ELEUMÉRIOS DO
ATRISCAITÃN E OUTRAS ESTROFES DA CRIAÇÃO.
Deu-se nos tempos
devidos, aberto cerimoniosamente e com consenso o evento ecumênico aguardado, muito
discreto, sem arroubos ou pretensões, na grata finalidade de desmistificar
pontos obscuros sobre o conflito milenar, na realidade fictício. Tal não
poderia deixar de ser reforçado pelos liberais bem intencionados, sobre os
suportes históricos e reais à civilização, da sinergia milenar entre religião e
ciência. A teologia e as teorias científicas, engajadas e articuladas pelos
homens de mentes e corações amplos, despidos de preconceitos, tanto como de radicalismos,
os quais convergiram sempre no princípio inabalável da criação do universo por
Mãos supremas, na coerência das interações indiscutíveis. Deus, portanto, criou
o abstrato e o concreto, antes de impregnar os ungidos existenciais com
múltiplas e adequadas composições alternativas de pragmatismo. Calibrou-os com
exatas porções de espírito, alma e cérebro, dosagens perfeitas, indispensáveis,
com aptidões específicas, dando-lhes plena autonomia nos procedimentos, livre
arbítrio, dentro dos seus contextos singulares, como melhor lhes aprouvesse.
Estes detalhes são fundamentais para o entendimento da dimensão da criação
sublime. E é neste complexo que a centopeia, mesmo incrédula, recebe
discernimento sustentável para movimentar cem minúsculas pernas e não tropeçar,
no entanto não consegue calcular o resultado de dois mais dois e nem se
preocupar com a necessidade destas excentricidades inúteis. Em contrapartida,
Deus gratificou ao homem com o imenso poder de aprender as verdades bíblicas,
calcular a velocidade da luz, compor a oitava sinfonia, escrever Grandes
Sertões e Veredas, constatar a teoria da relatividade, mas não o agraciou com
leveza apropriada para confrontar a gravidade e muito menos despregar-se do
solo raso como proveu, aleatoriamente, favorecer ao condor, de forma tão bela e
independente. Estas alternâncias são um só complexo indivisível, mesclando nesta
melodia sutil da natureza, simples e lógica, que nos amaina, toda a dimensão
incomensurável do Criador, reverenciada pelos verdadeiros sábios. Tais esplendores de integrações não caberiam
desunirem-se, nos ritmos e modos como Deus criou o perfeito e o incomensurável.
Não assim fosse, a harmonia se esfacelaria entropicamente e o caos prevaleceria
sobre a ordem, o destino e o cosmos.
Solvido este mero introito das composições
indiscutíveis e apaziguadas acima, passa a ser nosso objetivo recuperar dados
antropológicos e teológicos obtidos em escavações nas áreas centrais desérticas
do Atricaistãn. Os reduzidos e quase exterminados nativos desta região
extremamente árida, os Eleumérios, oriundos de Eva e Adão após o casal ter sido
desalojado de um paraíso fantástico, do qual não sobrou referência ou detalhe e
inclusive os descendentes evitam memorar detalhes desconfortáveis, por motivos
morais, éticos e atávicos. Constatou-se serem os herdeiros detentores únicos destes
fatos indiscutíveis, após a transformação divina do nada em ser. Portanto, é o
primeiro clã eleito, escolhido pelo criador. Estes conhecimentos confirmados,
respeitados e seguidos pela religião e ciência são irrefutáveis, pois nascem
dos legados do primevo casal. Deus deu a saber a estes privilegiados, que antes
de lapidar os contornos e acabamentos caprichosos nas criaturas e nos relevos
todos dos aléns e escolher a terra como fruto simbólico do seu imenso amor por
ela e seus ocupantes de todas as naturezas, experimentou várias formas,
anteriores, primitivas e diferentes de complexidades alternadas, primárias,
embrionárias e provisórias. Apesar de toda a onisciência, Deus no início, ainda
principiante na arte criativa, entrelaçou varias substâncias, embora imaginadas
e criadas sós por ele, etéreas e desuniformes, cujos resultados pragmáticos não
o agradavam. Com tenacidade eterna e divina recomeçava outra vez sempre e
sistematicamente. Estes detalhes, levantados, ocorreram muito antes daqueles
quinze bilhões de anos humanoides do referido Big-Bang, com os quais o Criador
não comunga nas fantasias descritivas dos conceitos atuais. Tanto assim que as
desaprova, a bem da verdade, sorrindo benevolente, pois milenares medidas perdidas
em tempos divinos são completamente diferenciadas das astrologias temporais
arbitrárias, pagãs e primitivas dos homens, que mal se suportam em razão das
deturpações tópicas, com suas ficções barrocas ou rococós, mistificações
tempestivas desmerecendo os astros, buracos negros, anos luzes, galáxias, os
sois, estrelas e coisas que tais. Imaginações ingênuas dos mortais medíocres, descrentes,
limítrofes, que não possuem alternativas mais criativas. Os sete dias da
criação do cosmos, modestamente admitidos como espaço e dilação suficiente para
a criação do incomensurável existir, jamais refletem, pela complexidade criativa
divina, o banal acender e apagar do sol que delimita o transcorrer do dia pobre
e antropológico. O proceder de esta epopeia impar e suprema é meticulosamente
medido em espaços de milagrosas luzes atemporais, tanto que cada micro de átimo
tempestivo Divino se respalda em concentrações inconstantes de metamorfoses,
fruto de reflexos-reflexivos irrequietos organicamente, resistentes a tridimensionalidade
e aos movimentos estacionados. São padrões impraticáveis de constatação dos mortais
dada as limitações a estes impostas, mas confirmadas empiricamente pelo simples
fato de existirem e se contemplarem em todos os seres, inclusive o homem. Estas
metamorfoses atemporais são subdivididas em desejos próprios da sensibilidade
momentânea do Criador, que se estendem, aleatoriamente entre o nada, partindo do
invisível, juntamente com o inimaginável, respaldado no pretérito e sem nenhum
conflito com o porvir. Fundamental estes conceitos, pois partem desde os
milionésimos de milagretes insipientes, subdivisão de nanoelocubrações
concretas, mas sempre instáveis divinamente, até infinitesimais super-escalas
inatingíveis pelos cógitos mentais convencionais. Os Eleumérios, escolhidos
descendentes de Eva e Adão, detiveram, por muito curto período, o privilégio de
decodificar estes calendários e tomar ciência das combinações com as quais Deus
dosava e media as matérias primas produzidas para suas experiências pré-cosmológicas.
Mas, por precaução e receio, os Eleumérios
esconderam estes tesouros dos conhecimentos sagrados ontológicos em
profundas cavernas nos rincões dos Inconcebíveis, ao fundo inacabado do deserto
de Atriscaitãn, para não caírem em mãos desconhecidas e indefinidas. Estes
estranhos usurpadores intentavam, ao que se colheu dos imemoriais, com as
argamassas e amalgamas extemporâneas divinas, criar outro evento existencial paralelo,
competitivo e materialista. O Senhor inventou, habilidosamente como sempre, o
esquecimento e impregnou-o sabiamente na mente ingênua dos Eleumérios, como
precaução.
Os fatos acima não são detalhes, nem
questões de somenos. Como se acompanhou, infelizmente, destes ensaios
anteriores restou micro sinais e muitas desinformações esparsas. A bem da
verdade muito mais se especula sobre os mesmos do que se pode constatar. A
maior dificuldade de restauração dos fatos, concretudes ou abstrações, destas
comunicações pretéritas dos seres de Artochoi Orum, como Deus denominou o seu
complexo anterior experimental, são os conflitos de então entre o paradoxo, o
subjetivo e a fantasia desconhecidos pelos videntes, clérigos e cientistas
atuais. Mas algo diminuto sobreviveu e outro tanto é suposto. Deus não
consolidara ainda o termo universo e nem o homem então, portanto, não se
permitiu denominar a provisória Artochoi e seus atributos com estes substantivos
próprios. Nesta experiência divina, extinta, a comunicação dos entes era
intelectiva. Realmente se interligavam estes seres pré-universo, então criados
com partes espirituais e outros tantos complementos materiais, proporcionais a
cada criatura, desde as mais primitivas, até as mais desenvolvidas e
sofisticadas, através de ondas cerebrinas. Os inanimados, neste complexo anterior
e experimental, emitiam por mini-sensores mentais mensagens objetivas, capazes
de descodificarem as subjetividades e os concretos, intercalados dos signos dos
seus propósitos corpóreos para afetarem os correspondentes usuários. Não
correspondiam, estas oscilações comunicantes, aos limitados efeitos ofertados
aos seres vivos em nosso universo como o calor, fala, visão, cor, cheiro,
paladar, sabor, perspectiva, olfato, reflexo, mas agiam diretamente no
imaginário dos cógitos dos seres para os atraírem, repelirem, agradarem,
subsidiarem, imantarem ou convencê-los. Os próprios inanimados, neste contexto,
possuíam a capacidade reprodutiva (como uma convencional pedra, por exemplo,
parir pedregulhos sutis e delicados que cresciam e se ofereciam, reprodutivamente,
aos consumidores ou uma amêndoa que devidamente devorada, multiplicava-se em
várias castanhas mimosas). Assim se invertia a dialética, quanto mais eram
absorvidos pelos seres animados, os inanimados se proliferavam e os primeiros se
volatilizavam pelo além para se transformarem em contemplativos adoradores. Passavam
em júbilos desmaterializados a contemplarem o esplendor infinito do nada ao
lado do Criador. Os espíritos mais adiantados e soberbos se postavam
orgulhosamente a montante do Silêncio Soberano e mais próximos da Paixão
infinita, em contrapartida, quanto mais primitivo, maior a distância do Eterno.
Este privilégio de ladear o Senhor se estendia por graúdos nacos enormes existenciais
de átimos milagrosos enrolados em faixas enormes de nada delicadas.
Aqueles seres então possuíam sua
dimensão material e o respectivo e adequado complemento espiritual, alma ou
mente expressiva comunicante. O original da espécie apresentava a habilidade de
as matrizes sólidas, o corpo, liberar a substância volátil, a alma, para esta
ao bel prazer tresandar alhures como bem lhe aprouvesse. Seria como atualmente o
intelecto ou espirito humano passear pelos arredores deixando o corpo entretido
em outros detalhes existenciais. Um dos problemas recorrentes neste contexto moto-tresandante,
articulado por Deus aos indivíduos, era que em certas circunstâncias
acidentais, elas se desorientavam nos espaços desconexos ao intentarem
regressar a sua própria matriz corpórea deixada ao dará. Não era incomum se
confundirem as almas espirituais circulando pelos aleatórios e, desorientadas e
perdidas, as vagantes desajustadas ocuparem espaços físicos alheios vazios.
Estes desatinos provocavam atritos de locação, além de problemas sérios de
sexualidade, transexualidade, ciúmes, anseios e infiltrações conflitivas.
Também ocorriam acidentes, não incomuns, de uma única matéria corporativa
receber dois afetos espirituais simultaneamente e disputando a mesma vaga. Ou
outra ficar, neste contexto, carente de vivência espiritual. Foi quando Deus,
observador e atento, descobriu a esquizofrenia, achou este propósito material
didático, interessante, e deteve restolhos apropriados para encarnar em um
futuro indefinido.
Outra
experiência desta antologia cosmológica primeira, que frustrou o Senhor nesta
sua fase experimental foi a irrelevância atribuída por Ele à gravidade naquele contexto
anterior. O aforismo atual que: “matéria atrai matéria na razão direta
proporcional à massa e inversamente proporcional ao quadrado das distâncias que
os separa”, considerou o Criador desnecessário e preferiu não introduzir em
Ortochoi Orum. Depois de lançar os compostos todos criados no contexto de então
e passar a observá-los como agiam sob o despautério da ausência de gravidade,
pasmou-se dos detalhes paradoxais. O que poderia parecer facilitar a locomoção
e transporte se tornava exaustivo, pois se imaginara que poderiam ser
utilizados contrapesos específicos para os objetos se atraírem e se
movimentarem. Mas também estes se espargiam aleatoriamente ao sabor da
densidade do nada, não tinham como retornar aos destinos e passaram todas as
espécies, desde os mais evoluídos seres aos mais primitivos, a sofrer de
depressão e agorafobia.
Exausto, pensativo, contrariado, Deus,
por último, se pôs em meditações divinas profundas, por uma série interminável
de átimos milagrosos indeterminados e contemplativos. Muitos infindáveis
milagretes posteriores, sem mais devaneios, desmantelou os restolhos de Ortochoi,
desfez peça por peça, anotando os resquícios do evento, na maioria das vezes,
em sua memória privilegiada somente. Com parcimônia, retrocedeu tudo
cuidadosamente ao nada, tomando a decisão divina de salvaguardar somente
algumas mudas de substâncias esquisitas e raras em Ortochoi para, eventualmente,
em algum além-desconhecido usá-las para enxerto, semente ou procriação. Conta-se,
portanto, nos alfarrábios escondidos dos Eleumérios na caverna dos
Inconcebíveis, que escapou no cesto divinal do infinito atemporal, resíduos de
migalhas de amor, mínimos desejos em botão, uma cunha cheia de mentiras,
pitadas de desafetos em bons estados de conservação, um chorrilho de ciúmes
para contrabalançar amor excessivo, inveja em doses razoáveis, ambição pouca para
não se tornar desmedida, duas cabaças rasas de preguiça e meia de sono, um
desafeto urinando ainda em suas fraldas e outras malvadezas de pouca utilidade,
mas em bons estados de uso, para, com estes restados, se O aprazasse, praticar
novas experiências em algum talvez esquecido e distante, após infinitesimais
átimos de milagres quaisquer de futuros imprevistos e incertos.
Derradeiro e magnífico, desiludido pelos
conflitivos paradoxos de Ortochoi, embora muito antes de elucubrar seu próximo
e último arrependimento, o universo atual, sem trauma algum, recostou-se sobre
uma extensão serena e confortável do mais macio nada. Escolhera este além entre
as indefinições aleatórias, onde se sentia tranquilo, e atentou os ouvidos eternos
para espairecer, merecidamente, com o choro angelical, distante, de trompetes e
flautas que o repousava tanto. Enquanto isto lançava, Ele, aos horizontes ocultos
suas profecias, prevendo achegarem cansados pelos caminhos desconhecidos o
futuro e a incerteza para recompô-los em atualidades presentes e realidades
concretas. Tudo se dava pelos cantos dos infindáveis ruídos dos silêncios, pois
só Deus poderia antever que a angústia seria criada por Ele próprio e assim transmudar
o imenso nada abundante em céu, terra e, caprichosamente, inventar o homem para
aprender a sofrer e merecer, no fim, a usufruir da extrema alegria angustiante da
morte.
Ceflorence 14/11/19 E-mail -
cflorence.amabrasil@uol.com.br
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