FLORES, COLIBRIS E FANTASIAS.
Entre
o infinito, refúgio dos delírios e repouso dos inexplicáveis, de onde a sina se
arroja para enredar-se com a probabilidade e cada qual dos duendes, das
amarguras ou dos loucos possa colher como for capaz e mais a contento, e o
jardim de Abcarja, vidente das melancolias e das cores, exatamente onde as
fantasias e os sonhos brotam, um beija-flor despojado de desejos depositou,
ali, nesta confluência, ao menos duas de suas últimas lágrimas recolhidas entre
as remanescentes das rimas e das poesias. A solidão abandonara as lágrimas
colhidas pelo colibri antes de se maturar em angústia e esgarçar as
incoerências dos destinos, das alegrias almejadas, das tristezas inevitáveis e
dos amores ansiados. É assim que se fabricam as quimeras e este era o jardim do
cuidadoso e apaixonado Abcarja, arguto profeta. Estendiam-se os canteiros como
deus dispunha: o canteiro florido, colorido, das euforias entremeadas de graças
ruivas e sutilezas singelas, o dos desejos, sombreados pelas felicidades em botões.
Na outra extremidade se confinavam, par
a par, muito petulantes e agressivos, os canteiros da inveja acre, do ciúme sádico,
do amor sensível e o da vaidade velhaca. O vento visitava o jardim de Abcarja,
para se espalhar em seguida, ardiloso, pelo mundo e contar aos ansiosos as
delícias das suas alegrias, cores, magias, mas não esquecendo, jamais, as agruras.
Era
pelo andarilhado livre, sorrisos desperdiçados à conta das alegrias, no jardim,
entremeando canteiros e delírios, que os carentes das esperanças se deixavam a
brincar soltos e livres, sentindo os perfumes dos sonhos recobertos de
fantasias, provando os coloridos dos desejos apegados aos seus medos e fugindo eles
das alamedas das tristezas; alguns intendendo pisoteá-las. Mas os porvires dos
canteiros castigados se exibiam mais floridos depois de maltratados e judiados,
como só os aléns sabem fazê-lo. E por assim sendo, tal se dava com os canteiros
sortidos de esperanças ameaçadas de frustrações ou das amarguras contestadas; Abcarja
colhia suas plantas para tecer os ornados dos buquês premonitórios, procurados
pelos visitantes, vindos com as romarias distantes, intermináveis e chegando
sempre a procura dos imprevistos, dos aléns e dos confins. Com as sacolas
repletas das suas seguranças afetivas ou ilusões proscritas, retornavam aos
seus aconchegos os peregrinos dos pressentimentos, carregados e satisfeitos
graças aos buquês de verdades existenciais articulados caprichosamente por
Abcarja.
Ao
anoitar, em seus amparados sossegos, os visitantes do jardim de Abcarja, escondidos
pelas vigílias dos seus sonhos, espionam seus floridos destinos e os proíbem de
murchar. Lembram os fiéis de Abcarja, que enquanto a madrugada se faz, o
colibri se disfarça de magia azul e se alucina pelas imaginações do infinito.
No
retorno dos sonhos, lampejados de eternidade, sempre vem o beija-flor carregado
com suas lágrimas, para nutrir os poetas e menestréis com as rimas e os delírios
com que tecem seus versos e canções.
Ceflorence 03/12/16 email cflrence.amabrasil@uol.com.br
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