quinta-feira, 23 de junho de 2016

SONHOS DOS INFINITOS          

Melzia das Ilusões, deusa dos prazeres e das ternuras, mal repousara dos andejos de sua labuta, atravessou um pedaço pequeno, mas mais do que suficiente para os objetivos a que se propunha, de fantasia ainda em botão, como fazia todas as noites antes de se prestar a sair para confabular com as entrelinhas das venezianas fagueiras que escondiam e acomodavam os desejos para o repouso. Meiga, Melzia, debruçou-se sobre os olhos fechados de Nímia e ofereceu-lhe, para não assustá-la, com muito carinho, dois sonhos azuis, uma delicada pétala de ilusões e uma clave de sol virgem. Esta última, clave de sol virgem, ainda prestes a ser deflorada com candura sobre as partituras em branco, como pedem as solidões a serem oferecidas nos sonhos, aguardando, ansiosa, as mínimas, as breves, as colcheias, as semicolcheias e, entre estas atrevidas sonoras, as indispensáveis pausas para que o universo se tornasse justificável. Coisas dos deuses das fantasias, que não explicam suas razões, mas com alegria deduziu Nímia que a compreensão morrera duas estrofes atrás e fora sepultada com cantos de solidão, não atrapalhando seus sonhos. Vagueava tão livre, sorridente, Nímia, que nem pensou em acrescer um pedaço de portanto, inútil e pretencioso no contexto. Coisas dos mortais.

Neste ritmo, o descompasso proposital dos sons, das figuras, das fantasias, aguardou o silêncio autorizar os contrapontos adequados para Nímia invadir o inconsciente e deleitar-se, livre de censuras, nos absurdos furta-cores refestelados. Bacanal dos irreais, das deformações, das alucinações e dos subjetivos, autorizou a idolatria do delírio sadio. Melzia das Ilusões trouxera Nímia ao ponto de desencontro para antever-se com o além como propusera. Os amorfos inexplicáveis e as demências carinhosas intercambiavam-se aleatoriamente, tresloucados, vivos. Cavalgou, Nímia, sobre as notas, os desejos, os sons e os irreais. Plainou despautério azul, sabendo, feliz, sem saber que não queria saber, por onde tresandava risonha como feto protegido antes do estupro do parto para a guerra da vida. Encontrou-se Nímia consigo naquele ponto inexplicável aonde o calor da irracionalidade liberava ouvir o infinito marcado nas rimas grafadas sobre as pétalas dos devaneios colocadas em seu caminho por Mélzia das Ilusões, deusa dos prazeres e das ternuras. Poderia parecer excesso, mas a rotina e o cerimonial eram rigorosos sobre os andamentos. Divagar não é fácil.

Carregava ainda, Melzia, nos seus restados de afazeres, arrastando dentro da sua eterna e inseparável sacola de imponderáveis, os demais utilitários que teria de distribuir entre os que começavam a dormir, antes que as estrelas se escondessem nos sorvedouros das montanhas que devoram a escuridão. Era assim que começava, Melzia das Ilusões, sua faina noturna, pois só dispunha até a madrugada, quando invariavelmente furtava-se do sol, que se a encontrasse tresandando altiva a destruiria antes de cumprir seu destino de alimentar a esperança e a sensualidade, que só a loucura sadia cria.


Ceflorence   !2/06/16      email   cflorence.amabrasil@uolcom.br

2 comentários:

  1. Gostei dos sonhos infinitos e especialmente da simpática deusa Melzia. Atraente essa deusa!

    ResponderExcluir
  2. Gostei dos sonhos infinitos e especialmente da simpática deusa Melzia. Atraente essa deusa!

    ResponderExcluir