ANIMÁLIAS E BARGANHAS
Deus boceja, no acordando das neblinas frias que acalentaram
seus sonhos, apanha um copo d’água na bica do córrego para escovar os dentes e
chacoalha os ombros do Zezé da Mata para chamá-lo. Zezé ainda no lusco fusca
sai à cata da tropa e entre todos Coringa, mangalarga raçado, funga no prevenido
dos porvires. Se tramava barda do
Mangalarga, ser encabrestado no largo. Encurralo, no jeitoso habilidoso de Zezé,
o animal funga no fingido e os encantos dos dois predestinados se entrelaçam.
O sol vem invejar os arreamentos por trás da mata. Zezé fecha
a porteira e as borboletozuras abrem caminho com os canarinhos da terra, os
pintassilgos, os coleirinhas para se pasmarem com cavalo e cavaleiro rompendo
destino. No chegando ao jacarandá, aonde o rio encabresta teimoso para o poente,
é hora da parelha se aprumar nas composturas dos desacatos, pois a venda do
Maneco abre um mar de montarias e peõesadas espatifadas ao dará. O cavalo capricha
na urdidura da pisada larga e altaneira e Zezé se agiganta nos consoantes de
invejar aqueles que fingem nem invejar. Viram, nos desafios exibidos, só nos
pés, para emburricarem entre uma mula ruana e um pampa vistoso. Apear é a arte
dos nobres. O rabo-de-tatu é um florete esgrimido com a perfeição dos predestinados
apontando os subjetivos indefinidos. Pés no chão são os motes para as
intimidades. Cuspir de lado, perguntar pela Rosinha e pelas crianças. O convite
para a cachaça é o alerta de que o jogo estava aberto. Daí para frente é só
para profissional de regra.
Tiaguinho do Donca apruma-se nos arriscos. -“Zezé, a semana
passada você enrabichava a égua baia que eu apanhei dos Monteiros.”
-“Tiaguinho, ando campeando animal manso, até meio lerdo,
para uso das crianças. Você sabe, eu mexo com gado mais alongado e preciso de cavalo
despachado nestes arremates, para mim.” Consolo fingido, Zezé aceitou a
desforra do Tiaguinho para repassar a égua. Bicha ajeitada, mas não podia
escapar dos íntimos. Pede volta de duzentos. Tiaguinho chega aos cento e vinte
com os arreios. Zezé funga disfarçado, arreio só no caixão. Acertam por cento e
cinquenta.
Zezé volta às tramas debruça delongas sobre égua do Genésio
tordilha salpicada, pintura. Troca justa. A conversa rola da égua para os obstantes
de um burro marchador, alazão, bicho ligeiro e passarinheiro só para peão. Os remates
se fazem, depois dos volteios de praxe, na volta dos cem. O sol começa a dar
sinal de cansaço. Coringa, atento à hora, relincha nos desvãos. Zezé achega do
Honorato, os dentes, mais crioulos, lindos, que a natureza inventou e fecha o
cerco. -“Você apanhou o Coringa nos acertos das contadas de hoje. Que tal
arrematar uma barganha honesta, para chegar aos entre tantos com o burro
marchador, que você sempre arredondou de longe”. O único senão seria se das artimanhas
barganheiras não voltar o Coringa para a casa. A criançada chorava e punha Zezé
para dormir no cocho do curral. Na volta a porteira range. Guloseimas para a
filharada. Rosinha muxoxa de longe: -“E para ela”? Coringa resfolega
agradecendo o milho e desfaz-se a harmonia do centauro. Zezé fecha a porta do
quarto abraçado à Rosinha. Os conseguintes vieram nove meses depois, quando
chora, nos braços da parteira, Sôssó, a candura em forma de chegando.
Ceflorence 04/05/17 email: cflorence.amabrasil@uol.com.br
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