sexta-feira, 6 de maio de 2016

SACRALIZAÇÃO DO NADA
            Entre o antes e o depois existe um robusto nada. Sem dúvida alimentam-se teorias discordantes, embora poucas, as quais, em respeito às atenções que merecem, levaremos em consideração nos pontos chaves e mais críticos no momento correto. Registro, entretanto, por oportuno, neste nada de instante que já passou, portanto virou mais um histórico nada, que tentarei fazê-lo, rapidamente, antes que o desconfiado vigia do sanatório, que sempre me olha de soslaio tão logo tomo papel e lápis, venha atrapalhar e destrua este raciocínio brilhante e objetivo em curso. Isto prevenirá que a esquizofrenia galopante neste nada de liberdade nadifique mais este saudável nada em processo construtivo.
O intervalo que separa o passado e o futuro é exatamente proporcional ao espaço entre as infinitas divisões de inúmeros desejos livres e ejaculados na esperança de se reverterem em realidades e as perenes frustrações esvanecendo em nadas nos segundos seguintes. Se isto não é carregado de um dos mais tradicionais e respeitáveis nada que conhecemos, realmente necessitamos de uma revisão analítica sobre nossos valores, se não morais, no mínimo psicológicos. Este enorme vazio que o nada ocupa na existência é tratado de forma inversamente proporcional à importância que mereceria. Em total apoio ao nada, há proposta de compacta frente de luta para a sua louvação, com sede, CNPJ, sem fins lucrativos e participativos cerimoniais de oblação. Há inscrições abertas para o generoso dízimo, embora nada respeitável.
O agora, segundo estudiosos, é um desfigurado melancólico nada entre o que acabou e o que vai acontecer. Ou este agora já foi ou ainda não é. Novamente é o substancioso nada ocupando o seu merecido espaço. Não podemos deixar criar crise existencial sobre a eminência do nada. A trincheira de defesa nadiana tem de ser inexpugnável. Um dos mais reconhecidos pensadores contemporâneos, colocou, com sabor, de forma arguta, que quando se encontra alguém ou algo, após longa busca sobre os vários nadas, é exatamente sobre a imensidão destes nadas que o fato resplandece. Se não houvessem os nadas contrapondo os seres, os existentes que nos afetam, os acasos se atropelariam em caos. O espaço concreto entre o sim e o não é este nosso indispensável nada. O maestro e o compositor, se não harmonizassem sobre indispensáveis pausas, ou seja, os nadas sonoros, não fariam melodias, mas ruídos. Esmiucemos, ao imprevisto dos ventos, que espojam livres dos vazios distantes até os nadas infinitos, para garimparmos novos saborosos nadas do cotidiano.
A saudade é exatamente o nada muito vazio que, por mais que o poeta enfeite corrói manso como bica seca sem nadica de água, na porta fechada da casa deixada sem nada pela mulher querida, depois da caminhada longa pela imensidão do nada. É o nada em solidão. E a danada da angústia é de novo a mesma filha caçula do nadinha, amamentada de tristeza nos ocos faltados ou faltantes, sem acalantos, com as fantasias estilhaçadas nos desvãos dos inexplicáveis nadas. Não fale do desejo, nadão de nada, morando a beira da nostalgia, que se estabelece com nada de cerimônia, casa, comida e roupa lavada. Não diz adeus e inverna junto com a ansiedade traiçoeira, calhorda, amarga como nada, engole o azul e o desespero do nada se acomoda como chinelos velhos assombrando pelas escadas rangendo com os nadas arrastados pelos degraus.    
Longe de entrar em discussões acadêmicas, mas tendo de recorrer a posições concretas, devemos considerar que de certa forma o nada já foi manipulado por hábeis herdeiros dos sofistas. O que é o pecado senão o nada da virtude. É parente de parede de meia das conclusões finais sobre ética e humanismo entre judeus e palestinos ortodoxos, isto é, nada. A discórdia é o nada explicito do ódio, é o nada de amor, é o nada do senso, é a demência evidente. Este quiproquó enaltece o fanatismo em nome do nada, explodem-se bombas reais abrindo-se enormes nadas em saudações à morte. A exuberância do nada, o nada mais radical e compacto é a morte. A morte sintetiza o nada absoluto, simultaneamente é arrogância, esplendor e solução.  Paradoxo das feridas abertas para os nadas.
Chega de lamentações, nada de lamúrias. Vamos ao nada objetivo, construtivo e forte. Ao nada em botão porque ainda é nada de flor e que é nada ainda porque ainda será quando for. Entre tantos nadas, proponho brinde ao nada antes que este enfermeiro louco, nada afável, do sanatório, me coloque a camisa de força e me deixe sem nada de opção.
Ceflorence                 email  cflorence.amabrasil@uol.com.br

2 comentários:

  1. reflexão muito apropriada para esse tempo em que vivemos, onde tudo acontece ao mesmo tempo, agora, e resulta em quase nada, ou nada.

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  2. Dona Marcia, muito obrigado pela atenção e retorno de sempre.

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