sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

ALOPRANDO SOLIDÃO
E de muito silêncio guardado no sovaco carinhoso da perobinha de cima, a corruíra desafogou preguiça, no canto chorado, para desengatilhar o sol. Manhoso sol de mal humorado, bocejando querência de não nascer de vez, e por tudo, meio assim no desabrido e na des-serventia dos inusitados. Pois de muito antigo como se dizia, sol carecia de sempre nascer, atoleimado e vadioso, do mesmo lado que corria o brio imponente do vento castigado da Várzea dos Lobisomens. E vinha ele, sol, exibido de petulante, antes de se tornar poesia, sabendo carecer subir, encostadinho, pelo pé da trilha da Serra dos Leprosos, por onde deus tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos, quando por ali cortava caminho, descalço, sozinho, acabrunhado e no campeio do nada. E por ser ele, às vezes empacava de não sorrir de pronto no verde, que a mata enfeitava e nem negava, mas na retranca escondia, conversando o sol, desviado de destinos, com os pedregulhos orvalhados escondidos na neblina E se atrasava papeando com as macegas carinhosas, com as juritis risonhas e com os infinitos abobados que sabiam só campear os deuses safados, as musas difíceis e as tropelias das solidões que as almas não explicavam; sol e deus eram de assim mesmo ali, não careciam de portantos e nem davam conta de satisfação prestar a ninguém.
  Ainda sequer não era já noitão dos fechados, mas embora, talvez, quem saberia pontuar se correto poderia afirmar, pois o curiango ainda nem se desfizera da teimosia de desencantar da beirada, da beirada da prainha do riacho sabedor como ele só de saltitar as pedras que águas da Cascatinha da Inhãnhá beijava. Foi neste ali, quando Sepião dos Afonsos aportou no curral para desandar de fazer dia e cabrestear cavalo. E de lá ouviu gemido manso-triste, assofrido de vingativo, descendo escabroso, vindo chegando estupefato e enrugado de mal cheiroso de ver, quieto de ruidoso por silencioso de escutar, meio de apavorado de fazer medo, ateimosado, muito de prontidão e arribado nos desconfiados. Quem pariu o ganido dos Leprosos vindo, por diabo enxertado fora por certo. Sabia saber de longe, Sepião, que depois da Várzea dos Lobisomens, subia des-facetada de empinada a Serra dos Leprosos, amanho das almas descambadas, desarvoradas. O cachorro enroscou na perna, o potro resfolegou sentido e postura, o escuro assoprou carência, tudo acalentou desassombro.
No fazendo, esquecidos, tempos idos, Sepião deu conta, por prosa de velhos e falas veladas, que no pé da serra, na Serra dos Leprosos, acomodava, há muito, um lazareto, que as ruínas das taipas ainda restavam. Por sendo valhacouto de desproporcionais tristezas, doença ruim de sabido, fome carregada e desgraça, se deram de desespero os leprosos de fugir do leprosário, em bandos sem rumos e destinos. Os avizinhados da Várzea dos Lobisomens, muito abnegados de religiões e promessas, atearam fogo de morro acima no encalço de salvar as almas e separa-las dos corpos estraçalhados dos lazarentos fugidos, que até hoje, nas madrugadas, reclamam suas penúrias. Sepião afastou o cachorro das pernas, arribou o lombilho no potro, acomodou o infinito na solidão e destravou o ouvido, como deus, para não abusar da desgraça. O sol pariu destino, calou as almas e rumou sertão.
Ceflorence      email  cflorence.amabrasil@uol.com.br      

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

CARREANDO AGRURAS
                Cadinho Pé Solado não conseguia ajustar pensados seus atoleimados dos desaforos adiante dos tropeços a cata de pisoteá-los, rasgando fundo, querência de esquecê-los por ali logo, pois. Mas as malditas ideias apartadas um nada a mais das pegadas, gemiam debochadas da estupidez sua. As danosas, injuriando, se refaziam de intrometidas nas desventuras como gostavam de ser a fome e a miséria. Ajuntavam-se as três condenadas e vinham corroendo abeiradas, subindo no carro moroso do sucateiro enrodilhado em devaneios e desmedindo esperanças. Cabeça filha de uma puta de deprimida, prestante só de catador de desdita. Fizera-se dia cedo na manhã que fora à luta Cadinho, pois palpitava carência e urinou largado no sopé da torre da catedral sobre os seus riscados encarvoados de silêncio e júbilo. Cinzelara na noite anterior as suas preces, magias ajustadas, recados aos aléns, atendendo cismas de cumprir reverências de sucateiro. Depois de dia sofrido ajustara retorno e o carro enroscado.  
                Do vácuo, saindo nisto de um canto rasgado do sofrimento, desviando dos inexplicáveis, saltitando altivo sobre o inesperado, Cadinho atentou emparelhar consigo Simião Cigano, anarquista, na desfeita, depois republicano-abolicionista, mas no proveito, vidente considerado efervescente nos premonitórios pelo catador para desarvorar penúrias. Assassinado ali, Cigano fora há cerca de quase século, naquela mesma Praça da Sé, pelos cascos ferrados da cavalaria militar rancorosa, tentando impedir manifestação favorável à república. O revolucionário passou a cirandar pelos pedaços e implicar jocoso com o dono do pastel ordinário e da garapa azeda, Seu Laudino, desfrutar da prosa azul de Merinha Cafetina, bordeleira, ouvir o canto choroso do cego Croágio Borta, na viola afinada em riachão, aciganar com o Dr. Artépio, religioso dominical, advogado da porta da cadeia e devoto da tradição, da propriedade e da sua concubina das sextas-feiras, cortês com o veado do padre, o Necauzinho Zola, e com o padre veado, Monsenhor Rócio, provocante dialético e irônico nas tertúlias com o libanês-cearense, o jornaleiro Bercati Palo Asmzim, comunista ferrenho, torcedor do Nova Ponte da segunda divisão e devoto de Oxum para os acalantos espirituais mais confiáveis nas desditas esportivas e nas autocriticas materialistas, subjetivas e inúteis do partidão. Mastigava o abolicionista, muito a gosto e atrevido, uma réstia verde de esperança, roubada do bicheiro, enorme de gordo, sentado à porta da Bodega do Catetá. Segurava o cigano petulante um violino sobre o ombro direito, pois em sendo canhoto de manejo carecia, e deixava cair pelo esquerdo uma camélia rosa, símbolo pelo qual lutara e fora esmagado à porta da matriz.  
Cada badalada dos carrilhões envolvia uma delicada sutileza azul, distinta, de ilusão dispersa em fantasias. Simião advertido, como sempre sim, colheu muito ciente e rápido, com ternura, penca graúda das disputadas fantasias ilusórias dos sonidos debulhados, lançados suaves pelas torres ao infinito, para manejá-las no bom proveito a ser. Assim sendo o momento justo, aliciou o cigano às sonoridades antes dos pássaros ladinos roubá-las, como em surdina o faziam sempre, escondendo-as em seus ninhos para apetrechos terem dos melhores tons dos tempos vindos e usá-las melodiosas nas regências apropriadas dos solfejos cadenciados e singelos das escalas musicais para os filhotes aprendizes. O gitano habilidoso, com as tonalidades diversas recolhidas dos sinos, lambuzou os eixos das rodas e enfeitiçando-as com o esplendor dos tinidos do violino atiçou as ganas do catador de agruras para desesperado arribar carro, tristezas e sucatas ao topo do destino da matriz aguardando-os.
Pássaros, carrilhões, aléns e santos os saudaram à Sé chegados e deixaram assim repousar deus e os tormentos antes que os demônios se fizessem ser atrozes.
Ceffloence     11/01/17              email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

DESENCANTOS A CATA DE DISTÚRBIOS.
Pois, mais em tendo viola afinada em riachão, assovacada viola sofrida, arrastando-a Atérpio do Bogato, atiçado e desbrioso de seus segredos sem provérbios, apesar das maledicências repetidas de que era fanho e pigarento no solfejo, cantava mesmo na porta do mercado velho, ali, cantigas que debulhava das desenrustidas por debaixo do travesseiro, como madrinha Agaté das Angolas largava e, por sido sendo, gostava, carinhosa, de vê-lo parir inspiração e verter tristeza. Amaldiçoando, Artépio, a vela de deslumbrigar sina, acabando sobre o caixote servido de criado-mudo, acordou entesado de dividir o nada em sete versos de cruzilha e duas desfeitas salobras deixadas pelo demônio na Trageúva dos Catados. É assim que se fazem as agonias e outras solidões prozadas em São Salomão dos Retidos, arruado das faltas de porventuras, mas tudo no se-apresente e nos repiques de Artépio. A morte se hospeda por lá antes de desaguar mundo e descarnar desterrados. Pois bem saiba, o senhor!
Então ganhavam sanha os estropícios que nas madrugadas se engalfinhavam, segundo prevenia Frei Simião Barbucho, capuchinho abnegado quando fungava rapé na sacristia e amaldiçoava o sereno na boca de noite, tudo para desparelhar o confronto entre o roçado aberto nas quiçaças de Artépio e as sementeiras canalhas das assombrações vadias das almas sem rumo. O demo, antes que esqueça eu e deixe para trás, atazanando descompromisso, como de seu feitio e maledicências sempre, vinha mascado de artificiosos, desovando umas saraivadas pelo descaminho e sem destreza acertava uma no casco e as outras a ferradura saia do lugar. Nem sei por que lhe repito sempre, a vosmecê, homem de muita ciência e sabedoria, estas arengas indevidas, despropositadas, que fim não tem? As modas violadas tracejadas por Artépio contavam tudo muito carcomido de justezas, pois cantitava ele, no mercado, que a procissão das lavagens das almas transviadas se perdeu pelo Boqueirão dos Queimados e sobraram umas perengas de gente sem trilhado, que os bateduros do hospício levaram para usar na servidão de tentar desloucar. Se tal deu positivo de cura dos desabnegados, depois das sovas benignas, Artépio não deu de figurar no canto.
             Quem bem falou, mas não disse por que, foi Domato Entortado, que assim se deu alcunha depois que a onça no cio o estropiou destroçado em tiras no Espigão dos Assombrados e desperdiçou pedaços graúdos seus pelas quebradas e tabocas descendo. O restinho a onça mastigou e cuspiu, levou meia bunda, faltada, mais um terço de arruinado sovaco embaixo do pescoço servindo má-lê-má para gingar a cabeça entortada e dura. Os sobrados todos, de pouca serventia, desolhavam só por descuido. A mão canhota encurtou no restolho do ombro encolhido e assim carecia um solavanco de cotó de perna para alcançar a muleta. Mas imputou nas rezas, por milagre tido, e eriçou Domato dois paus de embira enforquilhados em cruz no lugar da desventura, tudo confronte ao cemitério onde lobisomem procria na lua cheia.  
Afirmo, destino este se deu cantado por Artépio, pois carecia Domato seguir magote de bezerro alongado, sumido no nunca mais; deus não viu, nem não campeou. Imagine doutor se a viola estivesse desafinada e o capuchinho não fungasse rapé. 

Ceflorence   21/12/16    email  cflorence.amabrasil@uol.com.br