quinta-feira, 21 de julho de 2016

DOS LAPSOS DO SOBRADO AO SOM DE DELÍRIOS MEDIOCRES.
            Sentado à janela do sobrado velho, por onde facetava o tempo para desabrochar nostalgia, esperava o momento de recolher-me, enfrentando o jacarandá que juntos crescemos e me enterrará ele. Acompanhei do local de sempre, o mesmo rato robusto e calhorda, por estar eu deprimido, (caso contrário teria registrado, se eufórico estivesse: os alegres olhos voltados para a garça de plumas agitadas), roedor com que divido o fim de vida, (sem depressão grafava, cínico, ao sorrir da primavera da minha juventude). Segui o rato titubeando, arrastando um pedaço de ilusão com queijo (ambrosia, se extasiado) rumo à prateleira maior do armário das sutilezas inúteis (sonhadas) em processo de decomposição, (restaurado com carinho, sem angústia, se fosse) onde ficavam os livros que gostaria de ter lido, (saboreei intensamente) os retratos dos defuntos que me abandonaram (afetos que me amimaram sempre) e uma garrafa com a qual me embebedaria, (aqueceria) mas só após a noite cair, em respeito à abstinência, auto proclamada, de em nenhum dia embriargar-me. Preservei as noites, das promessas, por precaução, para acalentar os silêncios etílicos, com a solidão que o fim carece. (Desfrutar a bebida, parcimoniosamente, ao chegar das estrelas, se extasiado me permitisse estar).
(Delirar é esta simulação permanente caleidoscópica, consigo, de desmistificar o nada, de alimentar transfigurado o real, estabelecer com demência saudável conflitos pessoais ou coletivos, optar entre o absurdo do singelo ou a singeleza do inexplicável).  
E neste diapasão morreu a filosofia barata, ainda bem, que não reguei. Ainda bem que não reguei. Ainda bem, não reguei. Ainda bem não reguei. O híbrido do psiquiatra com o linguista deveria por um paradeiro nesta paranoia aflitiva de perfeição. Tentei intuir a correta vírgula, pois a sorte de “não regá-la”, se sem vírgula, eu entenderia como agressão ao leitor. Acordei com o vaso virado, talvez um copo a mais corrija (à noite). Enfim, não dava conta de escolher, por preguiça, entre os atordoados dos pensamentos desconjurados. Mas cambiei o duvidoso por uma benevolência disponível sobre o sofá puído, olhando o jacarandá, faceando o móvel carunchado, e decidi anotar: “doze inteiros e não mais do que meio devaneio seriam suficientes, pelo que intui, para extirpar a dúvida e assumir a correta, confortável e devida distância do espaço”. (Ficou muito comprido sem o ponto). Ponho o ponto e continuo: “espaço entre o infinito do desejo e a divisão do azul do decote provocativo do regaço da moça que se afastava indiferente das fantasias que eu tentava não desperdiçar ao cair da tarde e da escada da praça que levava à esperança. Ao ver a primeira estrela brincando de esconder-se entre as nuvens ralas conclui taciturno que ela não corresponderia aos meus anseios impertinentes”. Achei que ficou bom: “impertinentes anseios”; poderia acrescer- “seios”- mas a rima pobre (idiota) me torturaria.
Com a garrafa aberta, enfim, permiti-me invadir uma penumbra suave onde às deusas dos intangíveis escondem os inexplicáveis e sem os quais não conseguiria escrever despautérios. Saúde. Chega de fugatos desconexos e outras impertinências.
Ceflorence 10/07/16     email cflorence.amabrasil@uol.com.br

3 comentários:

  1. Caro Sr Florence,
    Obrigada por nos brindar com mais um belo texto... Com a pontuação impecável e necessária para o bom entendimento dele.

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    1. Sra. Márcia eu é que agradeço a atenção e o carinho que recebo em retorno das crônicas publicadas.
      é isto que incentiva.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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