ALÉNS E PORTANTOS
O azul,
que definia a ordem e o rito, imporia os últimos preceitos do adeus. Pairou a
cor esbelta mimada no silêncio à espreita da fortuna e da sina, pois sabia que
não poderia retornar sem levar consigo o enfeitiçado escolhido. Eram tempos de
mudanças e Fércius de Monteses acompanhou, serenado, a garça em imponderáveis
volteios, gestos simbólicos e místicos, para debulhar as ânsias e as carências de
almas novas para os deuses insaciáveis. Do lado do poente, o vento era ajustado
para exibir migalhas suaves de melancolia, preconizando um então, ou quem sabe
um talvez; acenos controlados e medidos todos e assim ajudariam a selar o destino.
A morte firmou propósito e ciosa acompanhou os olhos calmos de Fércius sabedor
da hora se fazendo. Não interpôs, ele, a menor surpresa ou vacilo, pois contemplou
do lado oposto o taciturno canto fundo da tristeza mensageira do fado. E no
arremate das sortes traçadas, o potro castanho de crinas beijadas pelo
infinito, se achegou passarinheiro para o adeus se dar tão logo Fércius, a
cavaleiro, partisse. Não havia dúvida e nem se desperdiçaram lágrimas.
O
infinito inverteu conceitos e valores, tanto que o azul virou verbo e o chão sumiu
vergado em saudade, permitindo à morte, lasciva, despir-se do negro e insinuar-se
nos brancos véus, translúcidos, por onde exibia sua nudez excitada e os seus desejos
carentes de afago. Sete virgens ofereceram seus seios entumecidos aos flautins portados
pelos querubins. Os pecadores mortos liberavam seus ossos, acomodando-os à beira
da solidão para a ereção, ali, do templo à angústia. Já os falecidos beatos emprestavam
seus ossos ao altar da incontinência sexual. As carnes flácidas, desprezadas
pelas almas, floriram pela alameda principal onde, no final, por duas entradas imponentes,
deus e diabo escambavam seus seguidores: o senhor imprecava maldições com
gestos autoritários e encaminhava piedosos e compadecidos ao demônio para serem
entronizados na luxúria, na lascívia e no pecado. O demônio se descartava de
seus pecadores e os dirigia ao santíssimo para se deleitarem de contemplação,
de pureza e de rezas enquanto se eternizassem mortos.
Fércius,
indefinido piedoso pecador, aguardava no limbo purgativo até decidirem seu
destino, mas sonhava voltar no potro castanho à vida.
Ceflorence 04/09/16 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
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