sexta-feira, 13 de dezembro de 2019


DOZE DERRADEIRAS E PELO AMOR DE DEUS.

            Nem poderia ser tanto e assim pelas rebordas das ameaças imbricadas nos desconformes dos meus conflitos passados, entravados, nem desdigo, confesso, podes crer, nebulosos e até desfigurando com o que restou de lembranças velhacas e envelhecidas. Por fim se deram a dar, repito, pois assim conto por comedimentos da índole acanalhada, vagante nas subserviências dos medos. Tudo nas cantilenas foram nos intervalos de umas metáforas atrevidas, geralmente por coincidirem aos se dando pelos domingos, dias estes de vadiagens, às vezes das euforias, para alguns meditações e arrependimentos, muito comumente dos embriagados em fés ou alcoólicas. Deram-se quase assim como desponto os fatos, pois a cabeça minha das ideias antigas já se foi esgarçando nas descomposturas. Coisas das imensidões e dos inexplicáveis, mas dos homens, como eu, que me nasci assim sem proveito mor e me desdigo, correto, infelizmente. Retorno pelas tangentes agora, amesmado de porventura nenhuma que sobrasse sem não revelar, entristecendo ainda, antes de se inverterem as ingratidões e apadrinharem as insensatezes como é de hábito. Não duvide ainda, nem se vá sem fim terminado, pois explico melhorado nos devidos, pelos provisórios sequenciados, quando a mente aprumar mais apurando como correto tem de ser o justo.
A não serem mais do que seis provérbios e uma nostalgia, como gostava de agadanhar na prosa meu mestre de viola e xaxado, querido Esteban Rovario, não cri, mas foi assim que veio o contexto claro, tanto que senti no direito, melhor, na obrigação, de remoer o inconsciente e provocar os primeiros delírios em decibéis menores que sempre me sabem bem. Se deu, belo, um sol manso e cansado começou a se desfazer em sendo muito por bem miúdo e preguiçoso, lagarteado, pois o próprio, por isto, se coubesse no devaneio alimentado no ego desmereceria a expectativa visto que não caberia contraditório ou retruco, sequer contrariantes da desdita fatalidade. Mas, sinceramente, preferiu o destino postergar os detalhes e espreitar de longe o meu sofrimento. Neste topete tumultuário, enquanto ainda as sombras se estendiam procurando subir pelas paredes e escadas dos casarios antigos e indiferentes pedindo solitude, vielas saudosas da minha querida Vila dos Trançadeiros das Boiadas, e que por ali estes desdéns do que relembro se deram por forem ou seriam. Nem desatino o correto. Sem menos desarrazoados outros, diferençados a maioria, instigo e palavreio.
Recomponho e garanto para os determinantes não extrapolarem desmedidos como os aléns comandam. Desconfiei que não estivesse nos meus melhores dias de lucidez, mas no repique das badaladas chorando saborosas, por trás do infinito, indiferente, mas elegante, com todo o direito de se fazer poente, trouxe de bem longe à noite para derramar igualada nas imensidões do nada. Os sinos por transigência e método impuseram longe, nos escaninhos do imaginário e na escuridão a meditação preferiu embriagar, carinhosa, minha porventura. Era eu ainda, naqueles dias em que se sucedendo foram como indicavam as bruxadas, uma paranoia delicada e incipiente, a bem dizer diminutiva e pueril. Depois piorou de piorar. Tanto assim que desapaziguado de freios e rebarbas, como potro inteiro de castração não tida, não conseguira eu recolher uma migalha sequer dos acontecidos rodeando. A tais se digam em proventos, nestes torpores e desejos, Deus até abençoou o que sobrara do horizonte ainda em grenás e espargiu restolhos de melancolias aprendizes a ponto de se perderem como as solidões só veneram. Merecido, complacente e nutrido de milagres e perdões, se acomodou nestes seus esplendores próprios, que criou o Senhor só para Si, neles se aconchegar em bemóis e espairecer como muito Lhe cativava.
No entrecho nem desvacilei de aceitamento da esquizofrenia me retorcendo em rebarbas confusas dos carnais desejos e conjurados vis. Era domingo, lembro-me e revigoro no retrocesso. Vagarento, inseguro, como sempre, o meu depois atritado em conjecturas e indestinados porvirens. Habitual, veio palpiteiro ele, meu pensamento, meu, conversar com os anseios, meus, e me deixar escolher indiferente entre a desesperança ou a depressão. Coisa dos resquícios da insânia sadia, com que coabito, desde aqueles desmontantes até hoje, nos cotidianos da semana do mês inteirado, para nos finados visitar os ausentes idos e descarnados, realimentando afinidades, insolvências e tristuras. Apesar deste cenário internado do comigo mesmo, Leizinha irrompeu radiante, cruzou por meus desejos, como sempre sim, para provocar as demais moçoilas outras beliscando suas invejas e andejos pela praça anoitando. A cena se repetiu como de outros antanhos tantos, melindrosos, entre o silêncio característico de uma metamorfose gravida, simplesmente, em sustenido como preferem os menestréis, por entre os bancos do jardim, cruzou inelutável e altaneira, confiante, resvalando o chafariz abismado pela beleza indiferente dela. Com tudo isto enfeitou o subjetivo, vestia azul carnal e sensualidade, insinuava, arrogante, os seios mimosos para permitir-me transcender beijá-los, era, sem até querer ser tanto, um sonhado ser como só poderia ser, conforme cativava em sendo, pois jamais deixaria deixar de ser. Era sim Leizinha, meus pecados, meu amor, ficção ou gerúndio?
Tenho certeza absoluta que o banco mais antigo da praça, a amendoeira gigante, as paredes da matriz, tanto como o escuro do infinito, engendravam, lacônicos e cínicos, artimanhas nas suas sôfregas provocações. Intentavam abscondê-la em tramoias das minhas vistas, intenções, prazer e pureza. Tenho certeza, era domingo. Tal se dando, ela se desfazendo por meandros seus, senti o chafariz soberbo, eufórico, exibir suas lágrimas ao jardim cabisbaixado no silêncio, enquanto as crianças piqueteavam esconde-esconde nas árvores, nas pernas tresandantes de inutilidades, pecados e destinos. Do coreto o maestro regia as horas em que as nuvens deveriam esconder a lua curiosa, orientar o pouso das maritacas, saudar os namorados, apaziguar os enfermos, enfeitar a tristeza. Também tanto, entre as mãos afetivas dos namorados e alegrias se davam bater pique descontraídos as crianças, por elas mesmas libertas de remorsos, sumidiços, como brisa irresponsável e morosa preenchendo as solidões, espreitando, os pequenos, sobejando sorrisos, olhares peraltas, festa, aleluia, peguei você, não (!), pique.
Pelos contrários, caminhava solitária, mas disponível, uma desobediência domingueira querendo desmerecer os sofrimentos, as angustias, até os ténues prometidos descumpridos, que a semana escondera. Particularmente eu não me servi da recalcitrância por medo ou respeito, mas me contive no sozinho procurando encontrar sobre aquele nada pairando no conjunto, que não me interessava digo, a figura única pela qual ali fora, Leizinha, meu sonho, minha sina. No desfazer dos motivos, subiu entre as solidões e desejos restantes, um sabor acre-doce de finitude e nostalgia. No intermeio mesmavam os proventos habituados de sempre; finda reza, Monsenhor Orcólio abençoou todos em si, nos seus partam em paz desta santa casa do Senhor, pois, dando-se a cada um e aos demais, inclusive, portanto, se deram deixando irem embora ao léu, expurgados dos pecados trazidos e se seguiram eufóricos, mas preventivos e purificados, procurando suas consolações e esperanças dominicais até as próximas contravenções. Monsenhor, muito convicto e arraigado dos seus dotes promissores regenerativos das almas puras, conhecendo seu bom rebanho, acalantou seguro na reincidência pecadora natural e insinuou ainda, no entusiasmo crédulo, de cada um e, portanto, em todos e em tanto pecadilhos inovados se porvirem, em semanais retornos, para os arrependimentos bons voltarem e a apostólica romana rejuvenescer sempre. Muitas felicidades se realizariam nas alegrias da vida, para nos domingos serem abrandadas nas cordiais confissões declaradas, perdoadas e comungadas.      
Lembro-me agora, desaforados anos corridos, muito bem retidos na memória, que foi exatamente neste sentido pragmático que embalei os primeiros devaneios e fantasias, por Leisinha, antes de me arvorar distante de seu sorriso como me ordenava à timidez de sonhar em sem permissão e vão. Do ombro alvissareiro do poste amigo e carinhoso, encostando minha timidez ardida, eu ao lado do chafariz eufórico, acomodei meus receios de ousadia para pensar em pedir à Leizinha nada mais do que um minuto miúdo de seu sorriso largo, um dedo de flerte, uma pestana de olhar, meia esperança pretendida, quiçá uma benevolência. Creiam em, sim. No mundo dos indefinidos, amarrado ao poste contemplativo, não lembro se Leizinha se desfez em indiferença, recusa ou eu que me diluí já despretenciado de coragem a romper. Tudo se dava nos envoltados acontecendo, pelos entões, porém, me machucando adoidado. Aquele desmedido nem bastando, quem sabe, até tal-vezes, desmerecido com certeza, gaguejante, amuado, imaginando quem-dera, um gesto ao menos, algum dia, quem-sabe. Atino, no entanto, que no infortúnio da desinformação e da dúvida, introjetei naqueles contrastes ilusórios de quimeras meus diminutivos nas entranhas censuradas, me desfiz calativo em tristeza, angustiado. A boca do chafariz beijou a ilusão e lamberam, apaixonados, timidezes minhas. Confesso, desapurado, de maledicências. Não havia como negar, calcou a solidão e desapreço, assim olhei o infinito, assobiei raquítico como se o gesto disfarçasse o pejorativo, mastiguei fingimento com sabor de sutileza, o poste ouviu o lamento, poste inútil, segurando a mão fria da angústia, se desfez rogado, idiota, amaldiçoou meus pretensos. Pairou ausência e solitude, faceei nos interstícios dos desamparos dois ameaços de coragens recolhidos com raiva, uma dose mirrada de impotência medíocre, fustigada pelo pejorativo, podes crer, e no confronto da esperança, agoniei em dó menor, pois nem uma porventura que se desse, deu-se. Amargurei abraçado aos meus subjuntivo e infortúnio, poste abraçado à incerteza, agonia e eu, sem escrúpulos desaverbei o infinitivo amar para conjugar amargura. Acredite. 
  A noite foi abocanhando a melancolia. O sono chamou as crianças suadas, chamadas, faceiras, reticentes, pedindo mãe posso ficar (?), chupando os dedos, agora, se deu só o não melancólico, o vamos, o até amanhã. As maritacas, que não sabiam ser diferentes e nem rezar, se esconderam pelos sumiços preferidos, telhados altos, árvores caladas, segredos tranquilos. Como prouvera o destino, igualado de rotinas, o senhor sacristão, recatozo e repetido, obedeceu ao monsenhor, enxotou os pecados novos pela porta dos fundos e os velhos pela da frente, falou, falou macio, fora da igreja, por favor, fora-fora, ferrolhou os imprevistos, recolheu a solidão no altar-mor. Tudo assim se igualado deu e, certo, para depois, piamente, apagar as velas, ele, mereceu dispor o sinal da cruz em frente ao mor por ser o de vigência e visada enorme, beijou o rosário antes de escondê-lo no casaco próprio de sacristão cioso e meditou acabrunhado se sabia ou não por que vivera tanto, se era tudo muito sempre por demais, tão sempre igual das igualdades, como mesmo era? Amém. Foi o que se disse a si próprio como acostumava fazer, mirrado a si mesmo, sem apressadamente ou motivo justo, pois não tinha outros senões a cumprir, assim, dantes do primeiro ressonar permitido, tanto que rezingou no acalantar aos mortos santos para não se esconderem pelos oratórios alheios ou perniciosos a se perderem entre os desvãos entremeados das paredes góticas procurando celestiarem aos infinitos e adorarem de perto sendo o Senhor.
A noite se fez por si como as ilusões e os mistérios se escolhem para abonarem as confidências, os acasalamentos e as fantasias. Fomos restando na praça, nostálgica e indiferente, não mais do que o poste aconchegado ao infortúnio e meus infinitos, só. Ainda sim também, aquele apagado chafariz petulante e inútil, bocejando suas lágrimas enxugadas nas costas das mãos da minha angústia. Ombro meu ao poste para não desmerecer meus passados, como sempre eram em sendo. Por ultimado, àquela hora, as saudades, eu, chafariz impostado, a tristeza, fomos observando de longe a se fazerem sumir as pernas e os torneios do corpo amoldado e esbelto, lindo, da menina Leizinha desmanchando pelos meandros das minhas carnes arvoradas, desesperadas, do membro petulante ereto e mal servido, independente, temulento. Demência e ódio. Confabulávamos, fantasias, eu, a solidão, poste, a timidez, desespero. Pairou um imenso em-vão sobre a nostalgia, sem ter coragem de socorrer a coragem e o arrependimento. Meu sofrer acompanhava os passos de Leizinha desfazendo-se pela ruela acima a busca do nada e realçando minhas angústias. Dei-me conta de que aquela Rua Direita, infinita, sem cerimônia ou compaixão, atrevida, roubava meus motivos. Avistei de soslaio, alongada, com minhas fantasiosas cismas perseguindo os gestos delicados, envolta muito esbelta, no porte gracioso, Leizinha levando, sozinha e só, meus incapazes e tormentos. Desaparecendo menina, mimosa, maldita, me chama, não entranhas no lusca-fuscas pelo amor de Deus, olhe-me. Imperturbável em fá maior, como sonharia acordado se trovador me dera, vi Leizinha cruzando baixios das sacadas dos alpendres carregando cada vez mais duradouros meus medos, desejos, os meus anseios. Mastiguei asco amargoso, acompanhando as sobradas duas luas fugindo pelas nuances de suas métricas e estrofes, aos troteados meandros da rua subindo, sumindo, para desfazer a esperança frustrada de abraçar Leizinha, amá-la inteira no infinito. Esta agonia do fim, do medo, da impotência se perdeu atrás dos detalhes, da lágrima mansa, das preguiças dos telhados velhos, do nada, como preferem as melancolias. Contrafeito e sem destino, segui as imagens, a meia distância, dos colibris brincando de primavera nos beliscos delicados das flores agradecidas, beijadas. Leizinha foi se desfazendo em corpo, se transformou em memória, em só, transfigurou em desejo, poente, era, foi e tempo passou.
Era o que tanto foi, e cá estou eu atravessados anos corridos, pois que não seria mais do que tantos outros domingos iguais, para eu contar agora, que me viram envelhecer errando enredado ao desencanto da solidão do poste apagado, o chafariz inútil, as crianças reinando e a Leizinha, linda e graciosa, sorrindo, olhando sem me ver, que se casou em um domingo muito antigo, tanto como os demais, casou com alguém fortuito, para agora, exatamente agora, levar seus filhos, os filhos mesmos que por destino eu vi correndo no pega-pega, sempre, no pique das pernas dos namorados e nas alegrias mundanas dos pecados novos indo para casa reabilitarem-se com os perdões saborosos do Monsenhor.
Hoje é domingo, domingo dos remorsos renascendo felizes, arrependimentos, das saudades, de ver a alegria passar de mãos dadas com os normais casais que não devaneiam sozinhos, das frustrações e, por assim em sendo, das maritacas algazarreando suas euforias e me permitindo chorar o tempo que nunca se fez em ser para um dia, por mim, em mim, um dia meu de domingo, para não deixar-me sonhar meus desconsolos tão só.
Ceflorence    12/12/19       e-mail cflorence.amabrasil@uol.com.br   

quinta-feira, 14 de novembro de 2019


ELEUMÉRIOS DO ATRISCAITÃN E OUTRAS ESTROFES DA CRIAÇÃO.

            Deu-se nos tempos devidos, aberto cerimoniosamente e com consenso o evento ecumênico aguardado, muito discreto, sem arroubos ou pretensões, na grata finalidade de desmistificar pontos obscuros sobre o conflito milenar, na realidade fictício. Tal não poderia deixar de ser reforçado pelos liberais bem intencionados, sobre os suportes históricos e reais à civilização, da sinergia milenar entre religião e ciência. A teologia e as teorias científicas, engajadas e articuladas pelos homens de mentes e corações amplos, despidos de preconceitos, tanto como de radicalismos, os quais convergiram sempre no princípio inabalável da criação do universo por Mãos supremas, na coerência das interações indiscutíveis. Deus, portanto, criou o abstrato e o concreto, antes de impregnar os ungidos existenciais com múltiplas e adequadas composições alternativas de pragmatismo. Calibrou-os com exatas porções de espírito, alma e cérebro, dosagens perfeitas, indispensáveis, com aptidões específicas, dando-lhes plena autonomia nos procedimentos, livre arbítrio, dentro dos seus contextos singulares, como melhor lhes aprouvesse. Estes detalhes são fundamentais para o entendimento da dimensão da criação sublime. E é neste complexo que a centopeia, mesmo incrédula, recebe discernimento sustentável para movimentar cem minúsculas pernas e não tropeçar, no entanto não consegue calcular o resultado de dois mais dois e nem se preocupar com a necessidade destas excentricidades inúteis. Em contrapartida, Deus gratificou ao homem com o imenso poder de aprender as verdades bíblicas, calcular a velocidade da luz, compor a oitava sinfonia, escrever Grandes Sertões e Veredas, constatar a teoria da relatividade, mas não o agraciou com leveza apropriada para confrontar a gravidade e muito menos despregar-se do solo raso como proveu, aleatoriamente, favorecer ao condor, de forma tão bela e independente. Estas alternâncias são um só complexo indivisível, mesclando nesta melodia sutil da natureza, simples e lógica, que nos amaina, toda a dimensão incomensurável do Criador, reverenciada pelos verdadeiros sábios.  Tais esplendores de integrações não caberiam desunirem-se, nos ritmos e modos como Deus criou o perfeito e o incomensurável. Não assim fosse, a harmonia se esfacelaria entropicamente e o caos prevaleceria sobre a ordem, o destino e o cosmos.
Solvido este mero introito das composições indiscutíveis e apaziguadas acima, passa a ser nosso objetivo recuperar dados antropológicos e teológicos obtidos em escavações nas áreas centrais desérticas do Atricaistãn. Os reduzidos e quase exterminados nativos desta região extremamente árida, os Eleumérios, oriundos de Eva e Adão após o casal ter sido desalojado de um paraíso fantástico, do qual não sobrou referência ou detalhe e inclusive os descendentes evitam memorar detalhes desconfortáveis, por motivos morais, éticos e atávicos. Constatou-se serem os herdeiros detentores únicos destes fatos indiscutíveis, após a transformação divina do nada em ser. Portanto, é o primeiro clã eleito, escolhido pelo criador. Estes conhecimentos confirmados, respeitados e seguidos pela religião e ciência são irrefutáveis, pois nascem dos legados do primevo casal. Deus deu a saber a estes privilegiados, que antes de lapidar os contornos e acabamentos caprichosos nas criaturas e nos relevos todos dos aléns e escolher a terra como fruto simbólico do seu imenso amor por ela e seus ocupantes de todas as naturezas, experimentou várias formas, anteriores, primitivas e diferentes de complexidades alternadas, primárias, embrionárias e provisórias. Apesar de toda a onisciência, Deus no início, ainda principiante na arte criativa, entrelaçou varias substâncias, embora imaginadas e criadas sós por ele, etéreas e desuniformes, cujos resultados pragmáticos não o agradavam. Com tenacidade eterna e divina recomeçava outra vez sempre e sistematicamente. Estes detalhes, levantados, ocorreram muito antes daqueles quinze bilhões de anos humanoides do referido Big-Bang, com os quais o Criador não comunga nas fantasias descritivas dos conceitos atuais. Tanto assim que as desaprova, a bem da verdade, sorrindo benevolente, pois milenares medidas perdidas em tempos divinos são completamente diferenciadas das astrologias temporais arbitrárias, pagãs e primitivas dos homens, que mal se suportam em razão das deturpações tópicas, com suas ficções barrocas ou rococós, mistificações tempestivas desmerecendo os astros, buracos negros, anos luzes, galáxias, os sois, estrelas e coisas que tais. Imaginações ingênuas dos mortais medíocres, descrentes, limítrofes, que não possuem alternativas mais criativas. Os sete dias da criação do cosmos, modestamente admitidos como espaço e dilação suficiente para a criação do incomensurável existir, jamais refletem, pela complexidade criativa divina, o banal acender e apagar do sol que delimita o transcorrer do dia pobre e antropológico. O proceder de esta epopeia impar e suprema é meticulosamente medido em espaços de milagrosas luzes atemporais, tanto que cada micro de átimo tempestivo Divino se respalda em concentrações inconstantes de metamorfoses, fruto de reflexos-reflexivos irrequietos organicamente, resistentes a tridimensionalidade e aos movimentos estacionados. São padrões impraticáveis de constatação dos mortais dada as limitações a estes impostas, mas confirmadas empiricamente pelo simples fato de existirem e se contemplarem em todos os seres, inclusive o homem. Estas metamorfoses atemporais são subdivididas em desejos próprios da sensibilidade momentânea do Criador, que se estendem, aleatoriamente entre o nada, partindo do invisível, juntamente com o inimaginável, respaldado no pretérito e sem nenhum conflito com o porvir. Fundamental estes conceitos, pois partem desde os milionésimos de milagretes insipientes, subdivisão de nanoelocubrações concretas, mas sempre instáveis divinamente, até infinitesimais super-escalas inatingíveis pelos cógitos mentais convencionais. Os Eleumérios, escolhidos descendentes de Eva e Adão, detiveram, por muito curto período, o privilégio de decodificar estes calendários e tomar ciência das combinações com as quais Deus dosava e media as matérias primas produzidas para suas experiências pré-cosmológicas. Mas, por precaução e receio, os Eleumérios  esconderam estes tesouros dos conhecimentos sagrados ontológicos em profundas cavernas nos rincões dos Inconcebíveis, ao fundo inacabado do deserto de Atriscaitãn, para não caírem em mãos desconhecidas e indefinidas. Estes estranhos usurpadores intentavam, ao que se colheu dos imemoriais, com as argamassas e amalgamas extemporâneas divinas, criar outro evento existencial paralelo, competitivo e materialista. O Senhor inventou, habilidosamente como sempre, o esquecimento e impregnou-o sabiamente na mente ingênua dos Eleumérios, como precaução.
Os fatos acima não são detalhes, nem questões de somenos. Como se acompanhou, infelizmente, destes ensaios anteriores restou micro sinais e muitas desinformações esparsas. A bem da verdade muito mais se especula sobre os mesmos do que se pode constatar. A maior dificuldade de restauração dos fatos, concretudes ou abstrações, destas comunicações pretéritas dos seres de Artochoi Orum, como Deus denominou o seu complexo anterior experimental, são os conflitos de então entre o paradoxo, o subjetivo e a fantasia desconhecidos pelos videntes, clérigos e cientistas atuais. Mas algo diminuto sobreviveu e outro tanto é suposto. Deus não consolidara ainda o termo universo e nem o homem então, portanto, não se permitiu denominar a provisória Artochoi e seus atributos com estes substantivos próprios. Nesta experiência divina, extinta, a comunicação dos entes era intelectiva. Realmente se interligavam estes seres pré-universo, então criados com partes espirituais e outros tantos complementos materiais, proporcionais a cada criatura, desde as mais primitivas, até as mais desenvolvidas e sofisticadas, através de ondas cerebrinas. Os inanimados, neste complexo anterior e experimental, emitiam por mini-sensores mentais mensagens objetivas, capazes de descodificarem as subjetividades e os concretos, intercalados dos signos dos seus propósitos corpóreos para afetarem os correspondentes usuários. Não correspondiam, estas oscilações comunicantes, aos limitados efeitos ofertados aos seres vivos em nosso universo como o calor, fala, visão, cor, cheiro, paladar, sabor, perspectiva, olfato, reflexo, mas agiam diretamente no imaginário dos cógitos dos seres para os atraírem, repelirem, agradarem, subsidiarem, imantarem ou convencê-los. Os próprios inanimados, neste contexto, possuíam a capacidade reprodutiva (como uma convencional pedra, por exemplo, parir pedregulhos sutis e delicados que cresciam e se ofereciam, reprodutivamente, aos consumidores ou uma amêndoa que devidamente devorada, multiplicava-se em várias castanhas mimosas). Assim se invertia a dialética, quanto mais eram absorvidos pelos seres animados, os inanimados se proliferavam e os primeiros se volatilizavam pelo além para se transformarem em contemplativos adoradores. Passavam em júbilos desmaterializados a contemplarem o esplendor infinito do nada ao lado do Criador. Os espíritos mais adiantados e soberbos se postavam orgulhosamente a montante do Silêncio Soberano e mais próximos da Paixão infinita, em contrapartida, quanto mais primitivo, maior a distância do Eterno. Este privilégio de ladear o Senhor se estendia por graúdos nacos enormes existenciais de átimos milagrosos enrolados em faixas enormes de nada delicadas.
Aqueles seres então possuíam sua dimensão material e o respectivo e adequado complemento espiritual, alma ou mente expressiva comunicante. O original da espécie apresentava a habilidade de as matrizes sólidas, o corpo, liberar a substância volátil, a alma, para esta ao bel prazer tresandar alhures como bem lhe aprouvesse. Seria como atualmente o intelecto ou espirito humano passear pelos arredores deixando o corpo entretido em outros detalhes existenciais. Um dos problemas recorrentes neste contexto moto-tresandante, articulado por Deus aos indivíduos, era que em certas circunstâncias acidentais, elas se desorientavam nos espaços desconexos ao intentarem regressar a sua própria matriz corpórea deixada ao dará. Não era incomum se confundirem as almas espirituais circulando pelos aleatórios e, desorientadas e perdidas, as vagantes desajustadas ocuparem espaços físicos alheios vazios. Estes desatinos provocavam atritos de locação, além de problemas sérios de sexualidade, transexualidade, ciúmes, anseios e infiltrações conflitivas. Também ocorriam acidentes, não incomuns, de uma única matéria corporativa receber dois afetos espirituais simultaneamente e disputando a mesma vaga. Ou outra ficar, neste contexto, carente de vivência espiritual. Foi quando Deus, observador e atento, descobriu a esquizofrenia, achou este propósito material didático, interessante, e deteve restolhos apropriados para encarnar em um futuro indefinido.   
            Outra experiência desta antologia cosmológica primeira, que frustrou o Senhor nesta sua fase experimental foi a irrelevância atribuída por Ele à gravidade naquele contexto anterior. O aforismo atual que: “matéria atrai matéria na razão direta proporcional à massa e inversamente proporcional ao quadrado das distâncias que os separa”, considerou o Criador desnecessário e preferiu não introduzir em Ortochoi Orum. Depois de lançar os compostos todos criados no contexto de então e passar a observá-los como agiam sob o despautério da ausência de gravidade, pasmou-se dos detalhes paradoxais. O que poderia parecer facilitar a locomoção e transporte se tornava exaustivo, pois se imaginara que poderiam ser utilizados contrapesos específicos para os objetos se atraírem e se movimentarem. Mas também estes se espargiam aleatoriamente ao sabor da densidade do nada, não tinham como retornar aos destinos e passaram todas as espécies, desde os mais evoluídos seres aos mais primitivos, a sofrer de depressão e agorafobia.
Exausto, pensativo, contrariado, Deus, por último, se pôs em meditações divinas profundas, por uma série interminável de átimos milagrosos indeterminados e contemplativos. Muitos infindáveis milagretes posteriores, sem mais devaneios, desmantelou os restolhos de Ortochoi, desfez peça por peça, anotando os resquícios do evento, na maioria das vezes, em sua memória privilegiada somente. Com parcimônia, retrocedeu tudo cuidadosamente ao nada, tomando a decisão divina de salvaguardar somente algumas mudas de substâncias esquisitas e raras em Ortochoi para, eventualmente, em algum além-desconhecido usá-las para enxerto, semente ou procriação. Conta-se, portanto, nos alfarrábios escondidos dos Eleumérios na caverna dos Inconcebíveis, que escapou no cesto divinal do infinito atemporal, resíduos de migalhas de amor, mínimos desejos em botão, uma cunha cheia de mentiras, pitadas de desafetos em bons estados de conservação, um chorrilho de ciúmes para contrabalançar amor excessivo, inveja em doses razoáveis, ambição pouca para não se tornar desmedida, duas cabaças rasas de preguiça e meia de sono, um desafeto urinando ainda em suas fraldas e outras malvadezas de pouca utilidade, mas em bons estados de uso, para, com estes restados, se O aprazasse, praticar novas experiências em algum talvez esquecido e distante, após infinitesimais átimos de milagres quaisquer de futuros imprevistos e incertos.
Derradeiro e magnífico, desiludido pelos conflitivos paradoxos de Ortochoi, embora muito antes de elucubrar seu próximo e último arrependimento, o universo atual, sem trauma algum, recostou-se sobre uma extensão serena e confortável do mais macio nada. Escolhera este além entre as indefinições aleatórias, onde se sentia tranquilo, e atentou os ouvidos eternos para espairecer, merecidamente, com o choro angelical, distante, de trompetes e flautas que o repousava tanto. Enquanto isto lançava, Ele, aos horizontes ocultos suas profecias, prevendo achegarem cansados pelos caminhos desconhecidos o futuro e a incerteza para recompô-los em atualidades presentes e realidades concretas. Tudo se dava pelos cantos dos infindáveis ruídos dos silêncios, pois só Deus poderia antever que a angústia seria criada por Ele próprio e assim transmudar o imenso nada abundante em céu, terra e, caprichosamente, inventar o homem para aprender a sofrer e merecer, no fim, a usufruir da extrema alegria angustiante da morte.
Ceflorence        14/11/19      E-mail -  cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 4 de novembro de 2019


DESVAINEICENDO EM GRENÁS

 Poderia ser, talvez fosse, nada é absoluto agora quando a maré retornou desencantada da lua e os deuses amainaram, tanto que me atrevi quase a garantir que atravessávamos um verão atípico, se não escutasse ainda um resto de silencio querendo acalentar meus receios e espreitar minhas desordens. Tentava sorrateiro, o lúgubre calado, intercalar uma racionalização indiscreta entre minhas emoções e com isto desestabilizar uma paranoia promissora, ainda em botão. Paranoia tem de ser cultivada com carinho e salva de meditações lógicas. Lembro-me, como se fosse hoje, pendia indiferente sobre uma tristeza, não sei se minha ou dela, beijando as bordas da solidão, uma andorinha introspectiva a espera de o destino enxotá-la para suas obrigações e desejos. Nossas relações, andorinha introvertida e eu, não poderiam sequer retornar, se estes gestos e acontecimentos gratos e fortuitos não ficassem indefinidos como os meandros dos sonhos e devaneios carecem ser. Desvaineicendo foi naquele momento o perfeito cio das profecias ajustadas à fecundação do alçar em destino incerto da andorinha com minha solidão amamentada em expectativa grená bordando o sofrimento. Os advérbios, neste silogismo, não poderiam fugir da lógica clássica e para tanto esta cerimônia deveria seguir rigorosamente o ritual de metáforas em gestação ou regrediriam ao inconsciente. Por definição, fomos tempestivamente assaltados pela angústia, as fantasias confabulavam incomodadas sem virem à luz, assim se deram os fatos: tanto que a andorinha insinuava sobre o desconhecido antes de alçar ao além, o vento interpolou seu gemido candente aos dobrados dos sinos da capela pobre, não consegui eu despir-me dos preconceitos, pois o tempo, em consideração ao desespero, metamorfoseou-se para enfeitar o poente.
Não havia razão para nos masturbarmos ou tentarmos entendimentos pessoais face à heterogeneidade dos valores e preconceitos esparramados entre o futuro incerto e uma penca de meditações pretendendo amadurecer para o outono.   A andorinha, proposital e disfarçadamente, se desfez de escutar meus imaginários sussurrados sobre seu pio doce, para não interferir na rima e métrica da poesia que deveria ser parida e afagada pela fantasia e, em contrapartida, abortar a paranoia. Mais do que uma hipótese era uma reconciliação com a demência abrindo espaços para o desconhecido. O sino, indiferente, sem falas outras que não suportava mais, sobreveio com sua nostalgia enquanto se deu ao verde escutar tão longe quanto a saudade alcançava. Realmente parecia verão, embora as borboletas voassem indeterminadas e em na ordem das cores invertidas, mas respeitosas. Dispus-me a quedar sem mais orgulho ou afobação para não melindrar o destino. Escutei, antes de tomar outra decisão, um ruído inconfundível, metafísico, sobre minha hipótese mais robusta, a melancolia. Com isto conferi as pedras das sortes, que lançadas ao dará espelhariam o porvir. Confirmou-se, poderia ser mesmo verão, pelas reflexos estereotipadas dos gestos da ansiedade. Assim, imaginei profundo, o mais alto possível e tão delicado quanto, sugerindo à andorinha escolher voar para o infinito ou deixar um pedaço afável das nossas relações sobre a tristeza em que ela pousara. Em seu lugar, como símbolo da solidão, a saudade ficaria ocupando seu retorno dos aléns vazios, pedindo desesperadamente para Deus despetalar notícias dela.
Isto poderia parecer questão de somenos, mas naquela circunstância, para conciliar as intenções e os objetivos da ave indiferente às minhas propostas claras, teria uma única solução factível: incrementaria o imaginário inibido, pediria clemência aos sinos distantes para enfeitiçarem para sempre a altivez de a andorinha pintar o cair da tarde com insinuações disfarçadas de arco-íris e esperança. No solfejo tentaria enganar minha opressão, pois esta, caminhando sorrateira entre os meus mais íntimos devaneios, esperava tocaiar-me na curva do desconhecido. Insatisfeita e avessa, a opressão despachou para o infinito do nunca mais a ave delicada, que peregrinou antes de receber indiferente as minhas fantasias afetivas. Não haveria mais tempo para apaziguar-me sem recorrer à demência suave. Com certeza me traria sossego e solidão. O outono chegaria a poucos dias, tanto que se confirmou que uma andorinha só não faria verão e tive de me restar chorando melancólico.

Ceflorence      03/11/19        email      cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 21 de outubro de 2019


ENSAIOS, COMEDIMENTOS E OUTRAS TORPEZAS.

            Não saberia até aonde poderia contar com as circunstâncias prenunciadas pelos astros que me espionavam em desalinhos zodiacais ou mal intencionados, mas, com certeza, como sempre insatisfeitos, naquela madrugada de vento frio e ruelas tortas e vazias. As paredes centenárias se despiam de seus preconceitos, esperando beijá-las eu macio sobre as manias, os seios e os advérbios mais insinuantes. Alguns poucos advérbios, castos, embora os demais desprovidos de desejos e desfeitos de pretensões ou motivos, mas imperturbáveis, se alinharam tangencialmente. Alimentava a plenitude interrogativa de minha esquizofrenia em dó bemol por onde as andorinhas chilreavam acomodadas nos arbustos vizinhos e, assustadas, escondiam-se nos ninhos introjetados. Natureza e ódio; por ser medíocre, ocorreu-me cinicamente conferir as premonições. Neste quadro, as incertezas incrédulas se tornaram minhas únicas afinidades. Imaginei, caso fosse sacerdotisa, deificado ou mágico, transformaria estes detalhes miúdos do real e ou do imaginário em além e pediria uma dose dupla de uísque sem gelo, se restasse algo a expor a alguém complacente e atencioso. Em vão, a maioria me evitava disfarçadamente, outros mortos, os demais abscondidos.
Por ser assim e não em quarto crescente, escutei claramente as calçadas envergonhadas, irregulares, gemerem suaves como se parissem suas tristezas renitentes e precauções imprecisas. Não caberia contraditório; pois, já engravidadas, as calçadas paririam com ou sem avisos antecipados os melhores fetos sangrentos das misérias estraçalhadas pelos mendigos abandonados durante o dia, o tempo e o inferno. Amém. O sino acordou e se pôs de infinitivo como se isto fosse fundamental para encolher o sofrimento. Confundi meu egocentrismo com o chafariz que coçava o arrependimento copiosamente com suas lagrimas borbulhantes. Coisas do ateísmo pagão ou da divina comedia? Em aleluia imperdoável e respeito, deixei-me postar quieto, inconformado e sem resposta. Intuí que sequer seria o dia do perdão, tanto que a pastelaria do China estava sendo lavada naquela única madrugada da semana e os detalhes jogados no meio do desespero, pois a rua não os tolerava mais.
Se bem me lembro, agora, caso não fosse pleno outono, a lua não estaria tão lindamente menstruada e indiferente. Por trás me seguiam mal cheirosos os pedaços indefinidos de futuros sem suas afagadas eiras, imprevistos, beiras ou amargos, até onde imaginava eu e, se diga com fervor, pois sequer restara um tom de embora ou talvez como se fosse viável naquela entropia. Perduraria, com certeza, somente carregar o desdito futuro imbuído de mediocridade, tanto como o passado regurgitava para atingi-lo. Puxei o cachecol surrado para agasalhar a angústia e me dei a relembrar os tempos em que minha mãe me aleitava em seu ventre aconchegante, reconfortei-me na melancolia e sorri carinhoso para os sinos cadenciados da catedral que, como todos os idiotas, não saberiam das razões, das crenças e nem porque obedeciam as ordens impertinentes do tempo que não repousava jamais. Bares fechados, inclusive o bilhar do Punga Canalha, aonde os jogadores, os bêbados e as mágoas, acariciadas pelas putas poucas, conversavam despautérios e se retardavam amolengados pelas imundices e falcatruas. Esperavam o nada entrar pela porta da frente, antes que as garrafas vazias subissem pelas teias de aranha para rezarem um padre-nosso em louvor à demência. Os ratos penitentes nem se alvoroçavam, pois deus não os reconheceria jamais.  
Dos sonhos açodados, espatifei meus delírios inconformados entre o futuro e um sorriso bonito da moça que fazia sinal para o ônibus barulhento parar. Não sabia se ela estaria pedindo socorro, companhia, proteção ou se refletiriam medo os olhos capturados pela sua solidão. Entre a dúvida e a tristeza, perguntei ao silêncio se seriam exatamente as mesmas mariposas do ultimo verão que brincavam embevecidas em torno da lâmpada indiferente e modesta. Não me arroguei nem por redondilhas ou impávidas métricas, rebuscadas, por se fazerem intransigentes, como é típico nos períodos em que a única companheira, a imaginação, resta petulante e atrevida. Apesar de tudo, a senhorinha antes de se transmudar em angústia pelo ônibus gatuno, sem sequer olhar-me como ansiei muito, sumiu pela viela sem fim, deixando-me penitente sobre as fantasias, o calçamento e a incerteza. Não haveria tempo para me reconfortar, pois do inesperado surgiu na esquina, obeso e pragmático, embora bem ajambrado e sórdido, mais um nada frustrado. O nada sempre desperta estas apreensões.
Nisto uma euforia veio, maneirosa, me abordar tanto como se contrapondo ao complexo de inferioridade que, a bem da verdade se diga, mal solfejava seus restos de desejos miúdos que preferem florir sem sorrisos, mas camuflados. Coisas atribuídas às escalas dodecafônicas ainda em formação, embora impregnadas com suficiente fidalguia e provérbio durante a metamorfose quando está esta no cio a espera da defloração jubilosa dos espíritos intolerantes e mal intencionados. Poderia ser um ponto perdido na paranoia se não fosse, com certeza, véspera de aleluia e, portanto, os pássaros não se alegrassem em colcheias pelos extremos persecutórios da transcendência. Tudo isto não me cativou, pois, inclusive, sem dúvida, estaria em sustenido ou em alfa, tanto que o medo assumiu o verbo e latiu.
Recontei e conferi as parcelas, sem dúvida eram sete, número cabalístico das notas do concerto eterno com que o senhor rege o infinito para emprenhar o nada caótico e indeterminar o cosmos, mas, por desespero e depois por vingança, inventou o homem para ensiná-lo a pecar, mentir, rezar e poder, após, castigá-lo com justiça.
Isamael de Urupeia - Capítulo indefinido e outras outorgas.

São Paulo,  21/10/19 - Email - cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 8 de agosto de 2019


ANTEPAROS E COMPONENTES

            Por serem, sem nenhuma dúvida, duas fúlgrias alegóricas, recém-entronizadas em metas zodiacais, que se disfarçavam de midendos-sem-preconceitos nas noites de lua cheia enquanto se punham a bailar sob os inconscientes dos mais afoitos e, em sintonias graciosas, encantavam as crianças tranquilas escalando as alegrias penduradas confortavelmente nos balões mais baixos. Festa de Santo Encastro trazia estas reverências e meditações, enquanto as duas fanfarras, a da Escola Normal e do Tiro de Guerra, atravessavam impunes, mas ritmadas, a rua estreita de Timborití Espaldado antes de encontrarem, na Praça da Matriz, as autoridades, descambando, desde o prefeito empertigado até a diretora do grupo, e ainda pré-formando o torvelinho dos vereadores engravatados e suas mulheres de vestidos novos, bundas proeminentes e saltos desconfortáveis, além da miudalha popular ovacionando as interjeições mais subjetivas. Nunca faltavam o cônego Escalias, o juiz Carvamélio e um punhado de alcoviteiros dominicais. Inclusive, naquele ano, lembramo-nos muito bem agora, na ora sacra do supositório da elucubração maior, enquanto as estrelas se compunham para iniciar suas jornadas, as putas, os aloprados e os pedintes mais habituais subiram sobre as ilusões remotas na esperança de se engalfinharem sobre as sobras de algumas migalhas de presunções cuspidas, pelos mais bafejados pelo destino, para que pudessem bordar as suas angústias, carências e enxugarem as solidões. A cerimônia se repetia por obra e graça do padroeiro da vila, venerado Santo Encastro.
            As fúlgrias abriram um farnel de parábolas sobre as meditações para recolherem os pedaços maiores das crianças sorrindo que despencavam dos balões exaustos intentados de assumirem seus destinos desconhecidos. Dos cantos mais ermos levantou-se uma revoada clara de lamúrias, envoltas em racionalismos ultrajados, seguidas pelas salvas de palmas dos escoteiros e das bandeirantes. Os portais da Matriz se entreolhavam na esperança de serem escancarados para os santos exaustos poderem escapar de suas cruzes, abandonarem as pontas das flechadas sangrando em seus rins e costelas sobre os bancos desconfortáveis e assim lavarem suas lágrimas nas águas do batistério. Por oportuno, as sete velas capitais dos pecados que iluminavam as mentiras canônicas optaram por se protegerem dos riscos sórdidos dos bem-aventurados e se empertigaram altivas em colcheias ao raiar do imponderável.
            Os que se iluminaram embevecidos pelo adultério de Melênia e sofreguidão do parto hermafrodita dispostos ao fundo da insuficiência cardíaca, mas em oposição ao inconsciente freudiano, sem desconsiderar a circunstâncias momentâneas, de hermenêutica transitória em evolução ainda, dos voos indefinidos dos beija-flores, encontraram certa proteção por parte das metamorfoses dos pensamentos jacobinos e, assim, foram estimulados a entonarem pequeninos hinos ecumênicos em louvor à intemperança, ao credito parcelado e ao contraditório. Todos foram absolvidos antes do ocaso, que meditava sobre as divagações de uma centopeia petulante, o que lhes possibilitou encontrarem faceiros seus ideais. Um sorvete de melancolia a vinagrete, esclarecido, diga-se de antemão, opinou com segurança que a menopausa das mariposas poderia trazer, com certeza, certos conflitos entre as orações a Ogolum Zalê, pois contradiziam abertamente com as ejaculações precoces dos deuses do absurdo frente às inconstâncias e as restrições dos fiéis das ressurreições em escalas dodecafônicas.
            As fúlgrias se despiram dos midendos-sem-preconceitos, com que se disfarçavam no esplendor da praça principal lotada, em júbilo, durante as cerimônias e aguardaram os entrésios, seus amantes preferidos para engravidarem no verão equatorial, serem entronizados em louvor ao nada, como era esperado pela população radiante. Houve um ruído profundo exalado do silêncio cabisbaixo por não conseguir furar a fila e decidir escolher, afobado, entre as parcimônias ou os alfarrábios disponíveis, no circunspecto carrinho de pipoca, antes do fim chegar sob bênçãos bizantinas. Deram-se estas angústias e dúvidas, sem motivos notáveis e, na incerteza e estresse, as sandálias, humildes, mas extravagantes e retardatárias se sentiram desprestigiadas.
Em sendo um domingo eufórico, talvez até não suficientemente convencido pelo seu esgotamento nervoso preferido, o poente despediu-se meticulosamente envolvido em cores de ré maior, todavia obedecendo, delicadamente, o azul ensandecido. Coisas da entropia existencial no dia do Senhor.  

Ceflorence     08/08/19       email cflorence.amabrasil@uol.com.br  


segunda-feira, 29 de julho de 2019


CONTO DE MEMÓRIAS BOAZINHAS E UM ALENTO GORDO
            E por assim como se deveriam bem tecer os desejos, sem duvida, desejo, a maior ganância pedida aos aléns, repetiram se igualados os embalos dos cantos rimados para contar as estórias da menina meiga, Acaué Cangutá, nativa índia mimosa das nascentes do Cantiaparó Açu. O vento então parou para ouvir o aroma macio e peralta dos sons adocicados em fá maior das primeiras estrelas espreguiçando vadias por trás das nuvens escorregando pelas brisas que Obolum Oró lançara ao acaso para criar melhor o mundo das coisas, dos espíritos, dos homens. E os imprevistos se deram desde então dos começos até o brotar do cair da noite depois que o pai carregou carinhoso a filha para os embalos de agarrar-se no sono em rede de cipó atada, de um lado, no silêncio e, do outro, na solidão, como tão bem se davam as coisas no canto fundo e quieto da oca grande. Ali até o tempo era vadio escorrendo entre os segredos da mata fora, escura, onde moravam os medos, bichos bravos, as dúvidas e se deu da menina a procurar suas melancolias de criança nas veias da preguiça para chamar os sonhos. Sorriu para si mesma no destino de encontrar, sempre como eram tão iguais as suas noites, noites a se fazerem a ela nos gingados dos devaneios esquisitos, saboreando seus desejos camuflados, cuidadosamente, sob o rolo aconchegante de paina, com que a avó nhãmbiquara lhe ensinará a devanear, bem devagar. E se punha a menina a colher nas confusões das suas imaginações travessas, tropicando na algazarra muito grande da escuridão apagada nos buracos fundos do céu imenso, onde os deuses cozinhavam as ideias esquisitas para mandá-las embrulhadas em pensamentos irrequietos durante as noites para as cabeças criadeiras das gentes pequenas dos fundos das florestas como Acaué.
O primeiro desejo serelepe a sair do emaranhado macio das painas da avozinha Acaué Tiroga, puxando consigo os demais pedaços compridos das fantasias a cata dos olhos alegres da menina, não era ninguém menos do que o Kauiãm, sua maritaca dourada. A maritaca entrava pelo imaginário no sumir do sol, justo com a brisa da noite, no cair do sereno e do sono. Bolinava a avezinha atrevida o silêncio, escondia o medo, subia pela ternura, mordiscava as cócegas das dobras das orelhas para deixar ouvir até muito longe o canto inteiro do barulho da solidão para os animais amansarem. Durante o dia a maritaca era verde, despia o dourado, subia pelos galhos, jamais pelas orelhas e se fazia muda e gritadeira, enquanto a mãe raspava a mandioca, o pai caçava e a avó ensinava a Acaué as tramas das ervas boas para colher, quebrar as ruins para morrerem, trilhar os caminhos das imaginações, escutar a marola do rio antes dele dobrar abaixo depois da curva onde se escondiam os perigos. E assim se punha ela a aprender a ver no fundão das lonjuras o grito triste do Boitatá, ouvir a beleza de Iemanjá, sentir o resfolegar do Caipora, respeitar os ruídos dos receios, os sinais dos coriscos trovoados e, como bem ensinava a avó querida, os rastros dos caminhos da seriedade para virar mulher lá na frente, quando, no talvez, fosse ela adulta e chata.
A passarinha dourada de Acaué, na sua noite de rede calada, desmilinguida em solfejos irrequietos e moleques, se punha sempre a brincar de sumiço e feitiço, antes de escapulir da magia que as painas e as ideias escondiam. Dava somente as vistas Kaiuãm desenrolando dos tortuosos meandros dos azuis das confusões pensadas da menina encantada nos seus mundos de sabores fantásticos maturados nos aléns.  Nisto, Acaué, nos torvelinhos da maritaca atrevida, sumida, se agitava irrequieta, choramingava baixinho para o seu coração só, na cisma, e no embalar da manha de chamar as preguiças enroscadas para agadanhar o sono e não acordar as reprimendas ranzinzas dos adultos zanzando. Sabia que em não vindo a avezinha fugidia das fantasias, não se abririam os entremeados dos desfiles gostosos balanceando as fascinações dos desejos outros aconchegando afetivos para conseguir ela tecer piscando, mole-mole, os embalos do sono teimoso, com afago nas painas fofas e a imensidão sem fim da solidão do escuro.
            Dos receios e das trevas, só depois de Kauiãn Dourada se apresentar formosa, rompendo em garbo, nos seus gingados de maritaca, pelo assovio calmo da brisa mascando as palmeiras caladas, trazendo o prazer do balanço ritmado na rede da menina ouvindo o grilo Saboinha trinando bem longe, lá no fundo do ermo vazio, de onde o infinito, cabisbaixado, se preparava para voltar e buscar a saudade, que se atrasara por teimosia. Os demais desejos iriam se aconchegando. Assim, também, o desejo amigo do sapo gordo de ancas largas, sorriso aberto, afeto amplo, gestos prudentes, voz pontuada e inteligente, contava a mesma estória de sempre. Estória dela menina, nhãmbiquara, que voava sobre as águas agitadas das corredeiras do Rio Cantiaparó Açu, desviando das árvores grandes, cortando a neblina da madrugada, escondendo-se entre as pedras altas. Ela, no correr das fantasias, cantando do alto para as flores se oferecerem abertas aos colibris ligeiros. Se davam as rimas no tempo certo do seu sono despencando vagaroso das estrelas, rompendo cuidadoso pelos trançados dos sapés dos forros, acomodando aconchegante entre os cipós e embiras das amarras. Assim era por se dar, nos abeirados das margens brancas das areias fofas do rio bonito de tão perigoso, onde as garças, paturis, os socós, jaçanãs, os guarás se espreguiçavam antes das cataduras dos peixes agitados. E ali a menina Acaué se esparramava, descida alegre dos voos libertos, se acomodava no balanço do devaneio tranquilo da piroga azul rompendo as fascinações das aguadas campeando no cicio da cigarra esperando a lua despontar para derrubar, mansa, os cachos de sonho que colhia sempre nas rodilhas de melancolia escondidas nos firmamentos.
            Como sempre se dava desobediente, atrapalhado e irrequieto, foi adentrando pelos olhos piscando para encontrar seus caminhos, o sonho faceiro como as painas macias dos enrolados da avó e suave como aconchego. Trazia atado, o devaneio preguiçoso, todos os desejos irrequietos, alvoroçados, confusos, da menina. Despontava a imaginação pelo beiral de um correr de alegrias floridas, acompanhando a mariposa agitada, azul, cirandando entre os dentes compridos da jaguatirica lambendo o filhote recém-nascido, procurando já, afoito, os mamilos entumecidos da mãe parida. Também, sobre a vontade da índia criança mastigar um sapoti maduro, o sonho do desejo deixava galopar o macho atrás da gazela sumindo entre as nuvens dos espigões e levando nas costas bonitas as cantorias e algazarras das araras alvoroçadas rumo ao destino desconhecido de Obolum Oro, criador e protetor dos insondáveis.
O murmúrio chegou calado para fechar, carinhoso, os olhos, por uma noite inteira, de Acaué, que deixou a mão direita continuar ensinando às painas os caminhos dos desejos e a esquerda levou o dedo mais gordo para se esconder medroso na boca pequena, dos dentes brancos, da menina sempre. A rede ressonou silêncio e pediu à noite carinho.

Ceflorence   29/07/19        email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 10 de julho de 2019


OUTRORA– SOLIDÃO – DESCAMINHOS

                 Por ser todo só outono, como os deuses preferem, em rubro e afeto, até o próprio poente afinado em lá sustenido não saberia como os sonhos se quedariam suaves aguardando o orvalho se desmanchar em motivos sóbrios. Os pequenos descaminhos enfeitaram-se de melancolia, embora as parábolas e os desejos fossem justificados. No contexto caberia a pergunta impertinente, mas coerente, se a lógica da razão poderia ter sido recebida entre uma desavença inútil e assexuada ou seria oportunismo do desvario? Estas questões eternas prepararam sempre as orgias e os cantos das calindas e dos odeneus. As coisas simples não carecem de respostas ou explicações para a alegria dos despautérios saudáveis poder se perder para sempre no inexplicável ou, por osmose, desfazer-se em métricas, quando não brota alvissareira meticulosamente garimpada entre melindres imaturos, colibris mágicos e dúvidas metafísicas. Por atavismo, é questão pura de pragmatismo e método, tanto assim que a vida se deu do nada, por mero susto ou descuido e se espargiu alvissareira imbuída de milagres sem remorsos ou provérbios. Tais versículos do testamento foram distribuídos por determinações dos odeneus sobre as angústias robustas para entusiasmar a insanidade alegre das calindas esbeltas chegando ao irracional destino. Preocupadas então com o porvir galopando para alcançar o futuro desnorteado e contraditório, não restava nada às calindas, desinibidas, abrirem nos cipoais das dúvidas às pequenas trilhas entre os prováveis e os impossíveis.
                 Confirmou-se, aos odeneus, salvo engano, que mesmo de longe e apesar dos gestos delicados, a beleza não passava de uma camélia despretensiosa, sem maiores desejos do que ser inodora e beijada pela brisa. Portanto, neste devaneio, entrelaçado somente a duas ansiedades impertinentes e uma metáfora inconsequente, o azul, que nascera da esperança fecundada pelo imponderável, se vestiu calmo de destino, desapegou sem atritos dos preconceitos e rebeldias, se dispôs despreocupado a transcender, com toda euforia que possuía, o talvez e, em sinergia com dois pintassilgos, a excitar as calindas antes das bacanais. Ai, por mais paradoxal que se apresentasse, foram exatamente as reminiscências das mitologias que se puseram a comandar o cosmos, pois os valores presentes continham insinuações de que os menestréis embalariam unicamente melodias lúdicas, externando fantasias mimosas para se derramarem pelos seios das virgens calindas. Estes caprichos delicados alimentam os caminhos dos sonhos e a libido das libélulas, dos odeneus e das calindas, para enfeitiçarem os aconchegos. 
Por ser aquele momento de extrema rebeldia, mas apropriado, os versos eram alexandrinos e os desejos sexuais aflorados para atenderem as ansiedades. Portanto, sem delongas, chegaria o momento angustiante de se oferecer em fá maior as sonatas dodecafônicas ao destino ou as gaivotas não cumpririam suas tarefas de espargirem mansos os anseios remanescentes sobre as ondas mais revoltas clamando para serem espumadas. A natureza tem estas suas exigências, conflitos e místicas inabaláveis, que só o além e o inconsciente acarinham sem explicação, mas com afeto. Poderia parecer com isto alguma incongruência, mas o contraditório pairava entre o desconhecido e a aurora deixando um sabor suave de demência descer tranquilo sobre o imponderável, pois as hipóteses mais irresponsáveis teriam de ser expostas ao acaso para quem tentasse, inutilmente, conciliar as sobras de liberdade com o amor e o desejo. Por coincidência, lembrou-se que os sonhos e delírios que o infinito roubara fora na intenção de esconder a tristeza e deixar espargir os êxtases dos afagos libertos das calindas e dos odeneus. Aos deuses não coubera nada mais do que acompanhar. 
Nestes embalos, um paradoxo intransigente aninhou-se carente à nostalgia, sem abuso, entretanto, mas deixou-se enternecer pela forma dolente como os sinos brincavam metódicos para determinarem os tempos, os nascimentos e os fins. Então, os apaixonados se desfizeram das melancolias, os pássaros se acalantaram nos remotos cantos dos encantos dos seus cantos e até ai nada de novo, salvo que o rumor da saudade suave foi enfeitiçado procurando somente esquecer os anseios e as solidões.

Ceflorence     09/07/19          e-mail  cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019


BREJEIRA.

          E por ser de sim dos arremates, Norinha se fez no só dela, prepotentosa no indiferente dos porvires, maliciosa dos muxoxos, para fazer-se muito em brejeira dengosa e sarapintar nas vertentes do arruado, em palma de mão-maria, que nuca falha. Quem de longe arreparasse nos proventos dos credos de boniteza enluada, sabia que por ali era dia de cismar chamego.
          Como de trejeito sapeca, Norinha aprumou nas andanças de desenrolar entornos. Pois, no dito arrematado do solfejo, foi assim que empertigou sabida de trocar velha solidão de semana desbotada por acalanto de carmim, que o lábio de beija-flor não descuida de ser insinuado de longe, ainda mais com beijo doce. Apanhou sombrinha de girar sorriso e trovejou macio propositura de flertar sorriso na praça alongada da vila.
          Se domingo adivinhasse os proventos o sol não amanhecia e o vento que embala do Sertãozinho não trazia chuvisco. Mas, segundo Raimundo do Donato, a codorninha pia no campo das gabirovas para acomodar companhia. Neste então a missa acabando vai soletrando gente pelas calçadas para falar mal de alguma coisa. Dedorengo apruma para a primeira cachaça que no domingo é mais antes. No tropeço empertiga o chapéu de fazer respeito e chamusca Norinha no distúrbio. O retorno é complacente das esperanças. Mais dois rabos de galo e a coragem aumenta.
          No transviado dos requebros, Norinha apruma para o lado do coreto aonde Roninho brinca na flauta de fazer seresta com os demais da banda. O sol sobe, o calor cresce, os trejeitos atiçam, a decisão espera. Norinha circula a dúvida sob a sombrinha faceira. Mastiga o nada. Insinua o destino e da flauta flanam borboletas que brincam de talvez. A pinga atreve, o cigarro enfeita, Norinha assanha na disputa perto. Roninho enfeza e Dedorengo jinga, O birimbau entoa, a capoeira marca, a rasteira dança. A negaça pede benção de chinela e a destreza à faca. O grito é “Nhorinha é minha” e o tempo fecha. A navalha aquece a mão sem destino de Deodorengo, o sangue desce manso do pescoço de Roninha, que retruca na faca o corpo alerta, amolecendo na jinga continua. E se os Oxuns mandassem a madrugada assistia o fim.
          Mas a polícia acampa, Norinha articula, enfeita o beiço, arremeda a cisma e se alonga das vistas. Deodorengo desvirtua a navalha na solidão do fingido, Roninho dissimula a faca na espreita do sabido e o domingo foi festa na falta do mais o que, Norinha estreite estrada, atende o gesto cabreiro do guarda Tonho, que se arvora em pronto para artimanhar companhia. E por ser por Deus dará, cada canto é do resto em aonde o pintassilgo assiste de fora para saber o que deve cantar para enfeitar o azul. E o demais foi perdão, pois Norinha e Tonho nunca disseram então no que deu.                      

Cflorence    Jan/19       email cflorence.amabrasil@uol.com.br