ENTRAVES POR
AUSÊNCIAS
Apaixonei-me
pelo nada, há muito, face à exuberância da sua timidez, impessoalidade. Já me
debrucei aqui sobre esta delicadeza, retorno.
Entre o antes e o depois existe meramente o nada. Confirma-se, pois neste
nada de instante, que já passou, transmudou-se tudo em um histórico nada.
Tentarei sintetizar antes que o vigia do meu sanatório, de soslaio me
espionando tão logo tomo papel e lápis, venha provocar-me. Impedirá que a
esquizofrênica liberdade se nadifique em insano nada desconstrutivo. O intervalo
entre passado e o futuro, embora seja o presente em lapso, é um nada. Se isto
não é carregado de um respeitável nada, necessitamos de uma revisão psicológica.
O vazio nada é tratado de forma inversa à merecida.
O
agora, segundo estudiosos, é um desfigurado melancólico nada entre o que acabou
e o que vai acontecer. Ou este agora já foi ou ainda não é. É o substancioso
nada desocupando seu espaço. Reconhecido pensador colocou, com sabor, de forma
arguta, que quando se encontra alguém ou algo, após longa busca sobre os vários
nadas, é sobre a imensidão destes nadas que resplandece. Se não houvessem os
nadas contrapondo os seres, os existentes se atropelariam em caos. O espaço
concreto entre o sim e o não é este nosso indispensável nada. O maestro e o
compositor, se não harmonizassem sobre indispensáveis pausas, ou seja, os nadas
sonoros, não fariam melodias, mas ruídos. Garimpemos outros saborosos nadas do cotidiano.
Saudade
é essência do nada, apesar do poeta. Corrói mansa como bica seca desaguada, na
porta fechada da casa deixada por nada pela mulher querida, depois da imensidão
do nada. É o nada em solidão. E a angústia é filha do nadinha, amamentada de
tristeza nos ocos faltados ou faltantes, sem acalantos, com as fantasias estilhaçadas
nos inexplicáveis nadas. Nem pense em desejo, nadão de nada, morando a beira da
nostalgia, que se estabelece com nada de cerimônia, casa, comida e roupa lavada.
Não diz adeus, o desejo, inverna com a ansiedade traiçoeira, calhorda, amarga
como nada. Engole o azul e o desespero do nada se acomoda como chinelos velhos pelos
vãos.
Longe
de entrar em discussões acadêmicas, mas tendo de recorrer a posições concretas,
devemos considerar que de certa forma o nada já foi manipulado por hábeis
herdeiros dos sofistas. O que é o pecado senão o nada da virtude. É parente de
parede de meia das conclusões finais sobre ética e humanismo entre fundamentalistas
ortodoxos, isto é, nada. A discórdia é o nada explicito do ódio, é o nada de
amor, é o nada do senso, é a demência evidente. Este quiproquó enaltece o fanatismo
em nome do nada, explodem-se bombas reais abrindo-se enormes nadas em saudações
à morte. A exuberância do nada, o nada mais radical e compacto é a morte. A
morte sintetiza o nada absoluto, simultaneamente é arrogância, esplendor e
solução. Paradoxo das feridas abertas
para os nadas.
Chega
de incongruências, nada de lamúrias. Vamos ao nada objetivo, construtivo, forte.
Ao nada em botão porque ainda é nada a florir e é nada ainda porque só será
quando for. Entre tantos nadas, proponho louvação ao nada antes que este enfermeiro
louco, nada afável, do sanatório, me coloque a camisa de força e me deixe em situação
nada confortável em posição de demente.
Ceflorence 02/08/17 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
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