quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

PROVÉRBIOS E TESTEMUNHOS.

-Pois falo, pois! Digo até! Como se fosse sete palmos de corisco e praga dos infinitos, risco arriscado fundo, vindo do poente catingoso por muito desmamado, grosso, como cascavel no cio desconjura a bicha, do lado canhoto que o lobisomem desacanhava e por donde ele dissimula as pestes, a saudade, a porventura e outros catingados seus. Foi assim ali, lá, o acontecido, Doutor. Careço do atento de sua senhoria, doutor, por verdade e respeito, para não dizer que minto, pois o contado se deu nas horas dos desvalidos, a mando de um traquina qualquer, das putas filho, com certeza se diga. Arribou o acoitado no propositado de cumprir, por despeito, mandado de quem parira promessa de querer ver Farcato do Roncador amortado, morrido sem unção e só na certeza do tocaiado ficar defunto de bala e faca, ensanguentando. Fustigava tiro escapado de cartucheira, um arribando outro em riba, apontado do matador profissional na tocaia; tocaia sabida de não ter saída para Farcato, até mesmo ele, dito correto, ser de garra atazanado jagunço crispado, pois era.  
Acantonado no pé do Morro do Sumidouro, baixão da Capoeira dos Confins, ali onde o senhor doutor conhece e caça, me ouça por atenção, sem ver rastilho de escapar do tinhoso atirando, ruminou o entocado, Forcato, no sentido de esperar o sol se entestar em preguiça. E nem acendeu o pito, deu ele conta de ser, para o gabiroba atirador não entortar na desconfiança de medo ou covardia. Ah! Atente por favor. De um lado subia pedra, de morro um tanto acima, que nem deus unhava, sim, de tal digo, urubu tinha medo de despencar de lá. Do outro lado, mata de afogar corisco, ouriço andar de costa para não se enrascar nas urtigas, jacu criado não deitava conforto de ciscar. Pra banda do grotão não adiantava atiçar de embicar no rumo, pois pelos riscados do estouro da pólvora se esfumaçando, se via o intendo do pestilento, emboscado ali no coito, esperando o tempo ranger na sina de dividir Forcato em rasgados pedaços e as mais torpezas. Deus desandava de provérbio para não dar serventia à sorte, sem saber de antemão o lado de beijar o trilho reto. Quando deus não toma partido, vosmecê, escolado, sabe bem, a coisa é carrancuda, feia, carrasca.
Nem digo doutor, por dessaber, razão de voltar estas desardiduras, agora, que o meu tempo de velho carcomeu muito, desabusado de insistir viver sem saúde. Fiquei entravado e a coruja já estirou a arapuca de cangar gambá para me desparir da vida. Mas vi correto como a coisa se deu e provo pra terminar o testemunho. Farcato, quando se viu no oco do perdido, arrepiou de coisa ruim, assumiu de lobisomem, fedeu feito jaratataca de restingão, urinou na boca da garrucha, despiu das, de todo, roupas desnecessárias na fuzarca e fuzilou no sentido das demências. No quiproquó o vento dobrou mudança de rumo, a coivara deitou no varjão, a pedreira disse amém e o tiro calou. Aquilo virou um tormento de despropósitos desfigurados; o resto se deu. 
            Pra descerrar, Farcato eriçou de peixeira atiçada, garrucha baladeira chispando. Peludo de pelado saltou na quiçaça do acoitado mascando seu destino de fim. Deus desolhou o resto e eu nem vi se sumiu ou se se quedou Farcato. Pode crer doutor; se fez o que vi, doutor. O sol dormiu cedo, pois o medo me desmediu destampado. Foi!
Ceflorence      09/12/16   email    cflorene.amabrasil@uol.com.br

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

FLORES, COLIBRIS E FANTASIAS.
     Entre o infinito, refúgio dos delírios e repouso dos inexplicáveis, de onde a sina se arroja para enredar-se com a probabilidade e cada qual dos duendes, das amarguras ou dos loucos possa colher como for capaz e mais a contento, e o jardim de Abcarja, vidente das melancolias e das cores, exatamente onde as fantasias e os sonhos brotam, um beija-flor despojado de desejos depositou, ali, nesta confluência, ao menos duas de suas últimas lágrimas recolhidas entre as remanescentes das rimas e das poesias. A solidão abandonara as lágrimas colhidas pelo colibri antes de se maturar em angústia e esgarçar as incoerências dos destinos, das alegrias almejadas, das tristezas inevitáveis e dos amores ansiados. É assim que se fabricam as quimeras e este era o jardim do cuidadoso e apaixonado Abcarja, arguto profeta. Estendiam-se os canteiros como deus dispunha: o canteiro florido, colorido, das euforias entremeadas de graças ruivas e sutilezas singelas, o dos desejos, sombreados pelas felicidades em botões.  Na outra extremidade se confinavam, par a par, muito petulantes e agressivos, os canteiros da inveja acre, do ciúme sádico, do amor sensível e o da vaidade velhaca. O vento visitava o jardim de Abcarja, para se espalhar em seguida, ardiloso, pelo mundo e contar aos ansiosos as delícias das suas alegrias, cores, magias, mas não esquecendo, jamais, as agruras.
     Era pelo andarilhado livre, sorrisos desperdiçados à conta das alegrias, no jardim, entremeando canteiros e delírios, que os carentes das esperanças se deixavam a brincar soltos e livres, sentindo os perfumes dos sonhos recobertos de fantasias, provando os coloridos dos desejos apegados aos seus medos e fugindo eles das alamedas das tristezas; alguns intendendo pisoteá-las. Mas os porvires dos canteiros castigados se exibiam mais floridos depois de maltratados e judiados, como só os aléns sabem fazê-lo. E por assim sendo, tal se dava com os canteiros sortidos de esperanças ameaçadas de frustrações ou das amarguras contestadas; Abcarja colhia suas plantas para tecer os ornados dos buquês premonitórios, procurados pelos visitantes, vindos com as romarias distantes, intermináveis e chegando sempre a procura dos imprevistos, dos aléns e dos confins. Com as sacolas repletas das suas seguranças afetivas ou ilusões proscritas, retornavam aos seus aconchegos os peregrinos dos pressentimentos, carregados e satisfeitos graças aos buquês de verdades existenciais articulados caprichosamente por Abcarja.
     Ao anoitar, em seus amparados sossegos, os visitantes do jardim de Abcarja, escondidos pelas vigílias dos seus sonhos, espionam seus floridos destinos e os proíbem de murchar. Lembram os fiéis de Abcarja, que enquanto a madrugada se faz, o colibri se disfarça de magia azul e se alucina pelas imaginações do infinito.
     No retorno dos sonhos, lampejados de eternidade, sempre vem o beija-flor carregado com suas lágrimas, para nutrir os poetas e menestréis com as rimas e os delírios com que tecem seus versos e canções.
Ceflorence       03/12/16           email  cflrence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

SETE ANGÚSTIAS E DUAS CATÁSTROFES
Pelo que restou como sendo intermitentes lembranças de Antério Álaco Nunhóz, tudo se pautou após cruzar ele o extenso corredor chamuscado de azul, agredido nas bordas pelo tempo, permitindo-lhe, devaneado, acompanhar as andorinhas sobrevoarem sob os bolores do teto. Eram pelas indefinições conjugadas, aleatórias, dos bailados voos das andorinhas entrecruzando os manchados forros, que se desenhavam as claras previsões do seu próprio futuro, desvelado por Antério para si e para os companheiros do sanatório. Enquanto decifrava os volteios, sob os borrões, Antério sorria e saudava os vagados espíritos dos falecidos internos do hospício apegados ao local.  Nada havia no ambiente sem ser meticulosamente envolvido em signos, em símbolos, em hipóteses, que fugisse à acurada percepção de Antério. Quatro enfermeiros agitavam-se pelo corredor com suas bandejas de remédios e seringas a cata de compromissos, assistências ou fugidias escapadas às preguiças.    
Antério, camuflado, arrastando-se lento pela sombra para despistar o demônio, envolto em seu cobertor de lã crua, se inteirava das probabilidades futuras ao acompanhar, pelo corredor, os profissionais da enfermagem, cirandando entre os doentes nus, descalços, fitando o nada, ouvindo o infinito, se masturbando. Por serem os atendentes, um negro, dentes perfeitos, um obeso de meia idade, uma enfermeira nissei, loira, de óculos escuros, um homossexual extrovertido, envolvidos todos em socorrer os estáveis com afagos e os agitados com camisas de força, concluiu Antério, corretamente, não haver contradição das andorinhas revoarem do vitral central em direção à capela, respeitando sempre os signos do porvir, mas contra a luz. Tudo era tão claro na evolução das aves aproveitando a queda da brisa e a ascensão da constelação de Aires, grafada no imaginário de Antério. A reflexão das demências ou sanidades sobre os atores era literal: almas, andorinhas, enfermeiros, doentes, futuro, desejos, ansiedades, bolores, mudez refletiam destinos. Os aparentes paradoxos eram um livro aberto, uma homenagem ao óbvio, a ser lido. Tempo, silêncio, contemplação, fé; na capela Antério sussurrou a Caltégio Recil, que fugisse da fila de comunhão da esquerda, pois as hóstias ali oferecidas pelo sacristão, um estroina, e não pelo monsenhor, foram desconsagradas arbitrariamente, sob a alegação de que o cálice delas habitara o ofertório do beligerante São Jorge, ativista de candomblés.
Confirmara-se a exatidão dos fatos, pois o próprio Antério consultou seu pé esquerdo profundamente afetado emocionalmente e só aguardando as determinações do imponderável, que o mordiscava insistente sob a bainha do cobertor. Hértese Ábias, companheiro de quarto, confidenciou-lhe, de soslaio, que se a lagartixa eufórica o provocasse novamente seria deixada em jejum, lambuzada em angústia com ejaculação e a hipnotizaria para exibi-la às visitas dos parentes dos dementes. Antério considerou que a sanidade de Hértese estaria em fase bipolar. Habilidoso, com carinho, despregou Artério um triste reflexo da gota chuvada pendente sobre o vitral e beijou o mimo antes de entregá-lo a Hértese. Dissuadiu-o assim de gestos agressivos, pois haveria sempre o conflito existencial: morreria o dia em solfejo ou o pesadelo galoparia sobre os delírios? Signos das hipóteses ao cair da noite, solidão e destino.
Ceflorence     28/11/16    email          florence,amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

AZUIS, CONFLITOS, SONHOS.
Pode-se, do infinito e do além, atender o chamado ao Adhan, a sagrada prece dos devotos islâmicos ao Senhor Poderoso da criação, da morte, da vida. O canto lúgubre e sonoro dos Almuadens, acalentados nas solidões das altas almádenas, que os impuros depreciam suas imagens ao nominá-las de minaretes, reforça a imensidão do poder e da santidade de Alá. A hora é de fé, labuta e destino para a reverência e a genuflexão lavarem a alma e cremarem os pecados. Enquanto os pássaros volteiam pelos mesmos serpenteados do rio encantado destinado à purificação das virgens, nada melhor do que se envolver abismado pelas ruelas e becos, a cada passo dado, ao desviar dos tapetes cobertos de oferendas, ao léu, no mercado de Ranjihad, na Estípia Superior do Grantihá. Alá seja maior e proteja sempre os justos nestes destinos de amor faltante e angústias imprevistas, enquanto não os conclama ao juízo eterno. Exatamente com os indispensáveis cuidados tomados para os pisares cautelosos não molestarem as oferendas fartas expostas, circulam os transeuntes carentes à cata das escolhas das melhores fantasias e das mais delicadas imaginações.  
Cirandam despreocupados sem maiores atenções os curiosos, até se encantarem, estarrecidos, à frente da tenda de Lehann Bandiche ao verem, descambando, esparramados da porta até o mais íntimo interior, aconchegantes, mas desordenados, os melhores delírios e os sonhos mais sutis por ele roubados das deusas imagéticas. Meticuloso e tão logo as chuvas miúdas e alegres de verão terminem de brincar de enxaguar o infinito, Lehann se atiça competente para o sequestro dos sonhos novos e delírios saborosos, que as deusas, cautelosas, tecem no âmago das suas intimidades, com carinho, para alimentarem os menestréis e os poetas. Reclamam as Deusas-das-Cores entrelaçadas ao pé do arco-íris, serem sempre os melhores e mais caprichados sonhos e delírios, que o sagaz mercador, Lehann, lhes surrupia nas caladas das madrugadas, sem as recíprocas compensações de fantasias e, pior, sem remorso algum. Fantasias são as matérias primas, edulcoradas, revestidas de delírios para refazerem eternamente os devaneios imberbes.
Os sonhos e os delírios roubados por Lehann são disputados por seguidores abnegados e viajantes indômitos, após atravessarem desertos de insanidades e mares bravios de loucura. As virgens chegadas escolhem seus sonhos na tenda de Lehann para despirem seus véus diante dos príncipes idealizados em sonhos. Os moços descem de seus corcéis fantasiados para, ao luar, imaginarem ousadas bacanais com beldades acaloradas, nuas. Os idosos ouvem em silêncio e dos confins, os ritmos dos próprios desejos inconscientes, ao sincopado dos Almuadens, aguardando as promessas de garantirem lugares destacados, entre brumas doces, eternas e suaves, ao fantasiarem seus sonhos de além ao lado de Alá, todo poderoso.   
Madrugada: tão logo o silêncio se apodera das almas e todos adormecem, deusas e Lehann conchavam no recôndito das iluminuras, ao pé do arco-íris. As deusas se refazem, sorridentes, rastreando as virgens, os mancebos, os idosos e em surdina escambam os sonhos roubados, então sob os travesseiros, pelos pesadelos mais calhordas. Os almuadens lançam sobre as deusas e Lehann as benções calmas de Alá.
Ceflorence    22/11/16      email   cflorence,amabasil@uol.om.br

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

RENASCENÇA E ENTROPIA
            Muito nos primórdios, antes até do entrelaçamento das poesias e dos azuis brincarem de beijos ao gestarem utopias, quando as lágrimas se recolhiam e os sonhos desabrochavam, mesmo anteriores a criação do aqui e do agora, só se apresentava ao infinito e ao porvir a sólida imensidão do nada. Tanto que se deram os relatos, estes, transcorridos nos inícios dos quatro bilhões e meio de maturação, mensurados em anos de fantasias, os quais precederam o período posterior compilados em badaladas longas, mas decididas, já nos atuais eventos-luz. É fundamental registrar, portanto, que estes fatos lastreavam-se no abstrato, no imaterial, meticulosamente grafados só sobre o além e envoltos em brumas suaves, mas vazias. Nestes incontáveis etéreos bailavam ao sabor dos acasos indeterminados e sem qualquer rumo ou objetivo o conjunto de sete deusas, gestantes posteriormente do que se chamaria universo. Na contrapartida dos intangíveis, instigados de despautérios, tresandavam os seis demônios, articuladores do caos e da entropia. Foi assim que se consolidou, passados milênios, com estas matérias primas básicas, criação e caos, então manipuladas em conjunto pelas deusas e capetas, o incomensurável e eterno cosmo.
Nestes idos agitavam-se babeis de desentendimentos entre os demônios eriçados e as excitadas deusas, inebriados de nada, os quais, pura e simplesmente, perdiam-se pelos labirintos dos infinitos vazios. Pairavam em todos demoníacos endeusamentos angustiados pela indefinição do futuro. Confirmavam-se, portanto, as afirmações: a angústia, filha da liberdade, desandava entre as carências das opções sem saberem as divinas e os endemoninhados como fugirem das inércias pachorrentas. Habitavam aquelas deusas criadoras e os demônios caóticos imensos despovoados à esquerda do todo poderoso nada e este assistia indiferente alongar-se pela sua direita sem conta o vácuo perene. Neste inacabado conflitante porvir as alegrias e os motivos da vida como a ética, o ódio, a moral, o pecado, o amor, a inveja, o arrependimento, a preguiça, a luxúria, a saudade, o egoísmo, o gozo, a ânsia e as infinitas emoções, incontáveis, substâncias indispensáveis para fruir o existir, ficavam zunindo desocupadas, desvalidas e soltas em torno dos deuses e capetas ociosos.
Deusas e demônios, na solidão do nada, passaram a brincar de perseguir os desejos, os amores, os ciúmes, os gozos, as emoções e os sentimentos todos que fluíam pelos vazios. As sensações bolinadas e trocadas de mãos carentes foram acarinhando as deusas e excitando os demônios. E das bolinas trocadas se instigavam os afetos, lambuzavam-se os desejos, desapareciam as distâncias, lambiscavam-se os ciúmes, enalteciam-se os gozos: “censuras libertem-se” esgoelavam os infinitos a cata dos desejos. Delirante amanheceu o azul imenso da orgia retardatada e o provérbio conchavado ao infinito sorriu ao despedaçar o nada. Deusas eróticas, carentes, arreganhavam desejos úmidos excitados para receberem os caos diabólicos eriçados.
Deusas- demônios, gritos felinos, prantos, orgasmos: sorri deus, amassando o barro, com que lapida à sua imagem e semelhança, o homem, o amor, a inveja, a ódio. Cria, pois a vida, o cosmo, o sonho, o delírio e assiste o caos e o imponderável.         
Ceflorence    16/11/16      email    florene.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

ANTROPOFAGIAS E SUCUMBÊNCIAS.
Por falar, foi ali que se deram os ocorridos, como a corruíra viu e cantou sisuda, fugindo abeirando por baixo do gordura verde, atolado de viçoso, que escorria alegre e exibido até o curral da Joana Caolha do Piritá; morta então! E nem se deram conta os chegados de satisfação prestar, pois foram todos comportando assemelhados, sem se preocuparem sequer com separar desaforos, gestos e destinos, meio no aprendido dos iguais, como se punham os antigos em dando de atender procedimentos antes das carecidas rezas para defuntos, para decisões das tropelias e para repartições dos deixados. Assim se pôs e por precaução ninguém desmentiu ou desfez o que deus acordou. Instigados de ganâncias, desolhando de lado, cuspindo pardo, atrevidos, mal proseando, arribando de cada canto da corruptela, Inhutá dos Perdões habitantes, traziam proposições, eles só, aos magotes, de dividir desaforos e conjuras. No intento, muitos, de se garantirem das pequenas para as miúdas insignificâncias deixadas pela morta, ida de pouco, sem nem maturar em defunta consagrada pela extrema-unção pedida nos corretos das crenças.
Malita escolheu o xale vermelho, enfeite da avó, para visitar o cônego nas missas de festas e o vestia, de quando em quando, no raro em que o avô a levava de charrete ao baile na tulha. Por ser filho de cria do Borá, irmão da morta recente, Ciborinho da Pega, peão conhecido de cavalo xucro e redomão do arruado e das dobradas, fartado de petulante, atinou de despendurar lombilho velho e de se fazer dele dono, por se ver merecido. Mosquetinho Juruba unhou a cartucheira e o corote maior de pinga para justificar a dívida que a recém-falecida pendurara na compra de seis frangas carijós, uma peneira de taquara e um urinol de ágata. Nelinha puxou da cristaleira torta dois pratos desbeiçados e a panela de ferro de fritar torresmo; mal encarada, apanhou os trens em nome da mãe, que não veio por ter lavado a cabeça e entortado a boca, convulsão. A mãe, velha, prima da defunta, ficou secando ao sol se pôr, até.
O último a aconchegar, aportando destino, foi Cônego Gefrâo de Pádua, que na provisão dos confessionários anotou, correto, que no oco disfarçado atrás do forno de lenha escondiam-se, na bruaca, mil contos de reis. Pertinente de fé apurou o havido, por seu sendo, no bolso da batina; feito o tido por bem, liberou a alma pela extrema-unção. O silêncio obedeceu ao sol, deus cerrou os olhos para Inhutá anoitar recolhida.     

Ceflorence    08/11/16    email    cflorenceamabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

MIILINHA
Encorajado, só agora, arrisco escarafunchar medroso passados e tristezas. Ao me dar perdido pisoteio devaneios, como os dos potros embolados que me entusiasmam espelhando fantasias, brincando de solidões e demências ao achegarem às beiras das aguadas fartas do Puntiarã. Por agora repiso minhas ânsias carentes de ousadias. Ousadias jamais emprenhadas, mas fantasiadas, de escrever-te ilusões minhas, o que sentia e, por bem pôr-me, do que ainda sinto. Isto tudo para o vagueio de campear nos telhados velhos e nas paredes escorridas de mofos e decadências do sobrado de onde nunca fugi. Deles, emparedados telhados, abrir-me só agora a ti. Estes desacertos se dão, ao perseguir os desenhos dos bolores grafando, fundo, as saudades e melancolias, do sobrado nosso, nosso da infância juvenil.
Nunca compartilhei, inibição e acanho, digo agora, meus desejos e sonhos por ti, mas, por assim sendo alertado, soube por Leta, minha irmã, também tua prima, que voltarás a Assunhãe e ao sobrado, após sumires por tantos. Naquilo e naquele, aonde e quando o Puntiarã dobra e encobre, te carreando em desfeita a mim, quedado ali eu calei, arrastando junto tua ternura e minha paixão, e o trem sumiu. Abro só agora os desejos para conheceres que na plataforma fria ficamos, abanando mãos e sonhos vazios, a angústia soberba, acossando meus pedaços e o cipoal de desespero. Intuo que tu sabias, sem quereres saber, que tal se dava assim tanto, pois nem olhastes para o adeus e para as duas lágrimas, mas disfarçou fugindo, ou fingindo, tuas vistas à garça pescando melancolias sobre o Puntiarã; e o trem se indo foi. Camondinho, tropeiro, resmungava: “o carnegão difícil de romper é a mentira que contamos só a nós”.
O passado, o presente e o futuro são meras ilusões embaralhando devaneios. Tanto sim, que ainda tropico hoje nas mesmas tábuas velhas, rachadas, perseguindo tuas sombras e ouvindo teus sorrisos, sobre as salas e os corredores do sobrado. Não estarei aqui na tua chegada: o trem carregou meu limite de angústia e tristeza em tua partida. No entanto, o passado estará inteiro no presente quando o futuro próximo te trouxer. Os três momentos te envolverão de melancolia ao te saudar. Verás Leta debulhar pela casa, desde o alpendre até o seu quarto, as pétalas das camélias colhidas do vaso grande, pois acreditou sempre que o Dominho, seu noivo assassinado na zona, há muito, voltará pisando macio as flores para estilhaçar a tristeza que a tomou desde então. No sobrado, o tédio se apascenta galhardo. Escondemos do Vato a garrafa de pinga atrás da bilha d’água e fingimos que ele não sabe e ele disfarça não beber. Coisas do sobrado, dos espíritos mentirosos e que nos sabem bem. A alma de Vó Tiúca estará à janela esperando o Vô voltar do além; não te assustes. A maritaca chocou, como todos os anos, no forro e a brisa beijará, de novo, o infinito e o azul.     
 A ousadia, depois que irrompeu de manhã pelo sobrado, pela minha angústia e pelos meus arrojos, se acovardou de sobejo, subiu pelas paredes encardidas e me espiona do forro carunchado. Eu, dissabores, como sempre soube fazer, caminharei agora, choroso, às margens do rio. Ali continuarei mentindo-me acovardado, depois rasgarei estes rabiscos lamuriosos, lançá-los-ei sobre as águas mansas do Puntiarã e fantasiarei que te chegarão pelos remansos das ilusões e acasos dos sonhos. Beijos.
Ceflorence    31/10/16        email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

EROS-AMÍGDALAS E CORRUPÇÃO
Recentemente, conhecidos cientistas dedicados às pesquisas em neurociências concluíram que a prática constante da desonestidade e da corrupção reestimula e reforça o próprio vício, incrementa a sensação de impunidade e, de forma sintomática, reduz o complexo de culpa. A humanidade demorou a comprovar o óbvio, mas, devagar, obrigou-se a descer das árvores e conscientizou-se de que todas as trilhas e passos, depois dos tombos, levariam a Roma.  Eros e Tanathos nunca se amasiaram em beijos, mas deram sossego: os tempos fizeram-se difíceis, mas foram a troteados. O inusitado, para mim, deste trabalho acadêmico, é a constatação de que o ponto real, fisiológico, para encontrar e poder medir este fenômeno de acomodação à desonestidade humana, ocorreu e comprovou-se estar localizado, fisicamente, de forma madura e entranhada na estrutura do cérebro, exatamente em uma área denominada amígdala. É neste ponto, na nossa amígdala cerebral, que a corrupção é acarinhada, gratificada e estimulada de maneira serena e crescente.
Na mesma virtude de destinos, quinhentos anos andaram desde que ao ensejo de marcar o rompimento e rever, revolucionariamente, o pensamento medieval, Descartes já assentara também na sua idealizada amígdala, que não podemos constatar se coincidente ou alternativa a dos seus colegas atuais, como sendo o local, o centro e o momento da fusão de entrelaçamento da alma e do corpo. Este ponto de junção entre a matéria e o espírito não foi objeto de esclarecimento de Descartes, se seria, adicionalmente, a real alcova, imaginária e fantástica das gestações de sevícias carinhosas e sexuais. Ao que tudo indica, escapou de definição, do gênio e do filósofo, se trincheira acalorada, inexpugnável, poderia ser a sua amigdala, talvez, para os desejos, para as fomes e para as ansiedades. Por último, perguntaríamos sem ser excludente ou exclusiva, a amígdala seria ponto ideal, exato, na mente em ebulição para devaneios transcendentais, sublimes e espirituais e assim criação dos deuses e dos demônios? Mas estas questiúnculas materialistas menores não seriam jamais objeto das atenções dos iluminados e muito menos de Descartes.
            Nisto tudo, para ser sincero, a que cheguei depois de pensares soltos, tivesse eu a alegria de conseguir o meu abajur lilás, com que sempre sonhei desde que se me dou por ser, o chamaria de amígdala, pois teria ele o condão de unir, como as amígdalas nobres dos pesquisadores e de Descartes, através da luz, a sutileza espiritual da leitura, que minha alma absorveria e fundiria com a materialidade concreta das palavras, dos conteúdos e das formas ricas dos livros. Não sei o que o Phenóxer, meu cão censor, velho, banguela e mal humorado, dormente sempre ao lado esquerdo da cama, responderia sobre estas ansiedades lilases, pueris e dispensáveis. Com certeza, contumaz crítico das minhas insignificâncias e mediocridades, nada mais do que puramente pena e desânimo por suas frustradas tentativas de reabilitar-me.
            Noite - Eros, Thanatos, Descartes, Phenóxer e eu sumimos nas entranhas das amígdalas fantásticas e das corrupções inacabáveis. Jubileu dos leitores agradecidos.
Ceflorence         email    cflorence,amabrasil@uol.com.br

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

VISITA EM AZUL
Minha angústia e eu não nos colidíamos, ébrios ou sóbrios, há mais de um desespero robusto, duradouro e fugidio como sempre foram nossas antíteses, pois os confins ambicionados não se afinavam em métodos e rituais acordados. As psicoses mais maduras passam por estas fases antes das reconciliações saudáveis com o absurdo e com o surrealismo. Abençoado renascimento que permitiu à consciência puritana despir-se de misticismos e a loucura foi franqueada aos ingênuos, aos larápios e aos idiotas. Mas retornando a alma, minha, e a angústia, nossa, por solicitude de ambos a tentar soluções, marcamos encontro para sanar nossas diferenças. Deveríamos atingir ao mesmo tempo a vertente oposta de nosso conflito, auxiliados pelos demônios insanos e termos, pelo outro angulo, o da retaguarda, a solidão acalentando-nos. Registre-se ainda, sofrendo de nevralgia a solidão após as sessões de terapia de grupo e ablução espiritual a que nos impúnhamos. Até mesmo antes do porem habitual, nossa solidão despontou inesperada, pontual como o desfecho da ingratidão, fantasiada de azul, mas tentando calar-se enquanto as lágrimas acompanhavam a ansiedade da libélula sofisticada, galgando as partes mais inusitadas do porvir, desfrutando lascas do futuro próprio e exibindo-se ao provérbio petulante. A libélula estilhava delicados anseios de paixão pelo proverbio aristocrata e indiferente.
Ainda em tempo a janela do sótão escancarou-se para acarear se o vento faria parte do futuro, da nostalgia ou do insolúvel, enquanto duas ansiedades, por fora, aguardavam para assumirem papeis fundamentais de gestoras do azul. Era sabido, por mim e pela angústia, nestas circunstâncias, que ao cair da tarde as memórias viriam a cavaleiro do infinito, arrastando, mesmo contra a vontade, os traços e os preconceitos mais exaltados do passado insolúvel e inconsciente. Em função dos fatos consumados nos impusemos, angústia e eu, meditação, silêncio e poesia. Para contornarmos nossas intransigências, deixamos de sobreaviso duas alegrias palpáveis e uma mariposa no caso da libélula irritar-se enquanto, emocionada, não osculasse os lábios do provérbio.
Sendo momento oportuno às propostas transcendentais, este movimento só se cristalizaria quando as metamorfoses das borboletas se envolvessem na captura do porvir natural e espontâneo. Nesta busca, no propusemos, sempre angústia e eu, a decompormos em harmonias dodecafônicas nossas demências ainda neófitas, para se esconderem alegres, como crianças livres das censuras. Só criaríamos rimas e fantasias destruindo as censuras que carcomiam os sonhos e os delírios. O além não interferiu.
Afetivos debulhamos, a angústia acomodada sobre sua nostalgia mais adequada e eu revisitando os traumas do complexo de Édipo, duas dúzias de pétalas de rosas vermelhas sobre o provérbio camuflado, então de azul se exibindo, para que ele abdicasse da soberba e volvesse seus olhos mudos para a libélula apaixonada, sofrida. Bemol era a cor das memórias em casulos antes de se esconderem no poente.   
Ceflorence      18/10/16    email   cflorence.amabrasil@uol.combr

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

CEM ANOS DE GRANDES SERTÕES.
À mesa grande, desconjuntada, sentado na sala da casa velha ruindo, pelo mesmo lado que o morcego solitário, indeciso, se encantava com a coruja ao lamber, molenga, suas mazelas e tristezas na cumeeira, não via eu mais do que a prateleira carunchada da estante caindo e desacomodando desordenada pilha de livros largados. Na fileira do meio, obras desajustadas ao dará, acompanhava eu a tábua torta sob o peso e o tempo, alongando-se para me chamarem atenção os dois últimos exemplares. Estilhaçados, se enrolando umedecidos, exibiam-se ali do fim da fileira - Guimarães Rosa - Grandes Sertões: Veredas e Gabriel Garcia Marquez - Cem Anos de Solidão. O destino ou o desejo, nunca apuro por preguiça ou rabugice, roçou pelas minhas pernas e segui o rato mais antigo do sobrado, sem questionar, subindo pela prateleira do meio e, requebrando faceiro, retornar provocativo, fitando-me, atrevido e enfeitiçado, assentando-se ele sobre Guimarães e Garcia Marquez.
            Fantasiei desafios dos aléns apontados pelo roedor sênior. Arrastei-me à estante e puxei Grandes Sertões, que trouxe compelido, atadas às suas entranhas paginadas, Cem Anos de Solidão. Joguei as peças assustadas, carência de manuseios há anos, sobre a mesa e garimpei Guimarães, para rever saudoso o Riobaldo, das guerrilhas labutas, se aloprando indefinido, machista e perdido nos tormentos afetuosos inexplicáveis do seu fascínio confuso por Diadorim. Nas refregas das capoeiras, sob o silvado das carabinas baleando, volteei às lutas dos sertões. Atordoei plasmado, no entanto, pois os percevejos embaralharam os caminhos das palavreadas tramoias para jogarem os atribulados Diadorim e Riobaldo, depois de cortarem atirando pelas quiçaças mineiras, serem pegos invadindo, pelos trilhos da Estrada de Ferro da Companhia Bananeira, os fundos do Quartel de Macondo aonde o Coronel Aureliano Buendia se preparava para enfrentar o batalhão de fuzilamento. Por ordens do governo central o executariam de pronto, não fosse a oportuna chegada do grupo chefiado por Riobaldo, escapados dos sertões de Guimarães e irrompendo de supetão na cena da estória florida de Garcia Marques. Assisti assim, sob os beirais ruindo, por lampejos criativos dos percevejos rebeldes e revisores, versão outra do original.
Em resposta inusitada, graças às grafias novas dadas pelos percevejos surrealistas, o Coronel Buendia, exibindo o peito enorme nu, tatuado, tomou um dos fuzis dos executores do pelotão e se arremeteu contra os jagunços das gerais, enaltecidos por Guimarães e bradando furioso espanhol – hijos de unas putañas, Garcia Marquez mi arriba desta loucura de libro sien direction! Ursula repôs sobre a mesa capenga as garrafas de cachaça e tequila a tempo de ouvir Garcia Marques mostrando para Guimarães, no mapa das liberdades literárias, a trilha das fantasias por onde as Gerais das agruras se achegavam ágeis à Macondo das quimeras surpresas. Diadorim, o coronel e Riobaldo se entreolharam com as garrafas portadas, estupefatos - seriam personagens, eles, do realismo fantástico ou os gênios criativos endoideceram?
O rato velho sussurrou para espacearmos, pois a magia empolgada dos escritores e dos personagens mastigava a realidade pretensiosa, insossa e inútil ali.
Ceflorence    09/10/16        email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

ACASOS E DESCUIDOS
Veio com certo imprevisto, pelo que me chegou sem relutância, a suave vontade de pecar, invadindo-me, mansa, pelo lado da esperança e do coração, em sustenido como os profetas acalentam, é lógico, pois ainda o sábado entardecia em se fazendo alegre e descontraído. No entanto, apropriadamente, na antessala, a luxúria já valsava redondilhas e falsetes descontraídos e, pelas calçadas, beijos liberados ao dará folgavam. Sem poder cumprir índole outra, assumi formas e desatinos com sabor dos acasos e dos descuidos das marés, enquanto espiritualizava estas euforias nas situações oferecidas. Tanto é verdade, que a carne e o pecado se enfeitaram unidos de inusitados para se abrirem ao infinito, lambendo-me ambos, empolgados, desde as censuras até as angústias. Decisões divinas não se interpretam, as sinas as acalentam. Propositalmente, os algozes íntimos da crítica cruel, que eu aturava, foram sendo degolados alegremente pelos libertinos que liberei da euforia e da libido.
A esquizofrenia é uma benção a ser idolatrada respeitosamente: a parte da alma no altar do amor e a da carne no oratório da loucura. É simples: sou o que não sou e não sou o que sou, mas reafirmo isto, exatamente por acontecer sábado, quando amanho o paradoxo afetivo, que carinhoso me visita, para então interpor respeito e saudação, pois assim prefiro saudá-lo, sem paroxismo, com vinho tinto e anchovas ao invés de missa de sétimo dia e extrema-unção. O pecado, o paradoxo e a luxúria sentem-se melhor contemplados dentro destas posturas mais conservadoras e tradicionais do que com alusões imaginárias ou transcendentais. Indefinições sabáticas para agraciar o desconchavo ocorrem.  No entremeio, arribou o vício cativo e calmo, pecaminoso de agradável, galhardo, embalado pela esquerda dos meus anseios, acomodados circunstancialmente. Firme-se, no entanto, estava ouvindo eu, já, o sabiá chorar melancolia entre o desconsolo e o azul. Sabiá é assim, por ser, chora para desabusar em si, esperando a companheira enfeitar-se de ternura, enquanto aguarda o porvir.
Bolinei, por ser prudente e oportuno no momento, meu pecado preferido e carinhoso, pois os desejos se impõem engalanados como poesias sobre os cata-ventos quando assentam para os destinos e esquecem os passados e as solidões.  Aconchegou-se à suave vontade, pecadilho em efervescência sutil, beliscando e mordiscando meus intuitos nobres, para excitar um tropel de transgressões, em primavera, lambuzando-me de orgasmos e brincando de desejos. O afeto, justo como o sabor do silêncio da brisa, atropelou, galopando até encontrar o nada e nos engalfinhamos em cobiças e sonhos. Isto ocorre ao cair do devaneio e ao eriçar da preguiça: importante, nesta ordem. Foram os demiurgos que criaram os pecados, para depois os satanases os excitarem com os temperos dos delírios, para desentediar, todos, deuses endemoninhados, dos conflitos inúteis e das cerimônias idiotas de louvação e oferendas.  Os pecados, bem elaborados e gratificantes, obrigatoriamente instigam a imaginação.
Nesta linha de abordagem, cuidadosa, o pecado delicado, que me elegeu carinhosamente, trazia uma flor envergonhada e disfarçada sobre o imprevisto, que preferia sorrir ao se debruçar para espargir gotas leves de vícios sobre minhas escoriações sensuais. Enquanto isto, a paixão desabrida aguardava a oportunidade de oferecer-me, disfarçadamente, o ópio que a papoula lhe concedera para nutrir a carência da minha lascívia.     
Sábado tendo sido, os deuses escaparam de suas solidões a cata de almas novas para se alimentarem nas bacanais. Ai, a loucura luxuriou-me alegremente e o pecado fustigou-me.
Ceflorence         05/10/16    email    cflorence,amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

ALOPRANDO SOLIDÃO
E de muito silêncio guardado no sovaco carinhoso da perobinha de cima, a corruíra desafogou preguiça, no canto chorado, para desengatilhar o sol. Manhoso sol de mal humorado, bocejando querência de não nascer de vez, e por tudo, meio assim no desabrido e na des-serventia dos inusitados. Pois de muito antigo como se dizia, sol carecia de sempre nascer, atoleimado e vadioso, do mesmo lado que corria o brio imponente do vento castigado da Várzea dos Lobisomens. E vinha ele, sol, exibido de petulante, antes de se tornar poesia, sabendo carecer subir, encostadinho, pelo pé da trilha da Serra dos Leprosos, por onde deus tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos, quando por ali cortava caminho, descalço, sozinho, acabrunhado e no campeio do nada. E por ser ele, às vezes empacava de não sorrir de pronto no verde, que a mata enfeitava e nem negava, mas na retranca escondia, conversando o sol, desviado de destinos, com os pedregulhos orvalhados escondidos na neblina E se atrasava papeando com as macegas carinhosas, com as juritis risonhas e com os infinitos abobados que sabiam só campear os deuses safados, as musas difíceis e as tropelias das solidões que as almas não explicavam; sol e deus eram de assim mesmo ali, não careciam de portantos e nem davam conta de satisfação prestar a ninguém.
  Ainda sequer não era já noitão dos fechados, mas embora, talvez, quem saberia pontuar se correto poderia afirmar, pois o curiango ainda nem se desfizera da teimosia de desencantar da beirada, da beirada da prainha do riacho sabedor como ele só de saltitar as pedras que águas da Cascatinha da Inhãnhá beijava. Foi neste ali, quando Sepião dos Afonsos aportou no curral para desandar de fazer dia e cabrestear cavalo. E de lá ouviu gemido manso-triste, assofrido de vingativo, descendo escabroso, vindo chegando estupefato e enrugado de mal cheiroso de ver, quieto de ruidoso por silencioso de escutar, meio de apavorado de fazer medo, ateimosado, muito de prontidão e arribado nos desconfiados. Quem pariu o ganido dos Leprosos vindo, por diabo enxertado fora por certo. Sabia saber de longe, Sepião, que depois da Várzea dos Lobisomens, subia des-facetada de empinada a Serra dos Leprosos, amanho das almas descambadas, desarvoradas. O cachorro enroscou na perna, o potro resfolegou sentido e postura, o escuro assoprou carência, tudo acalentou desassombro.
No fazendo, esquecidos, tempos idos, Sepião deu conta, por prosa de velhos e falas veladas, que no pé da serra, na Serra dos Leprosos, acomodava, há muito, um lazareto, que as ruínas das taipas ainda restavam. Por sendo valhacouto de desproporcionais tristezas, doença ruim de sabido, fome carregada e desgraça, se deram de desespero os leprosos de fugir do leprosário, em bandos sem rumos e destinos. Os avizinhados da Várzea dos Lobisomens, muito abnegados de religiões e promessas, atearam fogo de morro acima no encalço de salvar as almas e separa-las dos corpos estraçalhados dos lazarentos fugidos, que até hoje, nas madrugadas, reclamam suas penúrias. Sepião afastou o cachorro das pernas, arribou o lombilho no potro, acomodou o infinito na solidão e destravou o ouvido, como deus, para não abusar da desgraça. O sol pariu destino, calou as almas e rumou sertão.
Ceflorence      27/09/16        email  cflorence.amabrasil@uol.com.br      

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

RIMAS-RITOS-RUMOS
Pois não é que, (?) o delírio encantando os lábios e acalantando as sandices, carinhoso ao se debulhar infinito, nem se fez de rogado para apaziguar meus sonhos e sequer lampejou ao serrar meus olhos. A tarde aninhou cirandas e volteios ao saber ilusões, mas se pôs a despetalar desejos como os deuses gostariam de afinar seus prazeres e cítaras. Permitiam-se nos entremeios, as divindades, disfarçar suas lamúrias, embriagados em néctares e saboreando ambrosias colhidas por ninfas. Fiz intento de não despertar, deixando estas ilusões bailarem, na falta de mais não ser, por ventura ou por vir (Porventura ou Porvir?) na espera de colher ansiedade mesmo antes de maturarem. Descobri que endoidecer, ao cair da tarde, inebria e apraz. É quando a alma, extenuada, volta à carne depois de viajar delírios nas imensidões azuis. Os anciões, ao se fazerem meditativos, no recolher das noites, no calor das fogueiras, pariam lendas e mitos, nos tempos das epopeias e dos heróis, deixando os potros e os centauros dispararem pelos infinitos borrifando fantasias e fantasmas. Mas como as lendas e sonhos findavam, os loucos como eu inventavam tramas para devorarem melancolias e embalarem anseios.
Por carinho e apego aos devaneios, ao contrario das fugidias incertezas no tempo, o poeta voltou a brincar de rumos e solidão, antes de ensinar o sol o retiro das trevas. Não me permiti ser visto, observando-o, como se exige para espionar os menestréis poetas, vendo seus passos fincarem marcas sobre as areias claras para cadenciarem as métricas e as inspirações. As insânias poderiam ser rastreadas nas rimas do poeta espargidas pelas areias, não fossem a crueldade das ondas apagando seus traços. Sem insânias os sonhos morreriam; sem o poeta os delírios não seriam gratas insânias. O poente pediu segredo para repor, na quietude, os pensamentos que desejavam fugir. Assim o céu, entre os perdidos por onde tresloucava, preferiu debruçar sobre o infinito e fazer-se em rimas deixando a maré retrucar com ondas salpicadas de desejos e brancura. Eram as lágrimas dos Orixás abençoando os puros, que revoltavam as espumas brancas dos desejos, caminhando eles, Orixás descalços e desolados, sobre os indefinidos. Pedi a realidade idiota para não me despertar.
Não fosse o esmorecendo das ilusões, desaprendido no sopé da infância, estenderia as malhas da rede de pescar fantasias e desbarataria nostalgias. Assuntei de longe o bardo esquecer sua vista cansada e displicente sobre o mar triste, pedindo aos pescadores que despregassem as velas, assim amaciando os ventos, por onde as gaivotas volteariam suas rimas. Lembrei-me das vidas e idas, quando joguei aos costados a mochila rota e desbotada, enfiadas nela minhas angústias mais carcomidas e apegadas. No ensejo de fugir de mim, acomodei, na mochila, mesma, livro lido para apaziguar a preguiça, sem levantar discórdia e angústia.
No tropeço das estradas, a tarde guardou o sol, eu me des-perdi do poeta, o poeta des-carreou das marés.
Ceflorence     20/09/16     email cflorence.amabrasil@uol.combr

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

CAIS DOS SONHOS E DEVANEIOS.

As melhores fontes, sempre, que jamais deixei fugir, foram encontradas nas grafias rupestres dos antigos Oncártigos. Estes, graças às suas inspirações milenares, dividiam as origens, as previsões e as sínteses dos sonhos em duas melodias, jônica e dória, três infinitos e seis metáforas. Dos incônscios destes entrelaçados manejos, destaquei, propositalmente, os sonhos mais confusos e, portanto, os mais saborosos para temperança das desovas e dos delírios, que brotam das divagações. A fissura invisível entre o crânio e a alma era o único intervalo estreito por onde ousaria lapidar o raciocínio sem ferir a emoção. Não pairava dúvida operacional. Os Oncártigos eram rigorosos e perfeccionistas nestes pontos e sob esta métrica ofereciam o local exato para cruzar, com sutileza e habilidade, o intervalo meticuloso, deixando o devaneio seguro de suas ambições e o delírio satisfeito em seus propósitos. Não havia opção mais elegante nas circunstâncias. Intuí: a destreza afinaria amasiada neste detalhe.
Na mesma contingência aproveitei o furta-cor onírico, mais ousado, afastado longe de lógica convencional e lerdo de explicação cabível, pois o labirinto se engalfinhou indefinido à minha frente perdida. Esta euforia, um paradoxo coerente de satanismo divino, grafada sobre a textura invisível ao apagar de luzes, inconclusas em desfecho, configurava-se infalível para obtenção do nada, por onde andarilhavam os melhores delírios. O nada é solução fatal para embaralhar os sonhos e cambiá-los por frenesis. Por sonhado, então, sido tendo, se dera explícito que esta matéria rugosa, o nada, flexível, esparramada em brumosos musgos instáveis, não deixaria jamais fugir pelas frestas finas as indefinições e as insânias, como havia pretendido.
A incerteza foi se arrogando entre metamorfoses, confirmando a presença do pensamento alterado, da demência virgem e do pedaço de azul arrastado pelas paredes intransponíveis, com intenção de me dificultar o sonho. Os dementes carinhosos me aguardavam do outro lado da fantasia, para nos confraternizarmos. Idílico, por metodologia, um odor de alucinação apoiado em um equilíbrio instável, suave, galgou as cores mais floridas. Achegou-se o devaneio, tão florido quanto, suportado em seus entraves vermelhos pelo poente e opondo duas jiboias entrelaçadas, amorosas, sobre o destino, sem plausibilidade à maré jusante. A trilogia clareara na composição do infinito. Estes sonhos, por sabido, se arrastavam indefinidos entre o invisível e a loucura, amadurecendo apetitosos como brotoejas de invejas e se esparramavam como orgasmo da solidão. Nada mais robusto para o delírio brotar.
O infinito se ajustou ao ruído do silêncio. Da praia surgiu o potro branco se oferecendo ofegante para espargir paixões e desembestar sonhos meus sobre as revoltas das ondas brancas. Implorei ao infinito para alucinar-me ejaculando delírio.

Ceflorence     13/09/16           email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

ALÉNS E PORTANTOS
O azul, que definia a ordem e o rito, imporia os últimos preceitos do adeus. Pairou a cor esbelta mimada no silêncio à espreita da fortuna e da sina, pois sabia que não poderia retornar sem levar consigo o enfeitiçado escolhido. Eram tempos de mudanças e Fércius de Monteses acompanhou, serenado, a garça em imponderáveis volteios, gestos simbólicos e místicos, para debulhar as ânsias e as carências de almas novas para os deuses insaciáveis. Do lado do poente, o vento era ajustado para exibir migalhas suaves de melancolia, preconizando um então, ou quem sabe um talvez; acenos controlados e medidos todos e assim ajudariam a selar o destino. A morte firmou propósito e ciosa acompanhou os olhos calmos de Fércius sabedor da hora se fazendo. Não interpôs, ele, a menor surpresa ou vacilo, pois contemplou do lado oposto o taciturno canto fundo da tristeza mensageira do fado. E no arremate das sortes traçadas, o potro castanho de crinas beijadas pelo infinito, se achegou passarinheiro para o adeus se dar tão logo Fércius, a cavaleiro, partisse. Não havia dúvida e nem se desperdiçaram lágrimas.
            O infinito inverteu conceitos e valores, tanto que o azul virou verbo e o chão sumiu vergado em saudade, permitindo à morte, lasciva, despir-se do negro e insinuar-se nos brancos véus, translúcidos, por onde exibia sua nudez excitada e os seus desejos carentes de afago. Sete virgens ofereceram seus seios entumecidos aos flautins portados pelos querubins. Os pecadores mortos liberavam seus ossos, acomodando-os à beira da solidão para a ereção, ali, do templo à angústia. Já os falecidos beatos emprestavam seus ossos ao altar da incontinência sexual. As carnes flácidas, desprezadas pelas almas, floriram pela alameda principal onde, no final, por duas entradas imponentes, deus e diabo escambavam seus seguidores: o senhor imprecava maldições com gestos autoritários e encaminhava piedosos e compadecidos ao demônio para serem entronizados na luxúria, na lascívia e no pecado. O demônio se descartava de seus pecadores e os dirigia ao santíssimo para se deleitarem de contemplação, de pureza e de rezas enquanto se eternizassem mortos.
Fércius, indefinido piedoso pecador, aguardava no limbo purgativo até decidirem seu destino, mas sonhava voltar no potro castanho à vida.

Ceflorence    04/09/16       email   cflorence.amabrasil@uol.com.br   

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

RACIOCÍNIOS, COTIDIANOS E DELÍRIOS.
Nossa rua, além da brisa sorridente e do amor, só dela por destino e pelos deuses capetas, era agregada de treze sonhos alegres, azuis de dia e desinibidos à noite, se espalhando escondidos pelos meandros de cada muro, de cada menina e de cada alma extravagante. Nossos sonhos na rua divertiam-se escalando janelas e trepadeiras a cata de estrelas, deixando as fumaças dos balões desenharem os desejos e brincavam de esconde-esconde conosco. Enrolavam, os sonhos, o porvir ao acaso, em delicadas alternativas a disposição, antes de se recolherem. E sem avisar, os sonhos impregnavam, carinhosos, as consciências distraídas passeando pelas calçadas e as arrastavam para devaneios e beijos. A incerteza nunca passou por lá, enquanto eu não desaprendi de ser criança.
Ali mesmo na nossa rua, por acordo tácito, limitamos as alternativas ruins, para que as professoras e as mães, mal intencionadas, não inventassem outras além das já definidas, em três por dia na semana e quatro no domingo, por causa da adicional obrigação da missa antes do futebol. As alternativas boas ficavam jogadas ao leu e ao dará pelas portas das nossas casas com as bicicletas, nas gavetas das bolinhas de gude, nos varais, aonde se penduravam as calcinhas que escondiam os imaginários ou no vidro quebrado, em segredo pelo Quiririca, no banheiro das meninas, na escola, por onde as fantasias enxergavam muito mais do que a vista. Quem, dos sete da turma do Bueiro da Gruta, obedecesse em um só dia mais do que três alternativas ruins, virava vaca-amarela ou ficava sem ser primeiro na bolinha de gude; e tome gozação.
Mas a noite, no silêncio dos fantasmas e dos ladrões subindo pela solidão e pelo escuro, a única salvação era a promessa de obedecer e pedir desculpas, depois do beijo materno carinhoso e com ele o medo enxugado pelo seu coração enorme. Em seguida agarrava eu a bolinha de gude azul, a campeã mágica dos sonhos, e, ao beijá-la, marcava o gol perdido à tarde. Por fim a bolinha carinhosa vertia-se doce na pele de Libinha, irmã do Vilu, dona da calcinha do varal. Escarafunchava, Libinha, com seus olhos tão azuis como a do gude, pela minha alma mole, invadia minha cama ingênua e tal um dos treze sonhos amealhados pela rua, me lambuzava de fantasias e desejos. Que é da rua, da infância e de Libinha?     
Ceflorence   20/08/16      emal  cflorence.amabrasil@uolcom.br

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

SOLIDÃO, ADJACÊNCIAS E FASTIOS.
O tempo amaciado na preguiça temperava o destino com o mesmo silêncio da melancolia do cravo se deixando esparramar, abandonado e indiferente, ouvido pelas ruas se entrecortando. Por oportuno, também poderia dizer o tanto mesmo das vielas e das vilas quebradas, estreitas, escalando indiferenças e acasos da topografia. Tudo arrastava melodia por onde soubesse cidade a ser invadida pelos teclados dedilhados, do cravo. Mas, no proveito das verdades, prefeririam figurarem-se vazias, se lhes desse escolher, para morrerem na embocadura das saudades ou no sopé do nada; as ruas, as vielas, as vilas, as almas. A vida se fazia de poucas coisas, mistura salobra de solidão e nostalgia, àquele fim de tarde, enquanto o azul se fantasiava de adeus. O sino avisou que não adiantava tentar fugir da solidão, pois eram seis as horas das aves-marias a procura dos espíritos pedindo preces e meditações. As gotas d’águas, tão vagarosas de poucas, que poderia contá-las em si, pendiam do telhado velho, em lágrimas curtas como o tempo pedia e eu conseguia até escutá-las, sem me dar acarinhá-las como queria. Acho que não conquistaria tal, mesmo se por deus fosse ou quisesse. A vida se faz de fim ao cair mansa nas tardes de Assunhãe dos Perdões, quando todos fogem para receberem suas noites e suas tristezas nas solidões das casas próprias.
            Enquanto ouço o temperado cravo, mas longe suficiente de meus imediatos, sem com ele entrar em polêmica e também, se diga, sem afinidades, divago com o gato perspicaz, de porcelana cor-de-rosa, se tanto, pelas pintas fugazes que exibe contra luz. Acomodado gato, se faz claro comigo em conversa, sobre o silêncio da estante carcomida, mas imponente, dos livros com os quais as traças mais atentas e informadas trocam desejos, sugestões e destinos. Prefere o felino, doce, ao amaciar as patas com lambiscos sutis, os desaforos de um Bandeira, Manuel, a irreverência de um Drummond, os trágicos gênios, figurados, de Guimarães, sertanejando guerreiros e posturas nos imagináveis dos percalços e despropósitos. Os clássicos, sobre os quais passeou suas atenções inúmeras vezes, saboreando desde Vieira à Machado, estirados todos sobre as prateleiras carunchadas, os respeita, como procedente e devido, mas acomoda-se, o gato, mais a vontade, sobre o inusitado, a rebeldia, a irreverência. Os bolores nas paredes são prestativos e atenciosos para saudarem o tempo mastigando o velho sobrado, do gato, onde me deixa refugiar, debruçado sobre a calçada de Assunhãe. Aveludados e amadurecidos, caindo em desenhos abstratos sobre as paredes, os bolores se esticam ouvindo o cravo distante.
O gato, atento à crônica de Paulo Mendes Campos, discute-a com o percevejo faminto, curioso, que o rato acaricia com nostalgia antes de devorá-lo. O sino dobra-se ao apelo do cravo: retirarem-se para o além, só então. Assunhãe repousa solidão.
Ceflorence    21/08/16       e-mail  cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

ASSUNHÃÊ DOS PERDÕES.
            No esticado do destino o fogo-apagou piou manso na Cachoeira da Juroca, aonde o mundo começa, embora poucos saibam, mas fica o dito. E pelo lado da serra arribada de mato, ainda fechado, escondedouro dos silêncios e de lá escorrendo pelo lado da ternura a queda d’água graúda; graúda de boa e farta. E tudo bem contado, antes um pouquinho da juriti dar sinal, de longe, que ouvira e, portanto, o repique era merecido de ser postado para contraponto do chegado ouvido canto ameno do fogo-apagou. É nesta toada que a cantoria da passarinhada se aperta para justificar o verbo ser. Madrugador bocejo espreguiçado, o mundo era carente de por o sol a par de desfazer as quiçaças das trevas e das quebradas para o nada desvirar em sim. E estava de acordo com a juriti, muito nostálgica das tristezas portadas, tal deus mandou que fosse ela assim mesmo, como sempre fora, pois respondeu aflita, de pronto, à correção dos propostos de mandar a manhã se fazer. E se deu conforme o pintassilgo assanhou de breve, no piado curto de quem sabe muito correto como propor querenças para, sem teima ou morrinha, abandonar o ninho e coisas e tais que se deram por acontecer.
É assim que se desperta o tempo, o vento aliviando carinhoso o provérbio, candura das avezinhas piando prontidão de fome e aconchego, mas na verdade sem a dolência dos solfejos nada inicia ou prospera em Assunhãe dos Perdões. E para o bem do porvir, como firmado ficou, é ali que o mundo se diz começar, em Assunhãê dos Perdões, e fica tudo esperando até o quero-quero acordar o fogo-apagou para dar de aceso e correto, no canto primeiro, os sinais das tramas, das revoadas e do sol se sendo. Pela ordem das coisas o sol se fazia preguiçoso na boca da solidão e o dia carecia urgência de se por em caminho e firmado, ficou conforme acordado nada se acomodar mais na preguiça e pamonha a partir de então.
Deu conta, alvissareiro de repiques e lembranças, Jacato da Juroca, de campear no pasto de riba o campolina em se fazendo de lindo, marchador, potro castanho, calçado nos cascos e des-saudade-matar de Rosinha, que o destino levara na banda outra do vento. E os passarinhos cantaram cadenciados no repique do potro e no até já alongados.   
Ceflorence    14/08/16      email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O PARTO DE ROMPÁSIO.
Pelo vitral principal da enfermaria azul o reflexo do pardal sobre o vidro fosco, atirando-se agressivamente sobre si mesmo, arremedava despautérios da autodestruição da humanidade sob justificativas capciosas, perenes, cambiantes. Deuses ainda bocejando, preguiça; local - Luminar das Desforras, antes da madrugada compor-se, altiva, nos três movimentos inerentes: rondó, degustação e cinzas. São as tramas da verdade e, por dispostos os mesmos em linhas alternativas, apresentaram-se respeitosamente no aguardo dos cerimoniais afrodisíacos dos deuses encarregados do preparo do nascimento de Rompázio em sintonia com a ressurreição anunciada. Sem talvez ou então, cadenciou o sino da enfermaria azul, detectando, em dúvida ainda da sequência, se meia-noite seria conveniente para o início. Hora nobre sugerida, mas o protocolo determinava aguardar a chegada dos dois terços sagrados das fantasias fundamentais, o dos pecados e o das virtudes, e serem desenlaçados e acomodados, para o cerimonial do parto de Rompásio, sobre os objetos sacros: o ar, a metamorfose e a injúria. No movimento, dois padres deles, mas nenhum padre-nosso, seguiram convictos para suas solidões e no aguardo da degustação do canto orfeônico do choro do recém-nascido e dos gemidos da parturiente. Acompanharam antes, os padres deles, a ave, que não era ainda, até segunda ordem em processo, maria, e por circunstância inesperada pousou sobre o vitral por onde a lua se fez minguante e o pardal se transmudou da réplica agressiva intimista para outros devaneios. Fatos e premonições seguiam coerentes com os tempos a serem.
Minguou-se evitando, a lua, como ensejo das benevolências, das contradições e das ansiedades da gravidade decorrente do momento espiritual e não, jamais, por pressões newtonianas gravitacionais discutíveis. Por serem polêmicas as variáveis, Benfor D’Hur, escriba por determinação dos juninos deuses, fez constar como indispensáveis tais averbações nos papiros certificantes do nascimento de Rompásio Eufort. Alocaram, para conforto do processante, duas bigornas às pernas escancaradas da parturiente, Maróvia. O demiurgo desenrolou os provérbios, pecados e virtudes dos terços, e ordenou à Maróvia liberar cuidadosamente só a cabeça de Rompásio para, organizadamente, entrouxá-lo em formal ritual religioso com as substâncias fundamentais componentes da alma. Pelas narinas reticentes e pequenas introduzia os elos dos pecados pela esquerda e os das virtudes pela direita.
Ouviu-se alto o barulho do silêncio à medida que a alma virgem e vazia de Rompásio se agraciava com os fundamentos existenciais recebidos: angústia, amor, teimosia, ódio, sagacidade, melancolia, vontade, simulação e os demais infinitos para seu destino profético. O demiurgo persignou-se, ordenou à Morávia acarinhar a placenta entoando o flautim da anunciação. Rompásio não chorou até cuspir intolerância sobre a cinza que se afagava no rondó da degustação. Os objetos sagrados, o ar, a metamorfose e a injúria estavam entronizados e a civilização salva.
Ceflorence      07/08/16    email cflorence.amabrasil@uol.com.br