quinta-feira, 1 de setembro de 2016

SOLIDÃO, ADJACÊNCIAS E FASTIOS.
O tempo amaciado na preguiça temperava o destino com o mesmo silêncio da melancolia do cravo se deixando esparramar, abandonado e indiferente, ouvido pelas ruas se entrecortando. Por oportuno, também poderia dizer o tanto mesmo das vielas e das vilas quebradas, estreitas, escalando indiferenças e acasos da topografia. Tudo arrastava melodia por onde soubesse cidade a ser invadida pelos teclados dedilhados, do cravo. Mas, no proveito das verdades, prefeririam figurarem-se vazias, se lhes desse escolher, para morrerem na embocadura das saudades ou no sopé do nada; as ruas, as vielas, as vilas, as almas. A vida se fazia de poucas coisas, mistura salobra de solidão e nostalgia, àquele fim de tarde, enquanto o azul se fantasiava de adeus. O sino avisou que não adiantava tentar fugir da solidão, pois eram seis as horas das aves-marias a procura dos espíritos pedindo preces e meditações. As gotas d’águas, tão vagarosas de poucas, que poderia contá-las em si, pendiam do telhado velho, em lágrimas curtas como o tempo pedia e eu conseguia até escutá-las, sem me dar acarinhá-las como queria. Acho que não conquistaria tal, mesmo se por deus fosse ou quisesse. A vida se faz de fim ao cair mansa nas tardes de Assunhãe dos Perdões, quando todos fogem para receberem suas noites e suas tristezas nas solidões das casas próprias.
            Enquanto ouço o temperado cravo, mas longe suficiente de meus imediatos, sem com ele entrar em polêmica e também, se diga, sem afinidades, divago com o gato perspicaz, de porcelana cor-de-rosa, se tanto, pelas pintas fugazes que exibe contra luz. Acomodado gato, se faz claro comigo em conversa, sobre o silêncio da estante carcomida, mas imponente, dos livros com os quais as traças mais atentas e informadas trocam desejos, sugestões e destinos. Prefere o felino, doce, ao amaciar as patas com lambiscos sutis, os desaforos de um Bandeira, Manuel, a irreverência de um Drummond, os trágicos gênios, figurados, de Guimarães, sertanejando guerreiros e posturas nos imagináveis dos percalços e despropósitos. Os clássicos, sobre os quais passeou suas atenções inúmeras vezes, saboreando desde Vieira à Machado, estirados todos sobre as prateleiras carunchadas, os respeita, como procedente e devido, mas acomoda-se, o gato, mais a vontade, sobre o inusitado, a rebeldia, a irreverência. Os bolores nas paredes são prestativos e atenciosos para saudarem o tempo mastigando o velho sobrado, do gato, onde me deixa refugiar, debruçado sobre a calçada de Assunhãe. Aveludados e amadurecidos, caindo em desenhos abstratos sobre as paredes, os bolores se esticam ouvindo o cravo distante.
O gato, atento à crônica de Paulo Mendes Campos, discute-a com o percevejo faminto, curioso, que o rato acaricia com nostalgia antes de devorá-lo. O sino dobra-se ao apelo do cravo: retirarem-se para o além, só então. Assunhãe repousa solidão.
Ceflorence    21/08/16       e-mail  cflorence.amabrasil@uol.com.br

4 comentários:

  1. Quem não precisa, um dia, "fugir" para Assunhãe dos Perdões?
    Obrigada Sr Florence, por me dar essa oportunidade com as suas crônicas...

    Um abraço.

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    Respostas
    1. D. Márcia, com certeza seria ótimo se todos nós pudéssemos de vez em quando fugir para os Assunhaes e redimirmos nos perdoando. Muito obrigado pelo retorno e carinho de sempre.

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    2. D. Márcia, com certeza seria ótimo se todos nós pudéssemos de vez em quando fugir para os Assunhaes e redimirmos nos perdoando. Muito obrigado pelo retorno e carinho de sempre.

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    3. D. Márcia, com certeza seria ótimo se todos nós pudéssemos de vez em quando fugir para os Assunhaes e redimirmos nos perdoando. Muito obrigado pelo retorno e carinho de sempre.

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