LABIRINTOS
Realmente, para configurar os antecedentes, na tentativa de
garimpar na bateia dos desesperos, separando o bem do mal, como demandam as
divindades e os astros que bolinam razões, segundo dizem as videntes e os curas,
quando tracejam os imperativos da vida, a verdade deveria ser exposta logo de
início, constatando que nem mesmo Gerpásio Alvado lembraria quando começaram os
seus desassossegos. Um alvoroço de azucrinados, sem sentimentos, envelheceram,
na adega do infortúnio, irados ventos que lhe entupiram a boca com agonia, para
que jamais a desgraça o abandonasse. Deveria já se prever, nestes contornos
confusos, que os tempos estavam semeando pesadelos e não seria especulação
prognosticar, com segurança, que a safra de tristeza seria farta em carência
durante a vida de Gerpásio. Só os escolhidos pela melancolia escutam o silêncio
e pressentem as tormentas. Gerpásio, entre os desafortunados do gênero, se
arrastou do ventre materno, marcado a brasa pelo signo da angústia e da
depressão.
Trazia assim da infância este dom que lhe contorcia a alma,
sem meandros ou complacências, igual às serpentes preparadas para a sofreguidão
do bote sobre as presas indefesas. Em incontáveis tentativas, jamais conseguiu
ele cambiar a alma nem no varejo e muito menos no atacado. O saber convencional sonha que o imaginário se
traça por linhas retas, por horizontes abertos e por perspectivas claras. A
realidade dura do raciocínio, Gerpásio a sente na pele como urticária: é que as
linhas retas, os horizontes abertos e as perspectivas claras fogem desarvorados
e sem rumo pelos meandros confusos, indecifráveis e inconscientes dos
labirintos emocionais dos desafortunados como ele.
Foi neste fogo existencial e com cores paranoicas, entre as
suas quatro paredes e os seus pensamentos agitados, que Gerpásio deu com o teto
do quarto, sem tempo sequer de afagar a frieira coçando, pois o dia se apresentava
pelas frestas das janelas, sem deixar alternativa de fuga pelo sono. No
tormento, deixou-se arrastar impotente, castigado pela sensação de que seria
uma vez mais devorado pelo contumaz absurdo rabugento, deitado e acomodado, sem
permissão, ao seu lado da cama. Indefeso, abandonou Gerpásio o próprio raciocínio
à sorte do vagueado e do labirinto intrincado, entregando-se a solidão e a
angústia. Impotente para levantar-se debruçou sobre o irremediável e se deixou
atormentar pelos escaninhos tortuosos da opressão.
Estendeu
as mãos sobre o criado-mudo a cata do cigarro. Com a caixa de fósforos veio
grudada uma censura pedante e cínica, fruto caprichoso da promessa que assumira
consigo para largar o vício, em função da taquicardia, do estresse e da
publicidade. Pela parede, ao lado da janela, desceu uma ansiedade solerte, que
se amasiou fagueira nos ombros largos do absurdo, já refestelado na cama
estreita. A ansiedade não abriu a boca, mas jogava laivos intermitentes e persecutórios,
apagando os últimos resquícios das marcas dos rastros que caíram pelo próprio
labirinto, pela trilha que Gerpázio pretendia escapar. Sem as pegadas fugidias
pelos desvãos do próprio devaneio, Gerpásio foi contornando as paredes rugosas
do isolamento escalavrado do labirinto emocional. A falta de solução foi se
tornando pegajosa e intransponível, à medida que a cama apertada recebia, em
farrapos desordenados e provocantes, novos sofrimentos, depressões e medos.
O
labirinto afunilava e as mãos retesadas de Gerpásio tentaram conter as suas
bordas. Uma amarga impotência abre enorme fosso entre a realidade e a esperança.
A escuridão começou a se agigantar, vomitando, pelos meandros do insensato, o
pavor, a aflição, a agonia. Espalhavam estas penúrias seus tentáculos lúgubres
paridos nas entranhas inerentes do labirinto involuntário, que Gerpásio criara e
não controlava. O absurdo inconsciente é surdo a qualquer lamento. Gerpásio
tenta consultar a razão que se esconde no mesmo bueiro do labirinto por onde
escorrem perdidas, a vontade, a estima e o amor.
As
paredes se calam e Gerpásio se contorce em lágrimas: reflexo da última
tentativa ao ouvir seu desespero mudo gritar ao próprio labirinto que o perdoe
das incongruências que não sabe como criou. O labirinto se fecha sobre a
derradeira réstia de razão para deixar a loucura assumir o papel principal. Os
panos se fecham para a demência beijar o paradoxo.