VIADUTO DO CHÁ
Sou atribulado
no Viaduto do Chá, tropeço em pensamentos, e converso com a maça indiferente mordiscando-a
ao acaso. Pela frequência no trajeto deveria ter abandonado estas obsessões
recorrentes, mesmas elucubrações sempre que me pego no meio do percurso. O viaduto
divide o mundo em quatro intercorrências metafísicas: o passado, que me
persegue, com todo o seu imponderável, o futuro, em forma de mulher, de onde
surgem aqueles olhos sobre os quais salpico fantasias inúteis, mas almadas,
vestindo as cores exatas do sorriso dos meus sonhos. Os lampejos da moça sempre
me hipnotizam, passo a passo, esbanjando as ternuras carinhosamente escolhidas
e embaladas na cadência do bamboleio rumo ao infinito. O acaso e a ventura,
embora ninguém ponha fé, sempre se desmancham, para a minha alegria, no mesmo
mais lindo flerte, saltitando as cores de outra jornada.
À
direita, o terceiro viço, entre minhas subjetividades, é carregado pelo vento
da história, especula manso, e realimenta fugas mostrando claramente que por
ali, no muito antes, transitavam índios, mamelucos e escravos carreando animais
carregados de mercadorias, crendices, esperanças, antes de na várzea do
Anhangabaú plantar o chá para designar o viaduto. Presto atenção à conversa
pachorrenta e descompromissada do tropeiro forte, crioulo, espicaçando a mula,
com a cangalha carregada para chegar só aos meus devaneios e perder-se nos meus
desajustes.
Por
desatinos e outras petulâncias, quando atrevo especular o horizonte imenso à
esquerda, que limita com coisa nenhuma, nasce um convite eufórico de saltar
prudentemente ao desconhecido. Nada como o viaduto para um simplório, eficiente
e gratificante suicídio. Tem sido o lugar preferido de muitos des-abnegados. O
impulso, tranquilo, suporta a certeza absoluta de arrojar-me leve com o canto da
sereia, para abraçar os pensamentos e os desencontros, sem nenhuma angústia
remanescente de arrependimento. Assim flutuaria confiante sobre o nada imaginário,
acariciaria minha doce loucura e esvoaçaria nas asas da ansiedade infantilizado
em cirandas dodecafônicas e outras mesuras. A morte se desenha nas garatujas do
medo com os salpicos da curiosidade. Provérbio de Simião Docato, benzeiro de
meus melindres. Mas a menina veio com a
petulância da beleza enfatizando minhas limitações. Nossos olhos, ela
disfarçando seus receios e eu os meus intentos de conhecê-la em sustenidos imiscuíram-se
sigilosos. As distâncias dos conflitos escondidos em nossas solidões seriam
iguais aos destinos das nossas querências? Não achei resposta mesmo vinda de um
desatento desconhecido. Os olhos cor de mel, lindos, cadenciaram-se na aproximação
afetiva e segura para o destino nos acarinhar embalados nas ilusões e sermos
colhidos no futuro pelo sabor do desejo. Nos introjetamos mansos como nostalgia.
Por nos cruzarmos não havia tempo e espaço para engodos. Desaparecemos, evaporamo-nos
enfeitiçados na brisa dos olhares para não sermos mais do que saudades, no futuro,
ao nos darmos, contrariados, as costas.
Corroído
pelo anterior, o lampejo afetivo da menina sumiu na tristeza da espera de um
talvez que não retornou. O mameluco manso foi engolido pela horrorosa realidade
do agora que estraçalha qualquer quimera. O vermelho salpicou de pavor os
sonhos alados e nem com o azul mais carinhoso brotou espaço para poder enlouquecer
tranquilo como pedira. O suicídio ameno ficou para a outra travessia.
E-mail - cflorence.amabrasil@uol.com.br
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