RACIOCÍNIOS, COTIDIANOS
E DELÍRIOS.
Nossa rua,
além da brisa sorridente e do amor, só dela por destino e pelos deuses capetas,
era agregada de treze sonhos alegres, azuis de dia e desinibidos à noite, se
espalhando escondidos pelos meandros de cada muro, de cada menina e de cada
alma extravagante. Nossos sonhos na rua divertiam-se escalando janelas e
trepadeiras a cata de estrelas, deixando as fumaças dos balões desenharem os
desejos e brincavam de esconde-esconde conosco. Enrolavam, os sonhos, o porvir ao
acaso, em delicadas alternativas a disposição, antes de se recolherem. E sem
avisar, os sonhos impregnavam, carinhosos, as consciências distraídas passeando
pelas calçadas e as arrastavam para devaneios e beijos. A incerteza nunca passou
por lá, enquanto eu não desaprendi de ser criança.
Ali
mesmo na nossa rua, por acordo tácito, limitamos as alternativas ruins, para
que as professoras e as mães, mal intencionadas, não inventassem outras além
das já definidas, em três por dia na semana e quatro no domingo, por causa da
adicional obrigação da missa antes do futebol. As alternativas boas ficavam
jogadas ao leu e ao dará pelas portas das nossas casas com as bicicletas, nas
gavetas das bolinhas de gude, nos varais, aonde se penduravam as calcinhas que
escondiam os imaginários ou no vidro quebrado, em segredo pelo Quiririca, no
banheiro das meninas, na escola, por onde as fantasias enxergavam muito mais do
que a vista. Quem, dos sete da turma do Bueiro da Gruta, obedecesse em um só
dia mais do que três alternativas ruins, virava vaca-amarela ou ficava sem ser primeiro
na bolinha de gude; e tome gozação.
Mas a
noite, no silêncio dos fantasmas e dos ladrões subindo pela solidão e pelo
escuro, a única salvação era a promessa de obedecer e pedir desculpas, depois
do beijo materno carinhoso e com ele o medo enxugado pelo seu coração enorme. Em
seguida agarrava eu a bolinha de gude azul, a campeã mágica dos sonhos, e, ao
beijá-la, marcava o gol perdido à tarde. Por fim a bolinha carinhosa vertia-se
doce na pele de Libinha, irmã do Vilu, dona da calcinha do varal. Escarafunchava,
Libinha, com seus olhos tão azuis como a do gude, pela minha alma mole, invadia
minha cama ingênua e tal um dos treze sonhos amealhados pela rua, me lambuzava
de fantasias e desejos. Que é da rua, da infância e de Libinha?
Ceflorence 20/08/16
emal cflorence.amabrasil@uolcom.br
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