sexta-feira, 11 de agosto de 2017

ENTRAVES POR AUSÊNCIAS

            Apaixonei-me pelo nada, há muito, face à exuberância da sua timidez, impessoalidade. Já me debrucei aqui sobre esta delicadeza, retorno.  Entre o antes e o depois existe meramente o nada. Confirma-se, pois neste nada de instante, que já passou, transmudou-se tudo em um histórico nada. Tentarei sintetizar antes que o vigia do meu sanatório, de soslaio me espionando tão logo tomo papel e lápis, venha provocar-me. Impedirá que a esquizofrênica liberdade se nadifique em insano nada desconstrutivo. O intervalo entre passado e o futuro, embora seja o presente em lapso, é um nada. Se isto não é carregado de um respeitável nada, necessitamos de uma revisão psicológica. O vazio nada é tratado de forma inversa à merecida.  
O agora, segundo estudiosos, é um desfigurado melancólico nada entre o que acabou e o que vai acontecer. Ou este agora já foi ou ainda não é. É o substancioso nada desocupando seu espaço. Reconhecido pensador colocou, com sabor, de forma arguta, que quando se encontra alguém ou algo, após longa busca sobre os vários nadas, é sobre a imensidão destes nadas que resplandece. Se não houvessem os nadas contrapondo os seres, os existentes se atropelariam em caos. O espaço concreto entre o sim e o não é este nosso indispensável nada. O maestro e o compositor, se não harmonizassem sobre indispensáveis pausas, ou seja, os nadas sonoros, não fariam melodias, mas ruídos. Garimpemos outros saborosos nadas do cotidiano.
Saudade é essência do nada, apesar do poeta. Corrói mansa como bica seca desaguada, na porta fechada da casa deixada por nada pela mulher querida, depois da imensidão do nada. É o nada em solidão. E a angústia é filha do nadinha, amamentada de tristeza nos ocos faltados ou faltantes, sem acalantos, com as fantasias estilhaçadas nos inexplicáveis nadas. Nem pense em desejo, nadão de nada, morando a beira da nostalgia, que se estabelece com nada de cerimônia, casa, comida e roupa lavada. Não diz adeus, o desejo, inverna com a ansiedade traiçoeira, calhorda, amarga como nada. Engole o azul e o desespero do nada se acomoda como chinelos velhos pelos vãos.    
Longe de entrar em discussões acadêmicas, mas tendo de recorrer a posições concretas, devemos considerar que de certa forma o nada já foi manipulado por hábeis herdeiros dos sofistas. O que é o pecado senão o nada da virtude. É parente de parede de meia das conclusões finais sobre ética e humanismo entre fundamentalistas ortodoxos, isto é, nada. A discórdia é o nada explicito do ódio, é o nada de amor, é o nada do senso, é a demência evidente. Este quiproquó enaltece o fanatismo em nome do nada, explodem-se bombas reais abrindo-se enormes nadas em saudações à morte. A exuberância do nada, o nada mais radical e compacto é a morte. A morte sintetiza o nada absoluto, simultaneamente é arrogância, esplendor e solução.  Paradoxo das feridas abertas para os nadas.
Chega de incongruências, nada de lamúrias. Vamos ao nada objetivo, construtivo, forte. Ao nada em botão porque ainda é nada a florir e é nada ainda porque só será quando for. Entre tantos nadas, proponho louvação ao nada antes que este enfermeiro louco, nada afável, do sanatório, me coloque a camisa de força e me deixe em situação nada confortável em posição de demente.
Ceflorence 02/08/17                 email  cflorence.amabrasil@uol.com.br

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