quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

ASSUNHÃÉ DOS PERDÕES.

Ticotinha dos Prevejos encarnou de despicar fumo, meloso, que Chirbito, Expedito Torca, marido que lhe imputaram na beirança de treze, em sendo virgem, de óbvio, ainda desmenstruada, trouxera da venda com mais despesas carecidas. Portava marido, com fumo vindo, um alçapão desservido, por sido justiça-mente cativo e matado, com requinte de desforra, pelo Quepardo da Bodega, o gambá comedor de cria. Na garupa pendurou, ademais, Chirbito, um galo índio, cegado de rinha, banda destra, embora modestamente impetuoso ainda, às vezes, de galinhagem.
O fumo, do melhor, vindo, no traquejo para, de longe, em Assunhãé por toda sentir perfume por quem das redondezas sabia que Ticotinha se empolgava em benções, rezas e advinhanças, mas só sempre que encarapitava na taipa do fogão, pitando amuada. Os proventos, nisto, das beatitudes, desciam ciosos depois que acendia o pito esfumado, na captura de cumprir ajuda das coisas sem solução dos convencionais conformes, como os dos desenganados dos médicos, dos curas ou dos Oguns. A primeira das professadas inexplicáveis, foi em um cavalo campolina, criação de querência muita de Ticotinha, que padrasto barganhara por novilhada girada e surgiu de garrotilho, no imprevisto. Vai não vai, surpresa, terceiro dia, suposição, medrosa, a morte agourando sina, no vazio, e Ticotinha, de nove, sem completos, anos, montou potro em pelo e descabrestado de mando. Hora cismada, anoitando, curiango, pois, voava mesmo curto, olhudo, pio cavo, do moirão da porteira velha.
Era. No que foi, derramaram os dois, ambos, sem nem gargarejo de quebrar silêncio mais, só o carecido, para o lado da Cachoeirinha da Embira. O animal, manso de receber atentos, precisos, dos bem mandados procedentes dos aléns e desarrazoado de sentido. Ticotinha, com a incerteza da certeza confiada, bem como só os confins ajustados prosperam. Pela noite fria, céu limpo, geada capenga de certa cair, durante mais de meia hora ficaram campolina e Ticotinha na solidão do nada, gelados, recebendo água das pedras da Embira, cachoeirinha, até a lua pedir vaza de sumiço, melindres de luas, e esconder-se atrás dos silêncios. Com permissão da minguante ida, Ticotinha tiritando, o cavalo retrocedeu à casa, são de completo, nevoa nenhuma de garrotilho e, no mais, ainda, sem explicação dos portantos que se deram. A menina deitou apreensão, fadiga muita do cumprido, suou de molhar cama, noite toda, inteira, não comeu três dias e bateu, por riba, febrona de carecer reza de terço. “Acatou a dor do animal, ela”, disse, quem disse, sapiente das almas e dos sem motivos. À noite, voltando com o campolina, cunhou o Prevejo, quando mãezinha respaldou os porquês de razão: respondeu um só, decidido, sem soberba: “Prevejo, sarará porque”...empacou no porque, demais de suficiente então... tendo sido, pois. Era ela... era assim. Foi.
Um dia, justo de doze anos passa-dico, um cisma, Ticotinha notou, sol se bocejando, Chirbito, que aprumava quase trinta, cortar a tranqueira do riacho, num mangalarga tinhoso, e, nem bom-dia ofertado, campear só padrinho na, como sempre era, ordenha das vacas. Predisse que as coisas destrocariam. E certos se deram os atentos de Ticotinha, pois a coruja piou tristeza no oco da perobinha, pingou água da talha vazia e, do telhado seco, gotejou lágrima. Dos tratados, padrinho e Chirbito jamais contaram de contar, nunca, por ser incapaz, ela, de então. Partiu e não mais deixou Assunhãé, onde emprenhou treze vezes, nunca menstruou, pois só saia do quarto grávida ou, então, depois, na menopausa. Criou dez filhos, trinta e cinco netos e os nove bisnetos, ainda ali juntados.
Pitava raro, não mais que duas por ano, e quando era assim, sabido, de longe a fumaça agitava gente, tal varejeira zunindo vaca velha, para pedir ajuda de benção, de cura, de conselho, de caminho. Parava estafada, doentia e depois de proibida, pelo marido, de fazer-se querer morrer, senão... Naquele pito derradeiro, veio sina atada. Até no galo ou no alçapão, quem saberia saber? A Chirbito nem então causou. Mas ela leu lonjura longe. O vento catingou surdo, mal humorado, do lado do açude velho, montante de Assunhãé. Ticotinha despachou marido, filhos e netos pelos infinitos, para que os demais, infinitos, se alarmassem, mutuamente, - “a represa romperia na boca da noite”. Cada diligente seguiu bem dado rumo. Quedou, sem fuga, restada em Assunhãé, esquecida, sem atento, só quem previu prever, Ticotinha dos Prevejos. Fado, a água mesma que lavou garrotilho do campolina, sumiu, pra nunca mais, com o corpo de Ticotinha. A alma não, a alma, as maritacas alegres carregaram. Só o além sabe, agora, de onde ela atina, sempre, prever os imprevistos. Só o além!
Ceflorence 02/01/16 – e-mail cflorence.amabrasil@uol.com.br

4 comentários:

  1. Sr Florence,
    Me encantei com a história de Ticotinha dos Prevejos. Ficarei aguardando por outros personagens igualmente imaginados e bem construídos. Até lá...

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    1. Sra. Márcia, como falamos tem sido muito agradável mudarmos de assunto e acompanharmos as divagações sobre literatura. obrigado.

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  2. Caro amigo, Parabéns por essa iniciativa. Agora podemos acompanhar suas crönicas e nos gratificar com tanta prosa. Abs Knud

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    1. Knud, há algum tempo que não nos comunicávamos. Como sempre é uma alegria receber seus retornos.
      Espero continuar produzindo para estarmos juntos neste caminho.

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