quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

CARREANDO AGRURAS
                Cadinho Pé Solado não conseguia ajustar pensados seus atoleimados dos desaforos adiante dos tropeços a cata de pisoteá-los, rasgando fundo, querência de esquecê-los por ali logo, pois. Mas as malditas ideias apartadas um nada a mais das pegadas, gemiam debochadas da estupidez sua. As danosas, injuriando, se refaziam de intrometidas nas desventuras como gostavam de ser a fome e a miséria. Ajuntavam-se as três condenadas e vinham corroendo abeiradas, subindo no carro moroso do sucateiro enrodilhado em devaneios e desmedindo esperanças. Cabeça filha de uma puta de deprimida, prestante só de catador de desdita. Fizera-se dia cedo na manhã que fora à luta Cadinho, pois palpitava carência e urinou largado no sopé da torre da catedral sobre os seus riscados encarvoados de silêncio e júbilo. Cinzelara na noite anterior as suas preces, magias ajustadas, recados aos aléns, atendendo cismas de cumprir reverências de sucateiro. Depois de dia sofrido ajustara retorno e o carro enroscado.  
                Do vácuo, saindo nisto de um canto rasgado do sofrimento, desviando dos inexplicáveis, saltitando altivo sobre o inesperado, Cadinho atentou emparelhar consigo Simião Cigano, anarquista, na desfeita, depois republicano-abolicionista, mas no proveito, vidente considerado efervescente nos premonitórios pelo catador para desarvorar penúrias. Assassinado ali, Cigano fora há cerca de quase século, naquela mesma Praça da Sé, pelos cascos ferrados da cavalaria militar rancorosa, tentando impedir manifestação favorável à república. O revolucionário passou a cirandar pelos pedaços e implicar jocoso com o dono do pastel ordinário e da garapa azeda, Seu Laudino, desfrutar da prosa azul de Merinha Cafetina, bordeleira, ouvir o canto choroso do cego Croágio Borta, na viola afinada em riachão, aciganar com o Dr. Artépio, religioso dominical, advogado da porta da cadeia e devoto da tradição, da propriedade e da sua concubina das sextas-feiras, cortês com o veado do padre, o Necauzinho Zola, e com o padre veado, Monsenhor Rócio, provocante dialético e irônico nas tertúlias com o libanês-cearense, o jornaleiro Bercati Palo Asmzim, comunista ferrenho, torcedor do Nova Ponte da segunda divisão e devoto de Oxum para os acalantos espirituais mais confiáveis nas desditas esportivas e nas autocriticas materialistas, subjetivas e inúteis do partidão. Mastigava o abolicionista, muito a gosto e atrevido, uma réstia verde de esperança, roubada do bicheiro, enorme de gordo, sentado à porta da Bodega do Catetá. Segurava o cigano petulante um violino sobre o ombro direito, pois em sendo canhoto de manejo carecia, e deixava cair pelo esquerdo uma camélia rosa, símbolo pelo qual lutara e fora esmagado à porta da matriz.  
Cada badalada dos carrilhões envolvia uma delicada sutileza azul, distinta, de ilusão dispersa em fantasias. Simião advertido, como sempre sim, colheu muito ciente e rápido, com ternura, penca graúda das disputadas fantasias ilusórias dos sonidos debulhados, lançados suaves pelas torres ao infinito, para manejá-las no bom proveito a ser. Assim sendo o momento justo, aliciou o cigano às sonoridades antes dos pássaros ladinos roubá-las, como em surdina o faziam sempre, escondendo-as em seus ninhos para apetrechos terem dos melhores tons dos tempos vindos e usá-las melodiosas nas regências apropriadas dos solfejos cadenciados e singelos das escalas musicais para os filhotes aprendizes. O gitano habilidoso, com as tonalidades diversas recolhidas dos sinos, lambuzou os eixos das rodas e enfeitiçando-as com o esplendor dos tinidos do violino atiçou as ganas do catador de agruras para desesperado arribar carro, tristezas e sucatas ao topo do destino da matriz aguardando-os.
Pássaros, carrilhões, aléns e santos os saudaram à Sé chegados e deixaram assim repousar deus e os tormentos antes que os demônios se fizessem ser atrozes.
Ceffloence     11/01/17              email    cflorence.amabrasil@uol.com.br

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