quarta-feira, 25 de maio de 2016

LABIRINTOS

Realmente, para configurar os antecedentes, na tentativa de garimpar na bateia dos desesperos, separando o bem do mal, como demandam as divindades e os astros que bolinam razões, segundo dizem as videntes e os curas, quando tracejam os imperativos da vida, a verdade deveria ser exposta logo de início, constatando que nem mesmo Gerpásio Alvado lembraria quando começaram os seus desassossegos. Um alvoroço de azucrinados, sem sentimentos, envelheceram, na adega do infortúnio, irados ventos que lhe entupiram a boca com agonia, para que jamais a desgraça o abandonasse. Deveria já se prever, nestes contornos confusos, que os tempos estavam semeando pesadelos e não seria especulação prognosticar, com segurança, que a safra de tristeza seria farta em carência durante a vida de Gerpásio. Só os escolhidos pela melancolia escutam o silêncio e pressentem as tormentas. Gerpásio, entre os desafortunados do gênero, se arrastou do ventre materno, marcado a brasa pelo signo da angústia e da depressão.
Trazia assim da infância este dom que lhe contorcia a alma, sem meandros ou complacências, igual às serpentes preparadas para a sofreguidão do bote sobre as presas indefesas. Em incontáveis tentativas, jamais conseguiu ele cambiar a alma nem no varejo e muito menos no atacado.  O saber convencional sonha que o imaginário se traça por linhas retas, por horizontes abertos e por perspectivas claras. A realidade dura do raciocínio, Gerpásio a sente na pele como urticária: é que as linhas retas, os horizontes abertos e as perspectivas claras fogem desarvorados e sem rumo pelos meandros confusos, indecifráveis e inconscientes dos labirintos emocionais dos desafortunados como ele.
Foi neste fogo existencial e com cores paranoicas, entre as suas quatro paredes e os seus pensamentos agitados, que Gerpásio deu com o teto do quarto, sem tempo sequer de afagar a frieira coçando, pois o dia se apresentava pelas frestas das janelas, sem deixar alternativa de fuga pelo sono. No tormento, deixou-se arrastar impotente, castigado pela sensação de que seria uma vez mais devorado pelo contumaz absurdo rabugento, deitado e acomodado, sem permissão, ao seu lado da cama. Indefeso, abandonou Gerpásio o próprio raciocínio à sorte do vagueado e do labirinto intrincado, entregando-se a solidão e a angústia. Impotente para levantar-se debruçou sobre o irremediável e se deixou atormentar pelos escaninhos tortuosos da opressão.
            Estendeu as mãos sobre o criado-mudo a cata do cigarro. Com a caixa de fósforos veio grudada uma censura pedante e cínica, fruto caprichoso da promessa que assumira consigo para largar o vício, em função da taquicardia, do estresse e da publicidade. Pela parede, ao lado da janela, desceu uma ansiedade solerte, que se amasiou fagueira nos ombros largos do absurdo, já refestelado na cama estreita. A ansiedade não abriu a boca, mas jogava laivos intermitentes e persecutórios, apagando os últimos resquícios das marcas dos rastros que caíram pelo próprio labirinto, pela trilha que Gerpázio pretendia escapar. Sem as pegadas fugidias pelos desvãos do próprio devaneio, Gerpásio foi contornando as paredes rugosas do isolamento escalavrado do labirinto emocional. A falta de solução foi se tornando pegajosa e intransponível, à medida que a cama apertada recebia, em farrapos desordenados e provocantes, novos sofrimentos, depressões e medos.
            O labirinto afunilava e as mãos retesadas de Gerpásio tentaram conter as suas bordas. Uma amarga impotência abre enorme fosso entre a realidade e a esperança. A escuridão começou a se agigantar, vomitando, pelos meandros do insensato, o pavor, a aflição, a agonia. Espalhavam estas penúrias seus tentáculos lúgubres paridos nas entranhas inerentes do labirinto involuntário, que Gerpásio criara e não controlava. O absurdo inconsciente é surdo a qualquer lamento. Gerpásio tenta consultar a razão que se esconde no mesmo bueiro do labirinto por onde escorrem perdidas, a vontade, a estima e o amor.
            As paredes se calam e Gerpásio se contorce em lágrimas: reflexo da última tentativa ao ouvir seu desespero mudo gritar ao próprio labirinto que o perdoe das incongruências que não sabe como criou. O labirinto se fecha sobre a derradeira réstia de razão para deixar a loucura assumir o papel principal. Os panos se fecham para a demência beijar o paradoxo.      
Ceflorence       email amabrasil@uol.com.br               

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