DOZE DIAS E UM TESTAMENTO.
Eram
insistentemente azuis as escalas em sustenidos das colcheias poéticas,
marcadamente singelas e alegres, das últimas gotas de solidão que consegui
ouvir à distância procurando afagos entre duas metáforas de fantasias adequadas.
Enquanto tal, as nove luas insinuantes sobradas no regaço da noite dançavam
nuas do lado esquerdo da esperança sem preocupações maiores de serem vigiadas
pelos aléns ou importunadas pelos alcoviteiros. Meditei, pois no acato às
tradições, os tempos se deram a passar e contar, metódicos, por Calendário Juliano
e as simbologias se definiram pelos signos de Júpiter, como carecem as liturgias
esotéricas medievas. Após madrugada de inação e segredo, há cerca de semana e
meia, se tanto memoro, foi-me dado liberdade de decidir sobre os derradeiros
desejos a se verterem e plasmarem no final de minha atual existência. Aviso liminar
postado traçava pontos claros para locupletar-me em doze dias de festins
espirituais ou carnais, dispondo de sete alternâncias livres de preferências a
serem usufruídas no intervalo, para despedir-me da alma então, pois o corpo
seria desprovido da vida mundana em função dos prazos esgotados. Tal se daria,
pois material deteriorado não reciclável pelo uso abusivo não aconselhava nova
revisão sem alto custo existencial e risco permanente de desgaste.
Coisas do obsoletismo, discrepâncias sem atenuantes, em sendo
a atual encarnação precipitada, total falta de assistência constante e uso
indevido, ousado e periódico de produto orgânico deteriorável. A alma já
desafinara em fá menor bemol, mas isto seria superado, se o prazo alongasse por
outras tentativas de entrosamento. Voltando a tese principal, o recado chegou
por uma simpática curva helicoidal, embora de postura heterodoxa, portando sintoma
caustico e exagerado de insinuações precipitadas, constante do processo um
forte ranço de pretensiosa filosofia fenomenológica. Sendo a filosofia suportada
por duas petulantes e exibidas incongruências metafísicas, a mais robusta ligada
à escola sadomasoquista, a mais delicada com forte tendência e peso de influência
maquiavélica. Com estas iniciais esclarecidas, concluo, em sintonia com os
desfechos ocorridos, os dados para minhas exéquias e as lembranças a levar nos
derradeiros momentos como relevantes.
As sete bolinhas de
gude vieram sorridentes do baú dos sumidos, aberto na memória, e me gratificaram
renascidas no subconsciente juvenil emboladas nas ternuras e nas precipitações das
ejaculações precoces. O papagaio de papel que enroscou no varal da vizinha
amealhou a recordação da calcinha dela portada, delicada, enquanto me devolvia o
mimo, sorrindo, sobre o muro. Depois da bolada na gaióla, o curió morto, que
escondi do meu pai e ele pensou que fugira, pipilou alegre na minha janela. A
garrafa vazia do primeiro porre arrastou-me à ressaca desta madrugada. Pendurei
no tempo ido, do baú saindo embolorado, o remorso, o medo e a vergonha de acercar
de Melinha, paixão platônica, enquanto ela enfeitava o primeiro banco da classe
com suas tranças sensuais. Por derradeiro e entre os sete salvados que acalanto
alçar e levar na despedida, jamais poderia esquecer as pencas maduras de
mentiras nobres e trigueiras, que me foram tão úteis e resolveram tanto meus
problemas.
Ceflorence 09/03/17 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
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