ENTRE DOIS DESTINOS E
OUTRAS REGALIAS
Pensou
em passar despercebido pelos escaninhos do delírio antes de assumir posição
definida. Quem despercebido passou pensando indefinido? Para deixar claro,
procurando recuperar, de início, meu último sonho escorrendo pelas frestas do
tempo orvalhado e alegre, janela abaixo e não ser avesso às recordações dei-me
conta da solidão de olhos largos entretida em enlouquecer-me. E de tudo isto, lânguidos
como serpentinas das quartas feiras de cinzas, sobre uma mancha de mofa, como
agem estas imprecisas ou canalhas ficções, restaram pouco e minguados pedaços
esfumaçados onde as gaivotas brincavam de solfejos, confundindo-se em volteios
com o além. Do que sobrou, sem anotar em picados pedaços esparsos, misturados
com lágrimas e soluços, o vento da agonia deixou para traz bem pouco. Portanto,
com as incertezas de sempre que se evacuam entre um lasca abobada de insônia
perambulando, até desprezível, sem serventia, se não fosse extenuante, e um
risco azul subindo pela parede para desaparecer no nada, atraquei-me com o que
sobrara do sonho fugidio, dando-me por satisfeito e conformado. Em seguida, abri
a gaveta da esquerda, forçando para não acordar-me e arrastando para o
travesseiro duas ansiedades, mais o beija flor sugando os lábios doces da
menina sorrindo.
Atentei
para não deixar escapar entre as dormências o que desejava preservar de
alucinação, antes de despertar. Tomando correta distância da névoa, crivei-a em
delicada vagina, com o estilete pendendo da hipótese mais próxima, adentrando o
útero aquecido que me afagou maternalmente. Preparado para a morte, acompanhei cuidadosamente
sobre o lustre o gato siamês esbelto, o mesmo da moça linda do altar de baixo da
missa das nove, com quem flertara um padre nosso e quando muito meia ave-maria,
ouvindo um Réquiem de Mozart. Segui o felino na captura das sombras brincando da
névoa deflorada sobre a parede e desaparecendo no vácuo furta-cor imenso, por
onde transitavam a vagina uterina, o gato tranquilo, a névoa carinhosa e a moça
linda. Consegui chorar, mas sem orgasmo.
Só
percebi por onde transitavam meus anseios ao ouvir o som vermelho cortando o
silêncio com a mesma tranquilidade com que a navalha cruel agride o provérbio
antes de ser distribuído aos crentes. Ainda em sustenido, dei conta de que sumira
da minha cômoda dos paradoxos preferidos, trancada com mentiras e demências, a melhor
síntese de loucura que encontrara e trouxera pela manhã do mercado dos
alucinados. Por precaução entregara à faxineira da noite que adoça os sonhos e embala
as insânias nas pencas de ceticismo maturadas no sereno, sem inveja, e adormecidas,
para não se acordar as crianças antes que aprendam a mentir.
Os
passos eram delicados e tinham o colorido da esperança. Por vingança o sonho a dissolveu
antes de eu tentar envolvê-la. Só senti o perfume do silêncio sumindo e ela,
disfarçada de saudade, nunca mais voltou.
Ceflorence 06/07/16 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
Maravilhosas as suas crônicas, Carlos!Adoro,de verdade. E também rio muito. Algumas construções você deveria vender e caro: "abri a gaveta da esquerda, forçando para não acordar-me e arrastando para o travesseiro duas ansiedades".
ResponderExcluirObrigada por compartilhar!
Abraço!
Tânia
Tania é uma alegria receber seus retornos, ainda mais considerando que considero você uma exímia esgrimista de palavras. Muito obrigado. Carlos.
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