamorfoseia ou meu pensamento?

Por que fui inventado imaginante das situações nas direções inversas das escalas jônicas enquanto o colibri paira irredutível sobre o infinito até definir suas opções de destino, sobreviver ou procriar? A natureza é única, cria o beija flor por razões sublimes e os loucos para observá-los. Se eu não constato o voo puro da ave será que ela existiria? São as dúvidas do filosofo e do criador. Alguém já me desvelou intimamente que a natureza só se confirma porque a vemos, mas a confusão é mais agradável e naquele momento subiu uma brisa da maré dando sossego ao ego desalentado.

Porém o horizonte se preparou para acarinhar a luz do dia em seu regaço e volto a não ter consciência clara do que penso, não me concentrar no raciocínio correto, como deveria. Se existe correto? Seria sonho acordado ou distúrbio esquizoide? No aproximado do largo em frente, um sabiá cantou, irritado, para lembrar-me o compromisso à tarde de contas a pagar e telefonar para os pêsames a Lecália, que ficou viúva ontem de Acamôr, meu primo que morava em Caramoi da Água Funda. Abandono o talvez anterior por determinação da contingência e esqueço a demência por uns momentos. Tal teria acorrido, não recordo, no verão de Canacei, salvo se deu-se de forma embrionária nos tradicionais delicados correres de águas onde o verbo passivo apoita para dormitar estafado.

O eu, que sou eu e só, as vezes duvido, para não pairar suposição outra, não se incomodou com a voz passiva, pois intempestivo continuei a saltitar das indefinições para os pensamentos, destes para as figuras, passei à estrofe alexandrina, entremeei hipóteses sem confirmação, com isto, não poderia ser diferente, brotou ansiedade. Acalentei chegar a qualquer provérbio ou a uma situação definida e assim convencer-me que era normal minhas instabilidades emocionais. Nesta altura não sabia mais se era imaginação, desejo ou se o eu que fingia controlar a situação seria o mesmo eu que saboreava o caos esquizofrênico docemente em mim implantado. Tudo, repetia-se, embora, desta vez, ocorrera em Domingo de Ramos. Contei ao psiquiatra as angústias, que me mandou escolher entre Narciso e Édipo, torturou-me para confessar quantos anos eu teria quando vi minha mãe nua pela última vez e com que frequência eu assassinei meu pai enquanto me masturbava.

Entre as alternativas propostas tecnicamente perfeitas por ele, supus que adoraria escutar Noel Rosa em Feitio de Oração. Segurei uma perna do ego querendo escapar pelo silêncio, fingir que iria ler Ilíada e não criar nenhum vínculo com a realidade

ou transferência com o psiquiatra. Mas daí já chegara quinta feira e zodíaco cruzaria com aquários ao escurecer e não deveria ter nenhum receio de que a metamorfose da libélula me traria esperança ou pensar em subterfúgios para concluir que meu pensamento é independente. Não sei do que? Sem concluir, permaneceu a dicotomia; é do transtorno do meu próprio eu que me mistifico insanamente ou insanamente é a mistificação do transtorno que me constrói em este eu que não existe existindo?

Tentei apanhar as emoções dos movimentos do corpo meu ali perplexo. Não obtive sucesso, pois a alma discordou e me avisou ironicamente que este eu, do agora, não permaneceria o mesmo eu, o do amanhã, apesar de saber que o sol voltaria e a flor se desfaria do bulbo para prevalecer. Deixei o corpo, duvidoso, alma, instável, ungindo Descartes, pois Deus cansou-se destas discussões e se silenciou em um recanto escondido do eterno. Esgotado tentei não pensar, mas o pensamento não considerou significante. Pedi ao garçom uma garrafa de solidão como algo apropriado a ser bebido para iludir-me, como faço em tempos de meditação. Na falta de companhia e motivos, assento a mesma garrafa de solidão à beira do infinito. Não sei por que infinito, poderia encostar ao lado do Bolero de Havel ou de uma pule de corrida de cavalo já confirmada, mas me preparo como réu confesso para receber a sentença final.

O cutelo da depressão, dócil como veneno, suavemente desce sobre meus desejos. Tento recolhe-los despedaçados, correndo para os recantos dos meus imprevistos. A capela trás amena as badaladas dos meus anseios. Nunca sei quantas ainda faltam até o ego se extirpar para sempre. A paz não existe, mas, indiferente, ecoa, ecoa, ecoa, de um imaginário irrequieto que jamais contenho. Fecho o caderno, guardo a caneta. Lacrimejo um sorriso. Despeço-me de mim para entrar na minha esquizofrenia.

Ceflorence 21/04/21 - e-mail - carlos.florence@amabrasil.agr.br