quarta-feira, 14 de junho de 2017

DENÚNCIAS DOS INTOCÁVEIS.
Era um fim de jornada, dura, sem provérbios ou insinuações, e meus frangalhos se preparavam para acabar de limpar as sobras do dia deixadas pelas visitas no Museu de Arqueologia. Estirei-me, cansado, naquela noite fria, sobre uma pedra lisa, porte de um adulto médio, aonde se lia: “-Pedra da Paixão – Constava da tradição Híctia que nos dias dourados, dos anos dos desejos, fundamentados nas fazes exotéricas das luas, permitia-se às deusas levarem os crentes às fantasias amorosas para quem se abandonasse em sonhos sobre os carinhos de pedras como esta”.
Segundo os imaginários Híctios, os princípios dos prazeres seriam reproduzidos cravando que a beleza do infinito deveria ser esgarçada entre os amantes que se amalgamassem nos deleites das pedras das paixões. Sob as nuances das deusas do amor, as pedras absorviam os efeitos das paixões e quem sobre elas repousasse, viajaria entre infinitos sonhos e fantasias como só ocorreriam aos bem aventurados nos momentos dos orgasmos ideais.   
Antes de lançar as afirmações, que li com carinho, à vala comum do absurdo, lembrei-me que várias crenças expressivas em fé e convicção jogam com imagens semelhantes. Beatifica-se, encarna-se, consagra-se e sacraliza-se, sobre inumeráveis objetos e pessoas as paixões e os ódios. Mas aquela colocação da pedra, além de interessante, era bastante criativa, convenhamos. Enfim, por ainda pendentes de definição os aleatórios infindáveis da teoria quântica, não se deve ser cético jamais.
Simultaneamente à leitura passei com muita calma a alisar a pedra, para limpá-la, como faço com todas as demais peças do museu, com tranquilidade e carinho. Os movimentos sincopados da mão que a alisava, a releitura e o cansaço da madrugada, alienaram-me completamente, não sei se para um sonho, uma hipnose ou uma alucinação fantástica. Brotou então do infinito, envolvendo-nos, a pedra nua e eu, como sendo alvorada de desejos, nuvem azulada etérea que nos transmutava em voo sereno e constante, para um apocalipse sensual e nos arrebatando em amor, paixão, sensualidade, desejo, carinho, prazer. Transmudamos envolvidos nas fantasias mais saborosas e eróticas. Talvez nem a morte, com a alegria do encanto dos anjos, fosse tão efervescente. O sonho se encarnava em total realidade do descompromisso absoluto e o que se atribuiria a censura se transfigurava para o êxtase da virtude. O mundo surrealista efervesceu em meus êxtases e sumi completamente no indefindo. O cosmo nos devorou. Paixão e desejo aglutinaram-se em massa disforme, explodindo fantasias orgásticas até que o sol calhorda da realidade, pelos vitrais do além, despertou-me da luxúria agarrado à pedra. Nós nos beijávamos.
Assustado, sem saber por onde ser e onde estava, arrebatei as angústias e os panos de limpeza, fugi pelo canto aberto da esquizofrenia. Não separo, até agora, se o pavor ou o alento de agarrar a explosão vasta da nuvem azulada, que se esvanecia para o eterno, seria o meu objetivo ébrio ou minha demência chegando a cavalo.
Poderia ter criado, sonhado ou imaginado tudo. Mas até agora ouço, ao distrair-me, só, uma voz petrificada perguntando do silêncio. - Você volta?
Ceflorence  07/06/17             email  cflorence.amabrasil@uol.com.br       

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