sexta-feira, 30 de setembro de 2016

RIMAS-RITOS-RUMOS
Pois não é que, (?) o delírio encantando os lábios e acalantando as sandices, carinhoso ao se debulhar infinito, nem se fez de rogado para apaziguar meus sonhos e sequer lampejou ao serrar meus olhos. A tarde aninhou cirandas e volteios ao saber ilusões, mas se pôs a despetalar desejos como os deuses gostariam de afinar seus prazeres e cítaras. Permitiam-se nos entremeios, as divindades, disfarçar suas lamúrias, embriagados em néctares e saboreando ambrosias colhidas por ninfas. Fiz intento de não despertar, deixando estas ilusões bailarem, na falta de mais não ser, por ventura ou por vir (Porventura ou Porvir?) na espera de colher ansiedade mesmo antes de maturarem. Descobri que endoidecer, ao cair da tarde, inebria e apraz. É quando a alma, extenuada, volta à carne depois de viajar delírios nas imensidões azuis. Os anciões, ao se fazerem meditativos, no recolher das noites, no calor das fogueiras, pariam lendas e mitos, nos tempos das epopeias e dos heróis, deixando os potros e os centauros dispararem pelos infinitos borrifando fantasias e fantasmas. Mas como as lendas e sonhos findavam, os loucos como eu inventavam tramas para devorarem melancolias e embalarem anseios.
Por carinho e apego aos devaneios, ao contrario das fugidias incertezas no tempo, o poeta voltou a brincar de rumos e solidão, antes de ensinar o sol o retiro das trevas. Não me permiti ser visto, observando-o, como se exige para espionar os menestréis poetas, vendo seus passos fincarem marcas sobre as areias claras para cadenciarem as métricas e as inspirações. As insânias poderiam ser rastreadas nas rimas do poeta espargidas pelas areias, não fossem a crueldade das ondas apagando seus traços. Sem insânias os sonhos morreriam; sem o poeta os delírios não seriam gratas insânias. O poente pediu segredo para repor, na quietude, os pensamentos que desejavam fugir. Assim o céu, entre os perdidos por onde tresloucava, preferiu debruçar sobre o infinito e fazer-se em rimas deixando a maré retrucar com ondas salpicadas de desejos e brancura. Eram as lágrimas dos Orixás abençoando os puros, que revoltavam as espumas brancas dos desejos, caminhando eles, Orixás descalços e desolados, sobre os indefinidos. Pedi a realidade idiota para não me despertar.
Não fosse o esmorecendo das ilusões, desaprendido no sopé da infância, estenderia as malhas da rede de pescar fantasias e desbarataria nostalgias. Assuntei de longe o bardo esquecer sua vista cansada e displicente sobre o mar triste, pedindo aos pescadores que despregassem as velas, assim amaciando os ventos, por onde as gaivotas volteariam suas rimas. Lembrei-me das vidas e idas, quando joguei aos costados a mochila rota e desbotada, enfiadas nela minhas angústias mais carcomidas e apegadas. No ensejo de fugir de mim, acomodei, na mochila, mesma, livro lido para apaziguar a preguiça, sem levantar discórdia e angústia.
No tropeço das estradas, a tarde guardou o sol, eu me des-perdi do poeta, o poeta des-carreou das marés.
Ceflorence     20/09/16     email cflorence.amabrasil@uol.combr

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

CAIS DOS SONHOS E DEVANEIOS.

As melhores fontes, sempre, que jamais deixei fugir, foram encontradas nas grafias rupestres dos antigos Oncártigos. Estes, graças às suas inspirações milenares, dividiam as origens, as previsões e as sínteses dos sonhos em duas melodias, jônica e dória, três infinitos e seis metáforas. Dos incônscios destes entrelaçados manejos, destaquei, propositalmente, os sonhos mais confusos e, portanto, os mais saborosos para temperança das desovas e dos delírios, que brotam das divagações. A fissura invisível entre o crânio e a alma era o único intervalo estreito por onde ousaria lapidar o raciocínio sem ferir a emoção. Não pairava dúvida operacional. Os Oncártigos eram rigorosos e perfeccionistas nestes pontos e sob esta métrica ofereciam o local exato para cruzar, com sutileza e habilidade, o intervalo meticuloso, deixando o devaneio seguro de suas ambições e o delírio satisfeito em seus propósitos. Não havia opção mais elegante nas circunstâncias. Intuí: a destreza afinaria amasiada neste detalhe.
Na mesma contingência aproveitei o furta-cor onírico, mais ousado, afastado longe de lógica convencional e lerdo de explicação cabível, pois o labirinto se engalfinhou indefinido à minha frente perdida. Esta euforia, um paradoxo coerente de satanismo divino, grafada sobre a textura invisível ao apagar de luzes, inconclusas em desfecho, configurava-se infalível para obtenção do nada, por onde andarilhavam os melhores delírios. O nada é solução fatal para embaralhar os sonhos e cambiá-los por frenesis. Por sonhado, então, sido tendo, se dera explícito que esta matéria rugosa, o nada, flexível, esparramada em brumosos musgos instáveis, não deixaria jamais fugir pelas frestas finas as indefinições e as insânias, como havia pretendido.
A incerteza foi se arrogando entre metamorfoses, confirmando a presença do pensamento alterado, da demência virgem e do pedaço de azul arrastado pelas paredes intransponíveis, com intenção de me dificultar o sonho. Os dementes carinhosos me aguardavam do outro lado da fantasia, para nos confraternizarmos. Idílico, por metodologia, um odor de alucinação apoiado em um equilíbrio instável, suave, galgou as cores mais floridas. Achegou-se o devaneio, tão florido quanto, suportado em seus entraves vermelhos pelo poente e opondo duas jiboias entrelaçadas, amorosas, sobre o destino, sem plausibilidade à maré jusante. A trilogia clareara na composição do infinito. Estes sonhos, por sabido, se arrastavam indefinidos entre o invisível e a loucura, amadurecendo apetitosos como brotoejas de invejas e se esparramavam como orgasmo da solidão. Nada mais robusto para o delírio brotar.
O infinito se ajustou ao ruído do silêncio. Da praia surgiu o potro branco se oferecendo ofegante para espargir paixões e desembestar sonhos meus sobre as revoltas das ondas brancas. Implorei ao infinito para alucinar-me ejaculando delírio.

Ceflorence     13/09/16           email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

ALÉNS E PORTANTOS
O azul, que definia a ordem e o rito, imporia os últimos preceitos do adeus. Pairou a cor esbelta mimada no silêncio à espreita da fortuna e da sina, pois sabia que não poderia retornar sem levar consigo o enfeitiçado escolhido. Eram tempos de mudanças e Fércius de Monteses acompanhou, serenado, a garça em imponderáveis volteios, gestos simbólicos e místicos, para debulhar as ânsias e as carências de almas novas para os deuses insaciáveis. Do lado do poente, o vento era ajustado para exibir migalhas suaves de melancolia, preconizando um então, ou quem sabe um talvez; acenos controlados e medidos todos e assim ajudariam a selar o destino. A morte firmou propósito e ciosa acompanhou os olhos calmos de Fércius sabedor da hora se fazendo. Não interpôs, ele, a menor surpresa ou vacilo, pois contemplou do lado oposto o taciturno canto fundo da tristeza mensageira do fado. E no arremate das sortes traçadas, o potro castanho de crinas beijadas pelo infinito, se achegou passarinheiro para o adeus se dar tão logo Fércius, a cavaleiro, partisse. Não havia dúvida e nem se desperdiçaram lágrimas.
            O infinito inverteu conceitos e valores, tanto que o azul virou verbo e o chão sumiu vergado em saudade, permitindo à morte, lasciva, despir-se do negro e insinuar-se nos brancos véus, translúcidos, por onde exibia sua nudez excitada e os seus desejos carentes de afago. Sete virgens ofereceram seus seios entumecidos aos flautins portados pelos querubins. Os pecadores mortos liberavam seus ossos, acomodando-os à beira da solidão para a ereção, ali, do templo à angústia. Já os falecidos beatos emprestavam seus ossos ao altar da incontinência sexual. As carnes flácidas, desprezadas pelas almas, floriram pela alameda principal onde, no final, por duas entradas imponentes, deus e diabo escambavam seus seguidores: o senhor imprecava maldições com gestos autoritários e encaminhava piedosos e compadecidos ao demônio para serem entronizados na luxúria, na lascívia e no pecado. O demônio se descartava de seus pecadores e os dirigia ao santíssimo para se deleitarem de contemplação, de pureza e de rezas enquanto se eternizassem mortos.
Fércius, indefinido piedoso pecador, aguardava no limbo purgativo até decidirem seu destino, mas sonhava voltar no potro castanho à vida.

Ceflorence    04/09/16       email   cflorence.amabrasil@uol.com.br   

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

RACIOCÍNIOS, COTIDIANOS E DELÍRIOS.
Nossa rua, além da brisa sorridente e do amor, só dela por destino e pelos deuses capetas, era agregada de treze sonhos alegres, azuis de dia e desinibidos à noite, se espalhando escondidos pelos meandros de cada muro, de cada menina e de cada alma extravagante. Nossos sonhos na rua divertiam-se escalando janelas e trepadeiras a cata de estrelas, deixando as fumaças dos balões desenharem os desejos e brincavam de esconde-esconde conosco. Enrolavam, os sonhos, o porvir ao acaso, em delicadas alternativas a disposição, antes de se recolherem. E sem avisar, os sonhos impregnavam, carinhosos, as consciências distraídas passeando pelas calçadas e as arrastavam para devaneios e beijos. A incerteza nunca passou por lá, enquanto eu não desaprendi de ser criança.
Ali mesmo na nossa rua, por acordo tácito, limitamos as alternativas ruins, para que as professoras e as mães, mal intencionadas, não inventassem outras além das já definidas, em três por dia na semana e quatro no domingo, por causa da adicional obrigação da missa antes do futebol. As alternativas boas ficavam jogadas ao leu e ao dará pelas portas das nossas casas com as bicicletas, nas gavetas das bolinhas de gude, nos varais, aonde se penduravam as calcinhas que escondiam os imaginários ou no vidro quebrado, em segredo pelo Quiririca, no banheiro das meninas, na escola, por onde as fantasias enxergavam muito mais do que a vista. Quem, dos sete da turma do Bueiro da Gruta, obedecesse em um só dia mais do que três alternativas ruins, virava vaca-amarela ou ficava sem ser primeiro na bolinha de gude; e tome gozação.
Mas a noite, no silêncio dos fantasmas e dos ladrões subindo pela solidão e pelo escuro, a única salvação era a promessa de obedecer e pedir desculpas, depois do beijo materno carinhoso e com ele o medo enxugado pelo seu coração enorme. Em seguida agarrava eu a bolinha de gude azul, a campeã mágica dos sonhos, e, ao beijá-la, marcava o gol perdido à tarde. Por fim a bolinha carinhosa vertia-se doce na pele de Libinha, irmã do Vilu, dona da calcinha do varal. Escarafunchava, Libinha, com seus olhos tão azuis como a do gude, pela minha alma mole, invadia minha cama ingênua e tal um dos treze sonhos amealhados pela rua, me lambuzava de fantasias e desejos. Que é da rua, da infância e de Libinha?     
Ceflorence   20/08/16      emal  cflorence.amabrasil@uolcom.br

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

SOLIDÃO, ADJACÊNCIAS E FASTIOS.
O tempo amaciado na preguiça temperava o destino com o mesmo silêncio da melancolia do cravo se deixando esparramar, abandonado e indiferente, ouvido pelas ruas se entrecortando. Por oportuno, também poderia dizer o tanto mesmo das vielas e das vilas quebradas, estreitas, escalando indiferenças e acasos da topografia. Tudo arrastava melodia por onde soubesse cidade a ser invadida pelos teclados dedilhados, do cravo. Mas, no proveito das verdades, prefeririam figurarem-se vazias, se lhes desse escolher, para morrerem na embocadura das saudades ou no sopé do nada; as ruas, as vielas, as vilas, as almas. A vida se fazia de poucas coisas, mistura salobra de solidão e nostalgia, àquele fim de tarde, enquanto o azul se fantasiava de adeus. O sino avisou que não adiantava tentar fugir da solidão, pois eram seis as horas das aves-marias a procura dos espíritos pedindo preces e meditações. As gotas d’águas, tão vagarosas de poucas, que poderia contá-las em si, pendiam do telhado velho, em lágrimas curtas como o tempo pedia e eu conseguia até escutá-las, sem me dar acarinhá-las como queria. Acho que não conquistaria tal, mesmo se por deus fosse ou quisesse. A vida se faz de fim ao cair mansa nas tardes de Assunhãe dos Perdões, quando todos fogem para receberem suas noites e suas tristezas nas solidões das casas próprias.
            Enquanto ouço o temperado cravo, mas longe suficiente de meus imediatos, sem com ele entrar em polêmica e também, se diga, sem afinidades, divago com o gato perspicaz, de porcelana cor-de-rosa, se tanto, pelas pintas fugazes que exibe contra luz. Acomodado gato, se faz claro comigo em conversa, sobre o silêncio da estante carcomida, mas imponente, dos livros com os quais as traças mais atentas e informadas trocam desejos, sugestões e destinos. Prefere o felino, doce, ao amaciar as patas com lambiscos sutis, os desaforos de um Bandeira, Manuel, a irreverência de um Drummond, os trágicos gênios, figurados, de Guimarães, sertanejando guerreiros e posturas nos imagináveis dos percalços e despropósitos. Os clássicos, sobre os quais passeou suas atenções inúmeras vezes, saboreando desde Vieira à Machado, estirados todos sobre as prateleiras carunchadas, os respeita, como procedente e devido, mas acomoda-se, o gato, mais a vontade, sobre o inusitado, a rebeldia, a irreverência. Os bolores nas paredes são prestativos e atenciosos para saudarem o tempo mastigando o velho sobrado, do gato, onde me deixa refugiar, debruçado sobre a calçada de Assunhãe. Aveludados e amadurecidos, caindo em desenhos abstratos sobre as paredes, os bolores se esticam ouvindo o cravo distante.
O gato, atento à crônica de Paulo Mendes Campos, discute-a com o percevejo faminto, curioso, que o rato acaricia com nostalgia antes de devorá-lo. O sino dobra-se ao apelo do cravo: retirarem-se para o além, só então. Assunhãe repousa solidão.
Ceflorence    21/08/16       e-mail  cflorence.amabrasil@uol.com.br