SACRALIZAÇÃO DO NADA
Entre
o antes e o depois existe um robusto nada. Sem dúvida alimentam-se teorias
discordantes, embora poucas, as quais, em respeito às atenções que merecem,
levaremos em consideração nos pontos chaves e mais críticos no momento correto.
Registro, entretanto, por oportuno, neste nada de instante que já passou,
portanto virou mais um histórico nada, que tentarei fazê-lo, rapidamente, antes
que o desconfiado vigia do sanatório, que sempre me olha de soslaio tão logo
tomo papel e lápis, venha atrapalhar e destrua este raciocínio brilhante e
objetivo em curso. Isto prevenirá que a esquizofrenia galopante neste nada de
liberdade nadifique mais este saudável nada em processo construtivo.
O
intervalo que separa o passado e o futuro é exatamente proporcional ao espaço
entre as infinitas divisões de inúmeros desejos livres e ejaculados na
esperança de se reverterem em realidades e as perenes frustrações esvanecendo
em nadas nos segundos seguintes. Se isto não é carregado de um dos mais
tradicionais e respeitáveis nada que conhecemos, realmente necessitamos de uma
revisão analítica sobre nossos valores, se não morais, no mínimo psicológicos. Este
enorme vazio que o nada ocupa na existência é tratado de forma inversamente proporcional
à importância que mereceria. Em total apoio ao nada, há proposta de compacta
frente de luta para a sua louvação, com sede, CNPJ, sem fins lucrativos e
participativos cerimoniais de oblação. Há inscrições abertas para o generoso
dízimo, embora nada respeitável.
O
agora, segundo estudiosos, é um desfigurado melancólico nada entre o que acabou
e o que vai acontecer. Ou este agora já foi ou ainda não é. Novamente é o
substancioso nada ocupando o seu merecido espaço. Não podemos deixar criar
crise existencial sobre a eminência do nada. A trincheira de defesa nadiana tem
de ser inexpugnável. Um dos mais reconhecidos pensadores contemporâneos,
colocou, com sabor, de forma arguta, que quando se encontra alguém ou algo,
após longa busca sobre os vários nadas, é exatamente sobre a imensidão destes
nadas que o fato resplandece. Se não houvessem os nadas contrapondo os seres,
os existentes que nos afetam, os acasos se atropelariam em caos. O espaço
concreto entre o sim e o não é este nosso indispensável nada. O maestro e o
compositor, se não harmonizassem sobre indispensáveis pausas, ou seja, os nadas
sonoros, não fariam melodias, mas ruídos. Esmiucemos, ao imprevisto dos ventos,
que espojam livres dos vazios distantes até os nadas infinitos, para
garimparmos novos saborosos nadas do cotidiano.
A
saudade é exatamente o nada muito vazio que, por mais que o poeta enfeite corrói
manso como bica seca sem nadica de água, na porta fechada da casa deixada sem
nada pela mulher querida, depois da caminhada longa pela imensidão do nada. É o
nada em solidão. E a danada da angústia é de novo a mesma filha caçula do
nadinha, amamentada de tristeza nos ocos faltados ou faltantes, sem acalantos, com
as fantasias estilhaçadas nos desvãos dos inexplicáveis nadas. Não fale do
desejo, nadão de nada, morando a beira da nostalgia, que se estabelece com nada
de cerimônia, casa, comida e roupa lavada. Não diz adeus e inverna junto com a
ansiedade traiçoeira, calhorda, amarga como nada, engole o azul e o desespero
do nada se acomoda como chinelos velhos assombrando pelas escadas rangendo com
os nadas arrastados pelos degraus.
Longe
de entrar em discussões acadêmicas, mas tendo de recorrer a posições concretas,
devemos considerar que de certa forma o nada já foi manipulado por hábeis
herdeiros dos sofistas. O que é o pecado senão o nada da virtude. É parente de
parede de meia das conclusões finais sobre ética e humanismo entre judeus e
palestinos ortodoxos, isto é, nada. A discórdia é o nada explicito do ódio, é o
nada de amor, é o nada do senso, é a demência evidente. Este quiproquó enaltece
o fanatismo em nome do nada, explodem-se bombas reais abrindo-se enormes nadas
em saudações à morte. A exuberância do nada, o nada mais radical e compacto é a
morte. A morte sintetiza o nada absoluto, simultaneamente é arrogância,
esplendor e solução. Paradoxo das feridas
abertas para os nadas.
Chega
de lamentações, nada de lamúrias. Vamos ao nada objetivo, construtivo e forte.
Ao nada em botão porque ainda é nada de flor e que é nada ainda porque ainda
será quando for. Entre tantos nadas, proponho brinde ao nada antes que este enfermeiro
louco, nada afável, do sanatório, me coloque a camisa de força e me deixe sem
nada de opção.
Ceflorence email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
reflexão muito apropriada para esse tempo em que vivemos, onde tudo acontece ao mesmo tempo, agora, e resulta em quase nada, ou nada.
ResponderExcluirDona Marcia, muito obrigado pela atenção e retorno de sempre.
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