DOS DESTEMPEROS E DESASSOMBROS
Sabia e sabia de tal qual chover, o
tempo destemperado, mercês das pragas desaforadas dos desacordos entre deus e o
adágio, segundo o evangelho de satanás, que o mundo se derretia em voçorocas
graúdas, a lama se perdia nas enxurradas grossas, carreadas para o Tapajoára,
cortador rio dos cerrados, das rimas, dos poemas e das saudades. O vento intendia,
ouriçado, de desmanchar o intuito dos passarinhos cantarem para des-brincarem
de silêncio. Do jeito dos andados, até o mar, na foz da boca do Tabajoára,
viraria brejão dos infinitos, para atolar veleiro, saracura, inveja e carroça,
segundo Jatobinho Pescador, quando lançava a rede certeira e ela engastalhava
nas quiçaças. E na fartura d¹água tanta não remediava pedir provimentos aos
aléns, acender vela, medir encarrilhada dúzia e tostão de reza preventivas, das repetidas por Vó
Geninha Romão. Benéficas preces serviçais e cumpridoras nas tarefas de estancar
corisco eriçado. Menos progredia proveitoso atiçar sal grosso na taipa do
braseiro, enrolado em melão seco de são-joão, bento na certeza da fé cumprida,
desde Ramos, pendurado para resguardo das intempéries no fumeiro e amarrado por
embira de taboa da Lagoinha do Pererê para esfumaçar exu gonzo, nas ajudas de
des-chuvar, como definia carinhosa e beata Babá Miombá do Apucaré.
Insolúvel de ajustar, o chão apodrecia sem sustento de parar
em pé quem destemia andarilhar calçado nas bibocas encharcadas. Só dedão graúdo
encravado, curto, no sovaco do barro, aprumava postura. Assim mesmo no
palmilhado de jaboti curioso e cuidado de cobra no cio. No tormento, se punham
os povos, única querência de atiçar fora das casas, por compra de muita
carência faltada, comida, pinga, fumo, farmácia do Tio Zefato, reza na capela,
se promessa vencida, ou pagar pensão da manteúda na zona, antes que a moça viesse
buscar em lugares inconvenientes. E sabia tanta água, que Clotário Romão desaturdia
entre amaldiçoar o tempo ou pedir ajuda aos santos já desacorçoados de tantos
préstimos. Acabrunhava perdão, tudo, e corria enxurrada no ponto justo de esconder
atrás do silêncio o canto da seriema campeando o parceiro na capoeira; triste
encanto, seriema e canto, se sumiam no infinito; “oh-deus acuda”, mas nem isto
se dava de amparar das tempestades. Verão quente, bravo, voltava nas
comparações, como há muito não se dizia ter sido em Pouso do Cariampó. Pois foi
e era. De tanta borraceira, agrura, calor, solidão, as brotoejas avermelhavam,
alargavam inchadas, parindo medo de a pele desamarrar do corpo e o vento arrastá-la
na lama. Nunca Tio Zefato, boticário, vendera tanto emplastro, Mezinha Santa Pia,
em sua vida. As lamúrias eram desfeitas e mostradas, às claras, nas missas, nas
bodegas resmungando angústia e mágoa. Trocavam-se assim, no varejo, por moeda
de bom metal e ao par, lamentos por minuto de ouvido e atenção disponíveis. O
propósito consolava e despercebia por uns esquecimentos de dias, até voltar e a
vida, retomar desajustada. Coçar as perebas escalavrava, como se urtiga fosse e
tivesse roçado no despropósito, desprevenido.
Se fez, fazia, foi, contadinho como se pôs. As ânsias lacrimavam
os olhos, derrubando gotas grossas sobre o barro. Então a amargura gorda,
desconjurada, entranhava no barro chorado, fundia bolotas que as águas não
derretiam. Festa, a gurizada fartava no gude, no estilingue, nas patas dos
cavalos tropicando nas pelotas jogadas nos propósitos. No indefinido, os passarinhos,
pombas e gambás, sem terem nem mais onde alongar da umidade, enfurnavam pelas
chaminés, aninhando mesmo por ali. Só bambu comprido, com querosene, creolina e
pó-de-mico, enfiado pelos buracos para enxotá-los e assim os ninhos entupindo
não enfumaçarem as casas. Nas vielas da corruptela, então, algazarras, risadas
e deboches, depois dos tombos das montarias, dos que se diziam peões, tropicando
nas pelotas arredondadas, de lama e lágrimas, lançadas pela criançada.
Católicos só saiam à rua com terço ou breviário, protestantes
com quitação dos dízimos, devotos de Oxum com arrudas preventivas nas orelhas.
Agnósticos indefinidos, palitando dúvidas eternas, purgavam, por seguro e medo
preventivo, portando, disfarçados, uma figa, um amuleto e, na falta, quebranto dos
despropositados, escrito no avesso da folha dobrada de sucupira, por Mãezinha
do Cajimó, acatada benzedeira e vidente, conhecida rio acima e rio abaixo, pelas
margens então vazando grossas do Tapajoára, roncando enchente. Acanhado, era o
perfil moroso do rio, escorrendo mole e quieto para beijar o mar e carregando,
pesado, as saudades dos agarrados às tristezas de Cariampó. Os aficionados dos indefinidos
garantiam ser de soberba valia, na porventura, as mandingas promitentes de
Mãezinha.
Clotário ouviu do canto da coruja estalar o teto e despencar
ninhos das pombas com seus filhotes e piolhos sobre a taipa amargurada. Os
fantasmas dos Romão amarrados pelas teias de aranhas se desprenderam dos forros
do sobrado e das angústias de Clotário e se puseram ao léu vendo dois
centenários de conflitos rolarem pelas enxurradas. ( Parte de algo a mais em
gestação)
Ceflorence 11/05/16
email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
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