TORVELINHOS DAS AGUADAS
SUMIDAS
Padre
Rocco, a mesma ternura, fé, paciência, desde que chegou à Amuraicá, da Itália,
há quarenta anos, abre a porta da igreja, antes de começar a missa das seis. Angustiado
pergunta ao Senhor, olhando para o horizonte, quanto mais teria de implorar
para as chuvas choverem. Registra cinco corridos messes sem águas. O cachorro do
cego Damião estica a guia avisando-o dos demais chegados à praça, lambe a mão
do sanfoneiro e solto corre para acarinhar a cabra do esquelético Zé Cigano.
Zico
da Sorte abre a portinhola do realejo para desafogar o periquito e espalha o
som da fortuna para anunciar-se. O destino, que coordena tudo e todos, assume o
comando. Desnorteia Zé Cigano, carente de informação e a cata do seu não saber
por que e aonde, pela praça aberta. Ordena, o destino, que cego e cachorro
sigam para a rua da zona, aonde as tristes mulheres alegres aguardam carinhos. Zico
da Sorte se alonga nos desconhecidos para que o periquito destine o destino de
cada.
Zé
Cigano, manquitolando, e cabrita, perambulam pela praça campeando o mágico.
Enfim, uma trilha organizada de saúvas despenca em um olheiro. O cigano se
acocora. Sentiu calmo o cosmos lhe envolver, risonho e afetuoso, pelos ombros
magros, obrigando-o a expulsar qualquer pensamento alienado. Em cerimoniosas
procissões, inclusive com oferendas, durante dois dias e duas noites, a cidade
vê aquele cigano mudo, acocorado, conversar com as formigas e seus infinitos.
Padre Rocco
crescia nos sermões e afoito saia, em seguida, sem rumo ou porquê, depois das
missas, em romaria, distribuindo bênçãos carregadas de perdões e esperanças.
Zico da Sorte não deixou de prever o futuro de ninguém, pagasse ou não. Na
madrugada do terceiro dia, a igreja abrindo, o sanfoneiro e Zico do Realejo
chegaram à praça no instante que Zé Cigano, em transe total, ordenava que a
última formiga se recolhesse e o destino no céu trovejasse assim que Padre
Rocco consagrasse a hóstia. Uma enorme lágrima celeste chove sobre o braço de
Zé Cigano, fazendo-o desmaiar. Com carinho, Damião e Zico o acomodam no banco
da igreja enquanto a cabra subia ao altar para dar conta, respeitosamente, da
última das pétalas das rosas. O mundo começou a molhar alegre e para sempre. A
água limpava poeiras e almas.
Padre
Rocco, só amor, o destino mandou, fez o sinal da cruz e sentou-se no banco velando
carinhoso o cigano desmaiado.
Ceflorence 06/12/17 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
Professor, é praticamente cinematográfico este conto! As imagens aparecem de graça em nossas mentes.
ResponderExcluir“O destino, que coordena tudo e todos, assume o comando”. Usando sua inspirada frase, desejo-lhe um ótimo Natal e Ano Novo. E que o destino seja generoso com todos nós
ResponderExcluirHeitor