quinta-feira, 15 de setembro de 2016

ALÉNS E PORTANTOS
O azul, que definia a ordem e o rito, imporia os últimos preceitos do adeus. Pairou a cor esbelta mimada no silêncio à espreita da fortuna e da sina, pois sabia que não poderia retornar sem levar consigo o enfeitiçado escolhido. Eram tempos de mudanças e Fércius de Monteses acompanhou, serenado, a garça em imponderáveis volteios, gestos simbólicos e místicos, para debulhar as ânsias e as carências de almas novas para os deuses insaciáveis. Do lado do poente, o vento era ajustado para exibir migalhas suaves de melancolia, preconizando um então, ou quem sabe um talvez; acenos controlados e medidos todos e assim ajudariam a selar o destino. A morte firmou propósito e ciosa acompanhou os olhos calmos de Fércius sabedor da hora se fazendo. Não interpôs, ele, a menor surpresa ou vacilo, pois contemplou do lado oposto o taciturno canto fundo da tristeza mensageira do fado. E no arremate das sortes traçadas, o potro castanho de crinas beijadas pelo infinito, se achegou passarinheiro para o adeus se dar tão logo Fércius, a cavaleiro, partisse. Não havia dúvida e nem se desperdiçaram lágrimas.
            O infinito inverteu conceitos e valores, tanto que o azul virou verbo e o chão sumiu vergado em saudade, permitindo à morte, lasciva, despir-se do negro e insinuar-se nos brancos véus, translúcidos, por onde exibia sua nudez excitada e os seus desejos carentes de afago. Sete virgens ofereceram seus seios entumecidos aos flautins portados pelos querubins. Os pecadores mortos liberavam seus ossos, acomodando-os à beira da solidão para a ereção, ali, do templo à angústia. Já os falecidos beatos emprestavam seus ossos ao altar da incontinência sexual. As carnes flácidas, desprezadas pelas almas, floriram pela alameda principal onde, no final, por duas entradas imponentes, deus e diabo escambavam seus seguidores: o senhor imprecava maldições com gestos autoritários e encaminhava piedosos e compadecidos ao demônio para serem entronizados na luxúria, na lascívia e no pecado. O demônio se descartava de seus pecadores e os dirigia ao santíssimo para se deleitarem de contemplação, de pureza e de rezas enquanto se eternizassem mortos.
Fércius, indefinido piedoso pecador, aguardava no limbo purgativo até decidirem seu destino, mas sonhava voltar no potro castanho à vida.

Ceflorence    04/09/16       email   cflorence.amabrasil@uol.com.br   

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