ENSAIOS, COMEDIMENTOS E OUTRAS TORPEZAS.
Não saberia até
aonde poderia contar com as circunstâncias prenunciadas pelos astros que me
espionavam em desalinhos zodiacais ou mal intencionados, mas, com certeza, como
sempre insatisfeitos, naquela madrugada de vento frio e ruelas tortas e vazias.
As paredes centenárias se despiam de seus preconceitos, esperando beijá-las eu macio
sobre as manias, os seios e os advérbios mais insinuantes. Alguns poucos
advérbios, castos, embora os demais desprovidos de desejos e desfeitos de
pretensões ou motivos, mas imperturbáveis, se alinharam tangencialmente.
Alimentava a plenitude interrogativa de minha esquizofrenia em dó bemol por
onde as andorinhas chilreavam acomodadas nos arbustos vizinhos e, assustadas,
escondiam-se nos ninhos introjetados. Natureza e ódio; por ser medíocre,
ocorreu-me cinicamente conferir as premonições. Neste quadro, as incertezas incrédulas
se tornaram minhas únicas afinidades. Imaginei, caso fosse sacerdotisa, deificado
ou mágico, transformaria estes detalhes miúdos do real e ou do imaginário em
além e pediria uma dose dupla de uísque sem gelo, se restasse algo a expor a alguém
complacente e atencioso. Em vão, a maioria me evitava disfarçadamente, outros mortos,
os demais abscondidos.
Por ser assim e não em quarto
crescente, escutei claramente as calçadas envergonhadas, irregulares, gemerem
suaves como se parissem suas tristezas renitentes e precauções imprecisas. Não
caberia contraditório; pois, já engravidadas, as calçadas paririam com ou sem avisos
antecipados os melhores fetos sangrentos das misérias estraçalhadas pelos
mendigos abandonados durante o dia, o tempo e o inferno. Amém. O sino acordou e
se pôs de infinitivo como se isto fosse fundamental para encolher o sofrimento.
Confundi meu egocentrismo com o chafariz que coçava o arrependimento copiosamente
com suas lagrimas borbulhantes. Coisas do ateísmo pagão ou da divina comedia? Em
aleluia imperdoável e respeito, deixei-me postar quieto, inconformado e sem
resposta. Intuí que sequer seria o dia do perdão, tanto que a pastelaria do
China estava sendo lavada naquela única madrugada da semana e os detalhes
jogados no meio do desespero, pois a rua não os tolerava mais.
Se bem me lembro, agora, caso não
fosse pleno outono, a lua não estaria tão lindamente menstruada e indiferente. Por
trás me seguiam mal cheirosos os pedaços indefinidos de futuros sem suas
afagadas eiras, imprevistos, beiras ou amargos, até onde imaginava eu e, se
diga com fervor, pois sequer restara um tom de embora ou talvez como se fosse
viável naquela entropia. Perduraria, com certeza, somente carregar o desdito
futuro imbuído de mediocridade, tanto como o passado regurgitava para atingi-lo.
Puxei o cachecol surrado para agasalhar a angústia e me dei a relembrar os tempos
em que minha mãe me aleitava em seu ventre aconchegante, reconfortei-me na melancolia
e sorri carinhoso para os sinos cadenciados da catedral que, como todos os
idiotas, não saberiam das razões, das crenças e nem porque obedeciam as ordens
impertinentes do tempo que não repousava jamais. Bares fechados, inclusive o
bilhar do Punga Canalha, aonde os jogadores, os bêbados e as mágoas,
acariciadas pelas putas poucas, conversavam despautérios e se retardavam
amolengados pelas imundices e falcatruas. Esperavam o nada entrar pela porta da
frente, antes que as garrafas vazias subissem pelas teias de aranha para
rezarem um padre-nosso em louvor à demência. Os ratos penitentes nem se
alvoroçavam, pois deus não os reconheceria jamais.
Dos sonhos açodados, espatifei meus
delírios inconformados entre o futuro e um sorriso bonito da moça que fazia
sinal para o ônibus barulhento parar. Não sabia se ela estaria pedindo socorro,
companhia, proteção ou se refletiriam medo os olhos capturados pela sua solidão.
Entre a dúvida e a tristeza, perguntei ao silêncio se seriam exatamente as
mesmas mariposas do ultimo verão que brincavam embevecidas em torno da lâmpada
indiferente e modesta. Não me arroguei nem por redondilhas ou impávidas métricas,
rebuscadas, por se fazerem intransigentes, como é típico nos períodos em que a única
companheira, a imaginação, resta petulante e atrevida. Apesar de tudo, a
senhorinha antes de se transmudar em angústia pelo ônibus gatuno, sem sequer olhar-me
como ansiei muito, sumiu pela viela sem fim, deixando-me penitente sobre as
fantasias, o calçamento e a incerteza. Não haveria tempo para me reconfortar, pois
do inesperado surgiu na esquina, obeso e pragmático, embora bem ajambrado e
sórdido, mais um nada frustrado. O nada sempre desperta estas apreensões.
Nisto uma euforia veio, maneirosa, me
abordar tanto como se contrapondo ao complexo de inferioridade que, a bem da
verdade se diga, mal solfejava seus restos de desejos miúdos que preferem florir
sem sorrisos, mas camuflados. Coisas atribuídas às escalas dodecafônicas ainda
em formação, embora impregnadas com suficiente fidalguia e provérbio durante a
metamorfose quando está esta no cio a espera da defloração jubilosa dos espíritos
intolerantes e mal intencionados. Poderia ser um ponto perdido na paranoia se
não fosse, com certeza, véspera de aleluia e, portanto, os pássaros não se
alegrassem em colcheias pelos extremos persecutórios da transcendência. Tudo
isto não me cativou, pois, inclusive, sem dúvida, estaria em sustenido ou em
alfa, tanto que o medo assumiu o verbo e latiu.
Recontei e conferi as parcelas, sem
dúvida eram sete, número cabalístico das notas do concerto eterno com que o
senhor rege o infinito para emprenhar o nada caótico e indeterminar o cosmos, mas,
por desespero e depois por vingança, inventou o homem para ensiná-lo a pecar,
mentir, rezar e poder, após, castigá-lo com justiça.
Isamael de Urupeia - Capítulo
indefinido e outras outorgas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário