CARREANDO AGRURAS
Cadinho Pé Solado não conseguia ajustar pensados seus
atoleimados dos desaforos adiante dos tropeços a cata de pisoteá-los, rasgando
fundo, querência de esquecê-los por ali logo, pois. Mas as malditas ideias
apartadas um nada a mais das pegadas, gemiam debochadas da estupidez sua. As
danosas, injuriando, se refaziam de intrometidas nas desventuras como gostavam
de ser a fome e a miséria. Ajuntavam-se as três condenadas e vinham corroendo
abeiradas, subindo no carro moroso do sucateiro enrodilhado em devaneios e
desmedindo esperanças. Cabeça filha de uma puta de deprimida, prestante só de
catador de desdita. Fizera-se dia cedo na manhã que fora à luta Cadinho, pois
palpitava carência e urinou largado no sopé da torre da catedral sobre os seus
riscados encarvoados de silêncio e júbilo. Cinzelara na noite anterior as suas
preces, magias ajustadas, recados aos aléns, atendendo cismas de cumprir
reverências de sucateiro. Depois de dia sofrido ajustara retorno e o carro
enroscado.
Do vácuo, saindo nisto de um canto rasgado do
sofrimento, desviando dos inexplicáveis, saltitando altivo sobre o inesperado,
Cadinho atentou emparelhar consigo Simião Cigano, anarquista, na desfeita,
depois republicano-abolicionista, mas no proveito, vidente considerado
efervescente nos premonitórios pelo catador para desarvorar penúrias.
Assassinado ali, Cigano fora há cerca de quase século, naquela mesma Praça da
Sé, pelos cascos ferrados da cavalaria militar rancorosa, tentando impedir
manifestação favorável à república. O revolucionário passou a cirandar pelos pedaços
e implicar jocoso com o dono do pastel ordinário e da garapa azeda, Seu
Laudino, desfrutar da prosa azul de Merinha Cafetina, bordeleira, ouvir o canto
choroso do cego Croágio Borta, na viola afinada em riachão, aciganar com o Dr.
Artépio, religioso dominical, advogado da porta da cadeia e devoto da tradição,
da propriedade e da sua concubina das sextas-feiras, cortês com o veado do
padre, o Necauzinho Zola, e com o padre veado, Monsenhor Rócio, provocante
dialético e irônico nas tertúlias com o libanês-cearense, o jornaleiro Bercati
Palo Asmzim, comunista ferrenho, torcedor do Nova Ponte da segunda divisão e
devoto de Oxum para os acalantos espirituais mais confiáveis nas desditas
esportivas e nas autocriticas materialistas, subjetivas e inúteis do partidão.
Mastigava o abolicionista, muito a gosto e atrevido, uma réstia verde de
esperança, roubada do bicheiro, enorme de gordo, sentado à porta da Bodega do
Catetá. Segurava o cigano petulante um violino sobre o ombro direito, pois em
sendo canhoto de manejo carecia, e deixava cair pelo esquerdo uma camélia rosa,
símbolo pelo qual lutara e fora esmagado à porta da matriz.
Cada badalada dos carrilhões envolvia uma delicada
sutileza azul, distinta, de ilusão dispersa em fantasias. Simião advertido,
como sempre sim, colheu muito ciente e rápido, com ternura, penca graúda das
disputadas fantasias ilusórias dos sonidos debulhados, lançados suaves pelas
torres ao infinito, para manejá-las no bom proveito a ser. Assim sendo o
momento justo, aliciou o cigano às sonoridades antes dos pássaros ladinos
roubá-las, como em surdina o faziam sempre, escondendo-as em seus ninhos para
apetrechos terem dos melhores tons dos tempos vindos e usá-las melodiosas nas
regências apropriadas dos solfejos cadenciados e singelos das escalas musicais
para os filhotes aprendizes. O gitano habilidoso, com as tonalidades diversas
recolhidas dos sinos, lambuzou os eixos das rodas e enfeitiçando-as com o esplendor
dos tinidos do violino atiçou as ganas do catador de agruras para desesperado
arribar carro, tristezas e sucatas ao topo do destino da matriz aguardando-os.
Pássaros, carrilhões, aléns e santos os saudaram à Sé
chegados e deixaram assim repousar deus e os tormentos antes que os demônios se
fizessem ser atrozes.
Ceffloence 11/01/17 email cflorence.amabrasil@uol.com.br
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