sexta-feira, 24 de março de 2017

SURREALISTAS ORAÇÕES.
Iniciando a prática do nosso origançu semanal, como sabemos, que por se celebrar em irangupi caitam exige toda a fé e assistência de Abu Anda Maicam, mas só quando aleijadado por pedra batizada com dengo de mulher intempa e apaixonada, assim oremos aos deuses para iluminarem nossos caminhos. Permitamo-nos neste mutirão de desejos voltarmos às atenções e louvores em respeito ao absurdo que nos induz a gloria e a beatificação. E em sendo, ajude-nos o vento dos desaforos e se diferencie das ondas de Orumá, pois a manjedoura estará sortida das oferendas e das hipocrisias com que nos alimentamos espiritualmente. Embora estes pontos já estivessem e continuem perfeitamente claros, abre-se com isto espaço para a ala radical e intransigente, revoltada com um tropismo singular, propor autonomia dos acabanados de poranga e de sede gorda, aonde a inveja se acomoda no conforto. Agora, com reverência e de joelhos, em sintonia para que o destino nos salve para sempre do vazio inexplicável do óbvio imbecil, imploremos ao terror ameno do raciocínio e do absurdo, que sempre nos protegeram e nos salvaram das previsões impossíveis, das certezas absolutas, das ponderações perfeitas e dos estigmas das verdades consumadas e universais.
.Não permitam oh! Deuses solenes dos desatinos insondáveis, mas presentes, que os inconscientes inexplicáveis e nebulosos sejam invadidos covardemente e possam assim continuar imunes nos estases dos seus mais obscuros recônditos. Que o sol se ofusque risonho no azul perene, cada vez mais sombrio, para chafurdarmos livres nos desacertos e nos descaminhos sem luzes do grato assombro, que acalenta imprevistos Ao final dos tempos, quando ainda houver fôlego para não se deixar abater pelo convencional, pelo estereotipado e pela rotina, os inhãcantús dos sinos se dobrarão em sandices formosas para enaltecerem com canções e hinos desafinados e descontínuos o esplendor do insensato. Isto reafirma que há esperança. Aos poucos, as acomodações individuais confluem para os horizontes comuns da loucura. Os mais renitentes se entorpecem ao som inebriante dos sustenidos e procuram o espontâneo como parceiro para se arrebatarem nas valsas que hipnotizam sensualidade.
           O senão chegou ao seu limite da anormalidade permitindo que se entravalhecessem saborentas fatiadas de formas cristalizadas para todos. E nem por isto pediu-se permissão com a devida galhofa. Por ser desejo que os mais envolvidos repousassem no silêncio do nada, abriram-se as portas das insensatezes para que todos se fartassem da loucura luxúria.
 
Ceflorence 16/03/17               email cflorence.amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 15 de março de 2017

DOZE DIAS E UM TESTAMENTO.
            Eram insistentemente azuis as escalas em sustenidos das colcheias poéticas, marcadamente singelas e alegres, das últimas gotas de solidão que consegui ouvir à distância procurando afagos entre duas metáforas de fantasias adequadas. Enquanto tal, as nove luas insinuantes sobradas no regaço da noite dançavam nuas do lado esquerdo da esperança sem preocupações maiores de serem vigiadas pelos aléns ou importunadas pelos alcoviteiros. Meditei, pois no acato às tradições, os tempos se deram a passar e contar, metódicos, por Calendário Juliano e as simbologias se definiram pelos signos de Júpiter, como carecem as liturgias esotéricas medievas. Após madrugada de inação e segredo, há cerca de semana e meia, se tanto memoro, foi-me dado liberdade de decidir sobre os derradeiros desejos a se verterem e plasmarem no final de minha atual existência. Aviso liminar postado traçava pontos claros para locupletar-me em doze dias de festins espirituais ou carnais, dispondo de sete alternâncias livres de preferências a serem usufruídas no intervalo, para despedir-me da alma então, pois o corpo seria desprovido da vida mundana em função dos prazos esgotados. Tal se daria, pois material deteriorado não reciclável pelo uso abusivo não aconselhava nova revisão sem alto custo existencial e risco permanente de desgaste.
Coisas do obsoletismo, discrepâncias sem atenuantes, em sendo a atual encarnação precipitada, total falta de assistência constante e uso indevido, ousado e periódico de produto orgânico deteriorável. A alma já desafinara em fá menor bemol, mas isto seria superado, se o prazo alongasse por outras tentativas de entrosamento. Voltando a tese principal, o recado chegou por uma simpática curva helicoidal, embora de postura heterodoxa, portando sintoma caustico e exagerado de insinuações precipitadas, constante do processo um forte ranço de pretensiosa filosofia fenomenológica. Sendo a filosofia suportada por duas petulantes e exibidas incongruências metafísicas, a mais robusta ligada à escola sadomasoquista, a mais delicada com forte tendência e peso de influência maquiavélica. Com estas iniciais esclarecidas, concluo, em sintonia com os desfechos ocorridos, os dados para minhas exéquias e as lembranças a levar nos derradeiros momentos como relevantes.
 As sete bolinhas de gude vieram sorridentes do baú dos sumidos, aberto na memória, e me gratificaram renascidas no subconsciente juvenil emboladas nas ternuras e nas precipitações das ejaculações precoces. O papagaio de papel que enroscou no varal da vizinha amealhou a recordação da calcinha dela portada, delicada, enquanto me devolvia o mimo, sorrindo, sobre o muro. Depois da bolada na gaióla, o curió morto, que escondi do meu pai e ele pensou que fugira, pipilou alegre na minha janela. A garrafa vazia do primeiro porre arrastou-me à ressaca desta madrugada. Pendurei no tempo ido, do baú saindo embolorado, o remorso, o medo e a vergonha de acercar de Melinha, paixão platônica, enquanto ela enfeitava o primeiro banco da classe com suas tranças sensuais. Por derradeiro e entre os sete salvados que acalanto alçar e levar na despedida, jamais poderia esquecer as pencas maduras de mentiras nobres e trigueiras, que me foram tão úteis e resolveram tanto meus problemas.            
Ceflorence       09/03/17         email  cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 9 de março de 2017

AMENIDADES FUNERÁRIAS E OUTROS ENTÕES.
            Repetiu se, o desconhecido ensimesmado estrategicamente, postura altiva, imponente, caminhava não impondo pressa excessiva, ao contrário, postava extremo comedimento nos passos às circunstâncias, voltejou as exéquias andejas no cemitério, enquanto argúcia e promessas se debulhavam em rezas. Escolhia sua posição preferida, afastada, o estranho, mas sem excesso, do velório e dos participantes. Deste ponto, o misterioso, mantinha atitude respeitosa, introspectiva, de onde analisava os acontecimentos e gesticulava condolências distantes e precavidas. Segurava cigarro apagado entronizado em petulante piteira de marfim. Gestos soberbos, seus, dignificavam o falecido e os aléns. Confabulava com a piteira, o estranho, sobre o abstrato, entediado das metáforas funerárias exibidas eufóricas ao som do silêncio. Desculpou-se com o olhar divagado ao afastar-se, arredio, da Capela do Bom Fim, para não trocar deslumbre de sorriso ou saudação com participantes outros achegados.
O ritual correto do velório na Capela do Bom Fim é amainar o silêncio pela ordem inversa das tristezas e das agonias. Fala primeiro o carregador das coroas, para perguntar aonde colocam as mesmas. Depois, os menos achegados ao falecido embalam a sequência das cerimônias começando pelas mentiras mais aceitáveis, em seguida distribuem anedotas de níveis medíocres, convidam para o café das descontrações e por último se despedem rapidamente por compromissos inúteis. O estranho elegante, piteira sofisticada, visita o imponderável, o silêncio e a tristeza dos outros túmulos. Pelos meandros das sepulturas tristes se divulga a dúvida eterna do que vai acontecer, do porque aconteceu e para quem aconteceu nos lidos jazigos das placas chorosas. A morte é a única garantia após o descuido enganar o destino e deixar o inexplicável nascer. Somente o singular da piteira, acompanha os jogos do destino da cerimônia permanente que é desfazer-se da morte. Enquanto o infinito se disfarçava de paisagem, a piteira manejava as fantasias, pedindo à revoada dos pássaros que enlevassem a alma recém-desencarnada aos desatinos desconhecidos ou outras amenidades. Os caminhos floriram enquanto uma garoa fina chorava nostalgia. Deus definiu seus preferidos anjos para repicarem os tambores e os querubins mais competentes para anunciarem nos flautins que uma alma nova chegaria ao inferno e não mais estaria cometendo pecados nos varejos vizinhos às hordas celestiais.
No Bom Fim, cemitério, ele, piteira e misericórdia, em trindade surrealista, aonde foram dizer adeus, ninguém entendeu tal, pois não havia e nem poderia haver a menor ideia de que o elegante inusitado das invocações era a inconsciência do falecido, fantasmagórica, compartilhando, em corpo e espírito, se as suas fantasias mortuárias estariam se realizando em exéquias sidas.        
Ceflorence    05/07/15      email  cflorence.amabrasil@com.br

segunda-feira, 6 de março de 2017

MANTURÁS DOS MARTINS PESCADORES.
            Foi entre sete rodamoinhos de lágrimas cruas, que Jacofar Marteiro fugido se deu depois dos sete anos de rapa pés e guerra na Erótia do Leste, se preparou para aportar na ilha dos Manturás dos Martins Pescadores, uma das sete, dos sete mares do Entólio. Em função estratégica privilegiada da boca da baia, instalou-se ali fortaleza com sete dezenas de canhões, de sete pelotões de sete soldados, suportados por sete estrebarias de sete cavalos. Foram edificadas sete capelas de sete padroeiros. Os sete carrilhões das capelas saudavam diferentes eventos, com sete timbres de sonoridade. Desembarcou Jacobar, consigo, os poucos sobrados da guerra: suas sete bruacas de couro de sete cores alternativas, sete pistolas, sete punhais de cabo de marfim e as sete epístolas dos sete missais. Do Cais dos Inválidos começou a subir em sete dias até o forte das Sete Agonias, um pouco pelas sete trilhas estreitas e outro tanto pelos sete penhascos que margeavam os sete acessos. Discernia as sete capelas o aguardando pelos sete timbres, identificados até por sete léguas, por cada um dos sete carrilhões.
O guarda-mor, que era surdo há sete anos, intimara o sétimo batalhão, encarregado da encenação sonora das sete capelas da Ilha, que junto aos toques dos carrilhões se hasteassem sete bandeiras com as cores dos padroeiros. O carrilhão da Capela de Nosso Senhor do Bom Tempo, em lá bemol agitava aos céus a sua flamula esverdeada, com cruz grená inclinada, despedindo-se dos marinheiros, dos passageiros e dos mergulhões rumando para os imponderáveis. A alegria, em ré maior, do carrilhão da Capela de Nossa Senhora do Bom Parto, chamava as gaivotas brancas, desocupadas de nostalgia sobre o rochedo da ilha, para bicarem trigueiras os infinitos do horizonte, pois a cor-de-rosa hasteada saudava a chegada de mais um recém-nascido. Os cavalos eram alimentados no forte ao eriçar-se bandeira chumbo na Capela de São Francisco de Assis, protetor dos animais, acompanhada das badaladas em sol do carrilhão e os animais ouviam antecipados o som melódico da forragem chegando às sete.
Os pescadores das sete praias da baia jamais se faziam às velas em suas sete jangadas aos sete mares, sem ouvirem durante as sete léguas os carrilhões da Capela de São Pedro, afinados em sétimas de mi, com a bandeira azul. Findadas as jornadas, o chamado carinhoso do timbre do carrilhão da Capela, em mi, era o guia seguro dos pescadores, para trazerem às sete praias as saudades. Em si natural, o carrilhão da Capela de Santo Antônio, santo casamenteiro, jogava manso o vermelho da sua bandeira às brisas, para encontrar-se com o poente das sete pedindo aos namorados apaixonados, que se lambuzassem de amor para povoarem as sete terras do Senhor.
O almirante, depois de sete dias da difícil subida à fortaleza, que o acolheria por sete anos no comando, persignou-se sete vezes, deixou cair sete lágrimas de gratidão e prometeu sob o som das sete notas musicais, dos sete carrilhões, que mandaria enforcar durante sete dias, sete prisioneiros de sete diferentes nacionalidades, sempre as sete da manhã, para marcar os seus sete últimos desejos.
 Ceflorence  21/02/17    email  cflorence.amabrasil@uol.com.br