quarta-feira, 17 de maio de 2017

VIADUTO DO CHÁ
Sou atribulado no Viaduto do Chá, tropeço em pensamentos, e converso com a maça indiferente mordiscando-a ao acaso. Pela frequência no trajeto deveria ter abandonado estas obsessões recorrentes, mesmas elucubrações sempre que me pego no meio do percurso. O viaduto divide o mundo em quatro intercorrências metafísicas: o passado, que me persegue, com todo o seu imponderável, o futuro, em forma de mulher, de onde surgem aqueles olhos sobre os quais salpico fantasias inúteis, mas almadas, vestindo as cores exatas do sorriso dos meus sonhos. Os lampejos da moça sempre me hipnotizam, passo a passo, esbanjando as ternuras carinhosamente escolhidas e embaladas na cadência do bamboleio rumo ao infinito. O acaso e a ventura, embora ninguém ponha fé, sempre se desmancham, para a minha alegria, no mesmo mais lindo flerte, saltitando as cores de outra jornada.
À direita, o terceiro viço, entre minhas subjetividades, é carregado pelo vento da história, especula manso, e realimenta fugas mostrando claramente que por ali, no muito antes, transitavam índios, mamelucos e escravos carreando animais carregados de mercadorias, crendices, esperanças, antes de na várzea do Anhangabaú plantar o chá para designar o viaduto. Presto atenção à conversa pachorrenta e descompromissada do tropeiro forte, crioulo, espicaçando a mula, com a cangalha carregada para chegar só aos meus devaneios e perder-se nos meus desajustes.
Por desatinos e outras petulâncias, quando atrevo especular o horizonte imenso à esquerda, que limita com coisa nenhuma, nasce um convite eufórico de saltar prudentemente ao desconhecido. Nada como o viaduto para um simplório, eficiente e gratificante suicídio. Tem sido o lugar preferido de muitos des-abnegados. O impulso, tranquilo, suporta a certeza absoluta de arrojar-me leve com o canto da sereia, para abraçar os pensamentos e os desencontros, sem nenhuma angústia remanescente de arrependimento. Assim flutuaria confiante sobre o nada imaginário, acariciaria minha doce loucura e esvoaçaria nas asas da ansiedade infantilizado em cirandas dodecafônicas e outras mesuras. A morte se desenha nas garatujas do medo com os salpicos da curiosidade. Provérbio de Simião Docato, benzeiro de meus melindres.  Mas a menina veio com a petulância da beleza enfatizando minhas limitações. Nossos olhos, ela disfarçando seus receios e eu os meus intentos de conhecê-la em sustenidos imiscuíram-se sigilosos. As distâncias dos conflitos escondidos em nossas solidões seriam iguais aos destinos das nossas querências? Não achei resposta mesmo vinda de um desatento desconhecido. Os olhos cor de mel, lindos, cadenciaram-se na aproximação afetiva e segura para o destino nos acarinhar embalados nas ilusões e sermos colhidos no futuro pelo sabor do desejo. Nos introjetamos mansos como nostalgia. Por nos cruzarmos não havia tempo e espaço para engodos. Desaparecemos, evaporamo-nos enfeitiçados na brisa dos olhares para não sermos mais do que saudades, no futuro, ao nos darmos, contrariados, as costas.
Corroído pelo anterior, o lampejo afetivo da menina sumiu na tristeza da espera de um talvez que não retornou. O mameluco manso foi engolido pela horrorosa realidade do agora que estraçalha qualquer quimera. O vermelho salpicou de pavor os sonhos alados e nem com o azul mais carinhoso brotou espaço para poder enlouquecer tranquilo como pedira. O suicídio ameno ficou para a outra travessia.
E-mail -  cflorence.amabrasil@uol.com.br                              

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