quarta-feira, 11 de outubro de 2017

DESPACHO E DESPEDIDA

                        Nunca entrara em bordel, o retirante a cata de seus futuros. Se pôs no desfecho das sanhas para aforar e coincidiu tratar de premências nas casas das damas por desfortunas das cismas. Mas diferente dos sonhados, desfez dos trejeitos e manias. Imaginava a maravilha dos pecados saborosos rodopiando pelas vagadas cadências dos andares flutuantes, enfeitando as paredes, tetos, imaginações, os abajures sombreados, fantasias. As portadoras das ternuras deixariam cair pelas coxas, pescoços, seios, nádegas, insinuações delicadas, sem preconceitos ou restrições, entrelaçando os cabelos soltos, ousados, esvoaçantes, perfumados. Roupas transparentes caindo cuidadosamente sobre as carnes palpitantes, voltadas para os céus e pedindo que os pecados lindos e os desejos azuis debruçassem sobre seus lábios para beijá-las infinitamente em orgasmos. Jamais poderia admitir tantas mesquinhezes, dispensáveis, que amulheradas putas tivessem corpos marcados de cicatrizes, pelancas soltas a serem escondidas e embora transitassem seminuas de roupas pobres e rasgadas, despertassem nenhuma preocupação dos olhados para não estorvarem as liberdades.
                        Indefiniam pelos corredores, quartos, a cata do único banheiro sujo, velho, para se acomodarem como gentes comuns nas urinadas e cagadas como procediam as fêmeas outras, tanto assim as cabras, as carentes das vidas. As andantes mulheres da zona pareciam assemelhadas à sua mãe, irmãs, vizinhas, gentadas pessoas indefesas, tristes, esperando o nada passar para não se assustarem. Fugazes e ingênuas dos cotidianos, sem aleluias ou estardalhaços, desmereceu Cadinho as senhoras prostitutas do sertão com muito dó, pois eram, por serem, tão constituídas de infelicidades idênticas.
                        Partiu, sobrou, sem dizer por que, uma réstia só de nada de água no Riacho da Perobinha, para nem arrastar sorte pela vida que viesse, enfezou Cadinho, sertanejo, retirante. Enfronhados desenfronhados fins, conflitos atiçados nas indiferenças e gritos dos prazeres. Adeus, oh deus dos infelizes e foi Cadinho subindo as escadas, para desaprender um pouco do choro, até esgueirar-se sem afobação pela porta do fundo do armazém do Abigão. O vendeiro retornara à depressão, sentado, enviesando os olhados para os despropósitos, mascando o palito de sempre, aconchegando um cafuné no papagaio mudo, esperando o nada entrar pela porta, em vez de Cadinho.
                        Resolvidas as teimas últimas com o vendeiro, adeus deu, mediu o sol começando a se esconder por trás da Forquilha, aprumou firme, calado, subida da serra que conhecia tão bem. Nunca atinara enfrentar o mesmo pó, caminho igual, sina repetida, pensando consigo no mais fundo, ele, por que a alma doía tanto? Atentou, foi atolando mágoa insolúvel, última, na sabedoria amarga pôr levar consigo um quase nada de pouco, além das roupas e farnéis, mais o desespero do punhado de fim sem volta e esperança, para oferecer às meninas irmãs que careciam partir sozinhas. Subiu sem mais assobiar como era do feitio. O curiango desceu de suas indiferenças, olhos muito marejados de tristezas e ansiedades, pousou no moirão das suas afeições e métodos, para avisar que o cavalo mandara recado para Cadinho chegar a tempo de ainda vê-lo vivo, se quisesse, embaixo da moita de bambu, lugar mesmo das conversas que estiveram tendo por último. Enfrentou as vistas das meninas especulando caladas das janelas pequenas, lembrou que era Cadinho, sertanejo, órfão de pai, sem mãe, arrimo das irmãs e não procedeu falar de si ou acreditar na realidade. Quem sabe? Parou por ai e nem cismou mais até enterrar o cavalo e despachar as meninas.

Ceflorence  26/09/17        email   cflorence.amabrsil@uol.com.br 

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