quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

PUBLICADA NOS JORNAIS “JC REGIONAL” E “O PINHALENSE” – 09/01/16
AFINIDADES DO ENCANTO
Quando o inverno alquebrado acomoda-se pleno em Nibunsty, depois de viajar cansado um equinócio inteiro para esconder-se do equador, as Vílkias carregam seus argumentos, suas fantasias e seus desejos para o colo aconchegante das chaminés de barro, praticam o silêncio gregário e se enlevam com as delícias da preguiça. Estas preguiças só se arrematarão em prazer no fim da estação, com a chegada carinhosa dos Léscios. Neste período em que o azul se esconde entre os traquejos moles das esperanças imberbes, o silêncio aproveita o ensejo da solidão para se disfarçar de paz, sugerindo meditação. As Vílkias petiscam, descuidadas, remorsos estilhaçados a esmo pelo infinito, consultam o imponderável escondido no inconsciente e, espionadas pela Constelação de Orion, se masturbam calmas, pedindo-lhe que prognostique os anseios e os deleites com que devem se entranhar para excitarem os Léscios. Neste revoando das duvidas astrais, o arco íris se acomoda, exala expectativa e cria as condições para os sonhos brotarem delicados e sem censuras. O amor reclama delicadezas assim para sobreviver, como repetem os nibunstynos.
O sorriso cresce, a sensualidade amadurece como gotículas de chuvas que, alegres, engravidadas pelo aconchego do nada, despencam das janelas e, espedaçadas, brincam de teimosia para encharcarem o imaginário. As Vilkias, nesta temporada, se permitem pendurar as poucas preocupações restantes e inúteis na indiferença. O horizonte cruza o indefinido, mastiga o absurdo, cospe a hipocrisia, se refestela entretendo a probabilidade enquanto esta não se metamorfoseia em júbilo. Dizem os deuses que não há melhor condimento para as fermentações das ilusões com que as Vilkias alimentam fantasias aguardando os Léscios.
O verbo, embalado em brisa, se acomoda dedilhando harmonias ao atravessar os caibros perfurados dos bambus dos telhados singelos de Nibunsty. Todo este ritual milenar ocorre prevendo que os rebentos nascidos das uniões das Vílkias e Léscios não carecerão dialogar com as censuras para se libertarem dos traumas das encarnações passadas. Os Ogós Ilus, tocadores de atabaques das cerimônias Ibejis, repicam estes ritmos eternos nos couros cansados dos seus tambores afinados em afetos sustenidos. No entremeio, as Vílkias se acomodam, esperando o futuro e enquanto tanto, se dedicam a brincar de memória. Os mesmos velhos caibros se encantam como flautins para participarem do festim.
Em respeito ao adorável ócio, o melhor roteiro para o amor, crescem musgos acobertando os desejos esgarçados que se preparam, eróticos, para devorar as censuras inúteis antes de se perenizarem em carícias. Neste rufar das emoções, as Vílkias anseiam pelos Léscios desbragadamente. No entanto, na dança inteligente oculta da conquista, se insinuam sutis entre extravagâncias trançadas de anseios e simulações fingidas de indiferença. Como esperado, não poderiam os Léscios deixar de amamentarem-se das delícias da loucura, de escutarem a atração invadindo o infinito e esbanjando luxúria. Sem tomarem folego, não há mais como resistir à magia e assim lançam-se os Léscios delicados às parceiras. O jogo se assanha, as Vilkias espargem sem recatos as suas emoções e ganas, as cores dos casais se unificam, transcendem, implodem. O infinito se embriaga para acabar em orgasmo. O amor venceu o tempo e o tempo venceu o nada.  
Todo inverno o cenário alegre se renova em Nibunsty. O deleite da estação de procria se alimenta das extravagâncias avivadas. Aos Léscios é permitido, pelas divindades, se cativarem com os bemóis suaves que as Vílkias satisfeitas exalam. Estas se acarinham nos sustenidos dos Léscios agraciados. O inverno começa a murchar, sem dor, do lado por onde o poente o devora.  As Vílkias amolecem seus desejos, desvestem as caricias, respiram o azul antes de chamarem a ponta da esperança que a primavera carrega no colo. No colo da primavera, carregada de esperança, os rebentos se contorcem lindos esperando o afeto das Vílkias e dos Léscios, que não terão outra obrigação salvo ensiná-los a desejar procriar enlevados sempre nos invernos de Nibunsty.
Dos deuses e dos demônios carecem explicações do porque derramaram, atabalhoados, mulheres e homens irados sobre a terra e agraciaram Nibunsty com a graça e sabedoria das Vílkias e dos Léscios?     

Ceflorence    20/12/15   email   cflorence.amabrasil@uol.com.br

2 comentários:

  1. Li e releio as crônicas... A cada leitura descubro sutilezas que antes não havia percebido.

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  2. Sra. Marcia É uma alegria encontrar os gratificantes comentários da senhora no Blog. Muito obrigado. Florence

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