segunda-feira, 4 de novembro de 2019


DESVAINEICENDO EM GRENÁS

 Poderia ser, talvez fosse, nada é absoluto agora quando a maré retornou desencantada da lua e os deuses amainaram, tanto que me atrevi quase a garantir que atravessávamos um verão atípico, se não escutasse ainda um resto de silencio querendo acalentar meus receios e espreitar minhas desordens. Tentava sorrateiro, o lúgubre calado, intercalar uma racionalização indiscreta entre minhas emoções e com isto desestabilizar uma paranoia promissora, ainda em botão. Paranoia tem de ser cultivada com carinho e salva de meditações lógicas. Lembro-me, como se fosse hoje, pendia indiferente sobre uma tristeza, não sei se minha ou dela, beijando as bordas da solidão, uma andorinha introspectiva a espera de o destino enxotá-la para suas obrigações e desejos. Nossas relações, andorinha introvertida e eu, não poderiam sequer retornar, se estes gestos e acontecimentos gratos e fortuitos não ficassem indefinidos como os meandros dos sonhos e devaneios carecem ser. Desvaineicendo foi naquele momento o perfeito cio das profecias ajustadas à fecundação do alçar em destino incerto da andorinha com minha solidão amamentada em expectativa grená bordando o sofrimento. Os advérbios, neste silogismo, não poderiam fugir da lógica clássica e para tanto esta cerimônia deveria seguir rigorosamente o ritual de metáforas em gestação ou regrediriam ao inconsciente. Por definição, fomos tempestivamente assaltados pela angústia, as fantasias confabulavam incomodadas sem virem à luz, assim se deram os fatos: tanto que a andorinha insinuava sobre o desconhecido antes de alçar ao além, o vento interpolou seu gemido candente aos dobrados dos sinos da capela pobre, não consegui eu despir-me dos preconceitos, pois o tempo, em consideração ao desespero, metamorfoseou-se para enfeitar o poente.
Não havia razão para nos masturbarmos ou tentarmos entendimentos pessoais face à heterogeneidade dos valores e preconceitos esparramados entre o futuro incerto e uma penca de meditações pretendendo amadurecer para o outono.   A andorinha, proposital e disfarçadamente, se desfez de escutar meus imaginários sussurrados sobre seu pio doce, para não interferir na rima e métrica da poesia que deveria ser parida e afagada pela fantasia e, em contrapartida, abortar a paranoia. Mais do que uma hipótese era uma reconciliação com a demência abrindo espaços para o desconhecido. O sino, indiferente, sem falas outras que não suportava mais, sobreveio com sua nostalgia enquanto se deu ao verde escutar tão longe quanto a saudade alcançava. Realmente parecia verão, embora as borboletas voassem indeterminadas e em na ordem das cores invertidas, mas respeitosas. Dispus-me a quedar sem mais orgulho ou afobação para não melindrar o destino. Escutei, antes de tomar outra decisão, um ruído inconfundível, metafísico, sobre minha hipótese mais robusta, a melancolia. Com isto conferi as pedras das sortes, que lançadas ao dará espelhariam o porvir. Confirmou-se, poderia ser mesmo verão, pelas reflexos estereotipadas dos gestos da ansiedade. Assim, imaginei profundo, o mais alto possível e tão delicado quanto, sugerindo à andorinha escolher voar para o infinito ou deixar um pedaço afável das nossas relações sobre a tristeza em que ela pousara. Em seu lugar, como símbolo da solidão, a saudade ficaria ocupando seu retorno dos aléns vazios, pedindo desesperadamente para Deus despetalar notícias dela.
Isto poderia parecer questão de somenos, mas naquela circunstância, para conciliar as intenções e os objetivos da ave indiferente às minhas propostas claras, teria uma única solução factível: incrementaria o imaginário inibido, pediria clemência aos sinos distantes para enfeitiçarem para sempre a altivez de a andorinha pintar o cair da tarde com insinuações disfarçadas de arco-íris e esperança. No solfejo tentaria enganar minha opressão, pois esta, caminhando sorrateira entre os meus mais íntimos devaneios, esperava tocaiar-me na curva do desconhecido. Insatisfeita e avessa, a opressão despachou para o infinito do nunca mais a ave delicada, que peregrinou antes de receber indiferente as minhas fantasias afetivas. Não haveria mais tempo para apaziguar-me sem recorrer à demência suave. Com certeza me traria sossego e solidão. O outono chegaria a poucos dias, tanto que se confirmou que uma andorinha só não faria verão e tive de me restar chorando melancólico.

Ceflorence      03/11/19        email      cflorence.amabrasil@uol.com.br

5 comentários:

  1. Carlos, bela e melancolica cronica. Mas espero que vc não desista da andorinha.

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  2. Sr Florence... è fato que uma andorinha não faz verão... mas é preciso a chegada da PRIMEIRA. Belíssima crônica. Estava sentindo falta.
    que bom que voltou a publicá-las.

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    1. Sra. Márcia
      como sempre extremamente atenciosa e carinhosa com os seus comentários. É uma alegria saber que sempre existe uma andorinha sobrevoando as fantasias que, como escritor, lanço ao dará. Muito Obrigado.

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  3. Encantadora! As ondas sonoras que atraem os pássaros, vibram como mistérios para atrai-las. "As andorinhas voltaram..." Assim assegura o compositor.

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    1. Muito obrigado pela visita, carinho e atenção. Este é o motivo permanente porque as andorinhas sempre voltam.

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