CADÊNCIAS EM SUPERLATIVOS
E OUTRAS ANUÊNCIAS.
Não paira dúvida, no entanto, de que no dia azul marinho, do mês da parca
semeadura, do ano da fome farta e, portanto das disputas infindáveis,
introduziu-se o código de Artépios, descendente de Kartona, rainha filha do criador
do universo, a qual, depois de um reinado conturbado, mas duradouro, foi enterrada
embalsamada entre lírios de conduta duvidosa e ao sabor de seitas cabalísticas,
na ala norte do templo para adorações a Sermisium. A nós devotos é fundamental
saber que acompanharam a soberana os cantos, as profecias e as poesias premonitórias
Creônicas para traçarem os destinos dos recém-nascidos, semideuses, Átora,
Atora e Atorá.
A
realidade traçada para o futuro obscuro, que às vezes irreverentes incréus ousam
destruir, foi que as seitas seguiram rigorosamente as métricas inflexíveis das
rimas dos astros e as fantasias descritas nos cerimoniais fúnebres. Eliminando
assim habilmente as incoerências, os semideuses constataram que havia restado, após
milênios, somente três crenças, seguidas pelos canalhas, pelos caolhos e pelos
calhordas: a psicanálise, com suas interrogações insolúveis e permanentes, o
materialismo histórico, adorado pelos criadores dos projetos inviáveis e, por
último, o mercado, endeusado pelos futurólogos e justificadores dos erros
pretéritos. As demais seitas, até tradicionais, passaram a atuar mais em áreas
da prestidigitação de magias, desencarnações dos demônios e, com eficiência, junto
às finanças e aos dizimos.
Cumprindo
os mandamentos proféticos, Átora, Atora e Atorá, encontraram-se, pelos caminhos
da fortuna, exatamente no lugar em que O Todo Poderoso, extasiou-se ao
infinito, dando o melhor de si e caprichando no fino acabamento daquilo que
acabara de concluir com muito amor. Comovido com a beleza da natureza que
criara, chorou de alegria, derramando ali uma única e afetiva lágrima a qual se
transformou no perene Carioca, rio idealizado e fantasiado por ele, com ternura.
Assim, a trindade, ungida pelo destino de criar uma só e abençoada liturgia,
preparou, com afeto, o porvir, respeitando rigorosamente as cerimônias
proféticas que lhes foram determinadas.
Para
tanto, procurara, cuidadosamente, uma carinhosa fé, enredaram-na nos ombros
firmes e aconchegantes de um batuque insinuante, após uma noite em que não faltara
luxúria e amor, os dispuseram, fé e batuque, embevecidos e sonolentos, entre
quatro velas tagarelas, duas garrafas de pinga exuberante, um risonho galo de
briga preto com pescoço pelado, valente, e uma inibida pomba branca, virgem. Destaque-se,
por derradeiro, neste ofertório mágico, uma encabulada farofa, entre dengosa e
tímida, com as persistentes insistências dos afagos de um mambembe vira-lata,
agnóstico, intisicado, mordiscando suas intimidades. E mais, na encruzilhada entre
o Beco dos Velhacos e a subida do morro, assistiu a tudo, um cacoete bêbado,
maltrapilho, olhando ainda de soslaio, à jusante, a natureza esplendorosa da Baia
da Guanabara, deleitada com a delicadeza da sonoridade de um berimbau gingado,
o reco-reco honesto, mais o cavaco competente, sem deixar o tamborim risonho
separado.
E deste
sincretismo singular, sob as benções do cacoete, a ternura do coro de instrumentos
e o amor da trilogia profética, viu-se nascer e criar, com muita veneração, os
Santos Irmãos Siameses, orgulho da união, da pureza e dos sonhos, o Carnaval e
o Futebol. Mas, infelizmente, a brisa da previdência ou da imprevidência,
assoprou leve o registro desta cerimônia que se perdeu, no repique do sempre,
para ninguém mais chorar sem alegria.
Ceflorence
– 30/11/17 e-mail cflorence.amabrasil@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário