quinta-feira, 8 de setembro de 2016

RACIOCÍNIOS, COTIDIANOS E DELÍRIOS.
Nossa rua, além da brisa sorridente e do amor, só dela por destino e pelos deuses capetas, era agregada de treze sonhos alegres, azuis de dia e desinibidos à noite, se espalhando escondidos pelos meandros de cada muro, de cada menina e de cada alma extravagante. Nossos sonhos na rua divertiam-se escalando janelas e trepadeiras a cata de estrelas, deixando as fumaças dos balões desenharem os desejos e brincavam de esconde-esconde conosco. Enrolavam, os sonhos, o porvir ao acaso, em delicadas alternativas a disposição, antes de se recolherem. E sem avisar, os sonhos impregnavam, carinhosos, as consciências distraídas passeando pelas calçadas e as arrastavam para devaneios e beijos. A incerteza nunca passou por lá, enquanto eu não desaprendi de ser criança.
Ali mesmo na nossa rua, por acordo tácito, limitamos as alternativas ruins, para que as professoras e as mães, mal intencionadas, não inventassem outras além das já definidas, em três por dia na semana e quatro no domingo, por causa da adicional obrigação da missa antes do futebol. As alternativas boas ficavam jogadas ao leu e ao dará pelas portas das nossas casas com as bicicletas, nas gavetas das bolinhas de gude, nos varais, aonde se penduravam as calcinhas que escondiam os imaginários ou no vidro quebrado, em segredo pelo Quiririca, no banheiro das meninas, na escola, por onde as fantasias enxergavam muito mais do que a vista. Quem, dos sete da turma do Bueiro da Gruta, obedecesse em um só dia mais do que três alternativas ruins, virava vaca-amarela ou ficava sem ser primeiro na bolinha de gude; e tome gozação.
Mas a noite, no silêncio dos fantasmas e dos ladrões subindo pela solidão e pelo escuro, a única salvação era a promessa de obedecer e pedir desculpas, depois do beijo materno carinhoso e com ele o medo enxugado pelo seu coração enorme. Em seguida agarrava eu a bolinha de gude azul, a campeã mágica dos sonhos, e, ao beijá-la, marcava o gol perdido à tarde. Por fim a bolinha carinhosa vertia-se doce na pele de Libinha, irmã do Vilu, dona da calcinha do varal. Escarafunchava, Libinha, com seus olhos tão azuis como a do gude, pela minha alma mole, invadia minha cama ingênua e tal um dos treze sonhos amealhados pela rua, me lambuzava de fantasias e desejos. Que é da rua, da infância e de Libinha?     
Ceflorence   20/08/16      emal  cflorence.amabrasil@uolcom.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário