segunda-feira, 2 de maio de 2016

Criação Em Ré Sustenido

Iniciando, é fundamental registrar que os competentes Astrólogos e Teólogos, da Sociedade dos Abandonados por Todos os Santos, Congregação Sectária das Irmanadas Confrarias dos Astronautas Aposentados, dos Presos de Segurança Máxima e das Carpideiras Sinceras, em Concílio recente e memorável, deixaram vazar relíquias antropológicas, sobre a tradicional civilização de Tremom, na região de Bercatium, onde se desenvolveu a cultura Hespônsica, dos primeiros bípedes, semi aculturados,  ainda relativamente primitivos, de uma etnia atávica já consciente e que, apesar do uso do fogo, caminhavam na diagonal, em função do estrabismo hereditário e da intensa e única dieta baseada em caranguejos e outros crustáceos. Jamais se elucidou se eram estrábicos por caminharem na diagonal, atrás dos caranguejos, ou se só se alimentavam dos mesmos pelo estrabismo. Em seu rude primitivismo, jamais utilizaram os indispensáveis e modernos conhecimentos da hipocrisia, do engodo e da malícia.

Não há qualquer dúvida, no entanto, de que no dia azul marinho, do mês da parca semeadura, do ano da fome forte e das disputas infindáveis, introduziu-se o código de Artépios, descendente  de Kartona, Deusa criadora do universo, o qual, depois de um reinado conturbado, mas duradouro, foi enterrado embalsamado entre lírios de conduta duvidosa e ao sabor de seitas cabalísticas, na ala norte dos adoradores de Sermisium. A  nós devotos, é fundamental saber que acompanharam o soberano, os cantos, as profecias e as poesias premonitórias Creônicas para  traçarem  os destinos dos recém nascidos, Semi Deuses, Átora, Atora  e Atorá.

Estes predestinados, ao receberem seus polos de destino, caminharam envoltos em mansos vendavais de alegria, rumaram suaves, com remos competentes e braços fortes, em direções desconhecidas e muitas vezes  contraditórias, mas embalados por valores e afagos puros e cantos brandos.
Chegaram ao limite do consciente ameno, apoderaram-se de volume suficiente de estrutura compatível com o disponibilizado, dentro das suas ambições e metas, para dividirem, com os criadores de paradoxos, os  ensinamentos da euforia cerimoniosa e dos pontos extremos da dúvida.
Podemos com esta rápida varredura sobre o histórico, atestar que as premonições se confirmariam textualmente. A realidade traçada para o futuro obscuro, que as vezes irreverentes pecadores ousam destruir, seguiriam rigorosamente as métricas inflexíveis das rimas dos astros e as fantasias descritas nos cerimoniais fúnebres.
Eliminando habilmente as incoerências, os Semi Deuses constataram que haviam restado, após milênios, somente três crenças, seguidas pelos canalhas, pelos caolhos e pelos calhordas, e porque não dizê-lo, pelos demais, a saber: a psicanálise, idolatrada pelos discípulos das interrogações insolúveis e permanentes, o materialismo histórico, adorado pelos criadores dos projetos inviáveis e, por último, o mercado, endeusado pelos futurólogos e justificadores dos erros pretéritos.
As demais seitas, até tradicionais, passaram a atuar mais em áreas da prestidigitação, da magia, e com muita eficiência nas finanças.
Cumprindo os mandamentos proféticos, Átora, Atora e Atorá, encontraram-se, pelos caminhos da fortuna, exatamente no lugar em que O Todo Poderoso, extasiou-se ao infinito, dando o melhor de si e caprichando no fino acabamento daquilo que acabara de concluir com muito amor. Comovido com a beleza da natureza que criara, chorou de alegria, derramando ali uma única e afetiva lágrima a qual se transformou no perene Carioca, rio idealizado e fantasiado por ele, com ternura.
Assim, a Trindade, ungida pelo destino de criar uma só e abençoada liturgia, prepara, com afeto, o porvir, respeitando rigorosamente as cerimônias proféticas que lhes foram determinadas.
Para tanto, procuraram, cuidadosamente, uma carinhosa fé, enredaram-na nos ombros firmes e aconchegantes de um credo insinuante, após uma noite em que não faltara luxúria e amor a ambos, e os dispuseram, embevecidos e sonolentos, entre quatro velas tagarelas, duas garrafas de pinga oferecidas, um risonho galo de briga preto, valente, e uma inibida pomba branca, virgem. Destaque-se, por derradeiro, neste ofertório mágico, uma encabulada farofa, entre dengosa e tímida, com as persistentes insistências dos afagos de um mambembe vira-lata, agnóstico, intisicado, mordiscando suas intimidades.
E mais, na encruzilhada entre o Beco dos Velhacos e a subida do morro, assistiu a tudo, um cacoete bêbado, maltrapilho, olhando ainda de soslaio, à jusante, a natureza esplendorosa da Baia da Guanabara, deleitada com a delicadeza da sonoridade de um berimbau gingado, de um reco-reco honesto, de um cavaco competente e um tamborim risonho.
E deste sincretismo singular, sob as benções do cacoete, a ternura do coro de instrumentos e o amor da trilogia profética, viu-se nascer e criar, com muita veneração, os Santos Irmãos Siameses, orgulho da união, da pureza e dos sonhos, o Carnaval e o Futebol. Mas, infelizmente, a brisa da previdência ou da imprevidência, assoprou leve o registro desta cerimônia que se perdeu, no sempre, para ninguém mais chorar sem alegria.

Ceflorence – e-mail cflorence.amabrasil@com.br

7 comentários:

  1. Prezado sr Florence,

    Para mim, esta é a melhor crônica dos últimos meses, ou desde que eu conheci os seus textos, evidentemente que sem nenhum demérito das demais. Um cordial abraço, diretamente de um dia inesperadamente congelante da primavera de Summit/New Jersey).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sra. Màrcia muito grato pelo carinho do retorno.
      Desejo que aproveite muito, merecidamente, a viagem. Abraço, Carlos Florence

      Excluir
  2. Muito bom, Carlos! Tentei publicar no Facebook mas não entra, só entra o comentário.
    Abraço!
    Tânia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. cara Tânia, mais uma vez muito grato pelo seu retorno e pela intenção de publicar no face.
      Diga-me qual a crônica que você quer publicar e eu mando separado do blog e provavelmente não haverá problema para publicar. Abraço, Carlos

      Excluir
  3. Muito bom, Carlos!
    Tentei postar no facebook mas não consegui.
    Abraço,
    Tânia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tânia mais uma vez obrigado e o problema de publicar na face está com uma proposta acima. Carlos

      Excluir