quarta-feira, 23 de agosto de 2017

SONHOS. DESEJOS, TELHADOS
Volto ao tempo e aos telhados por paixão. Nunca atinei porque, gostaria de saber, antes do beijo final, por que os telhados encantam. Divago enquanto o infinito não me mastiga, se as coberturas acalantariam pela dignidade, silêncio, loucura. Mesmo que paradoxal, os Artânios, que se nutriam de fantasias, garantiam, que estes véus sobre as construções, esvaiam-se por magias, permitindo que os bolores dos tempos, das chuvas e dos imponderáveis, sobre as telhas, aleatoriamente espargidos, fossem como búzios e tarôs, para os fervorosos terem seus destinos devassados.
Já para os tradicionais Éltios, os telhados embalariam o silêncio e das funções de guardiães das alcovas. Aqueles que tentassem decifrar estes remansos íntimos, enfrentariam os íncubos e as bruxas, antes de arderem no purgatório. Por último constava entre os Citérios, que a loucura seria, sem dúvida, a peça mais importante que coabitaria suas incógnitas. As videntes sabem que estas coberturas escondem as demências nos meandros musguentos, para que os demônios as roubem nas noites de pesadelo e as usem nos transes dos incautos, antes de os endoidarem. Os curas garantem, ao contrário, nas solidões dos confessionários, que as fornalhas dos infernos se alimentam com as liberdades que as ninfas espionam pelos desvãos dos tetos.
Telhados e calçadas conversam amenos sobre os transeuntes, as chuvas, as preces e escutam as brisas antes de intuírem o futuro. No entanto, só as pitonisas desvelam as tramas caladas dos telhados dos sobrados, para distribuí-los aos cancioneiros, que dedilharão fantasias em seus bandolins e tecerão com sonhos as suas rimas. Nas madrugadas, os seresteiros devolvem suas harmonias, em serenatas singelas, sob os beirais carinhosos, para as musas gratificadas. É assim que se constroem as recordações dos que amam, sob as benções das coberturas, pelas vilas, pelos recantos, pelas esquinas.
            Compartilhando as solidões ou as alegrias, o vento ameno nasce na ilusão e vem beijar os telhados e os alpendres com as trepadeiras buliçosas. Nestes remansos, os avizinhados carregam suas cadeiras para se acomodam nas prosas preguiçosas. Prudentes e receosos, vão liberando por partes, tímidos, em fatias pequenas, suas mentiras, seus tédios e suas angústias. Se faltar querência, retornam para a proteção dos próprios telhados velhos e se recolhem com as tristezas que exibiram, para só retornarem quando o remorso chamar. O tempo é marcado pelo sino da matriz avisando que o passado se foi e o futuro apontou na curva do imprevisto.
As tardes caem assistindo os pássaros repousarem sobre os telhados, ciciando segredos, para que o futuro não ouça, enquanto especulam se o transcorrer do tempo é real ou mera fantasia. A lua se insinua tímida, envolta em solidão e se derrama carinhosa pelos telhados que sonham nostalgias. Ali, jamais se desapaixona, a lua.
Ceflorence     16/08/17      email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

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