quarta-feira, 24 de outubro de 2018


ENSAIOS TRISTES E DESTINOS REVERSOS.
            A memória, tristonha, revive minha pequena Juriaçu dos Tropeiros onde infelizmente o tempo cismou de esconder entre meandros d’almas os afetos e os desejos. Como era de hábito, em sendo sábado, os pássaros imbuíam-se dos melhores sonhos, tanto que me animava a recontar entre os intervalos das saudades, com as pontas dos dedos todos em várias vezes, quantos seriam os repiques cadenciados dos sinos apregoando a hora da Ave-Maria. Indiferente, a praça se abastecia de silêncio deixando a melancolia sombrear carinho sobre o casario disperso. Cada um portava a sua solidão com travo nos olhos, angústia na alma, esperança no futuro. Se faziam em gentes como as gentes são a se fazerem em vontades, enquanto a brisa desobediente vertia irrequieta pelas folhagens dos jardins brincando de rodamoinhos. As pombas traziam seus arrulhos sincopados e metódicos, implorando uma réstia de pão, uma migalha de atenção, um sorriso de alento. Pombas despretensiosas, mas carentes.
Tanto assim se dava como rememoro, que a esperança brincava pelas ruas tortuosas ganhando os valos e as serras querendo visitar o infinito. Era uma alegria deixar a vista seguir os volteios a se perderem levando pelas ruelas quebradas as melancolias e ansiedades. Por ser da sina das suas métricas e contornos, as calçadas aprendiam despreocupadas, dolentes e morosas a arrastar os pedestres para lhes oferecer as cadências aconchegantes das preguiças entremeadas nos bancos, desejos, arbustos, sorrisos e paredes. A torre da matriz remarcava as horas avisando da reza finda. Cada um então se servia de quanto o destino trouxera da malemolência, sem reparar que o azul despreocupado se dispunha em silêncio a escutar a noite caindo devagar, amolengada, enquanto se lambuzava no grená do poente beijo. Me pus em tempo de espera para não perturbar as meninas jogando amarelinha sobre os seus sorrisos soltos, quadrados riscados e inocências sinceras. Cada uma sabia ser a mais graciosa e até por isto não se preocupava em se exibir. 
            A simplicidade única das fantasias, para desobedecer aos intolerantes, ordenou ao coreto despreocupado do jardim retribuir a alegria e se espalhar pelos recantos animados, deixando a banda singela enfeitar o fim do dia com marchas alegres e dobrados ritmados. Sob a batuta do maestro, circunspecto, surgiu por trás do espigão uma lua curiosa para ouvir os compassos e iluminar a esperança. Os meninos brincavam de pega-pega entre os enamorados atravessando apaixonados os seus anseios. Os postes pediam aos cachorros para serem urinados, pois as estrelas se escondiam para não assustarem a lua que se banhava nas últimas lágrimas das chuvas. 
            Aqui, agora, Juriaçu dos Tropeiros apetece minha saudade, miúda e sozinha, ainda, naquele fim de estrada de ferro, rincão dos remorsos, de onde fugi um dia embarcando só, espremendo no garrote retorcido minha angústia, tristeza e solidão.
Ceflorence     15/10/18       email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

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