sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

FLORES, COLIBRIS E FANTASIAS.
     Entre o infinito, refúgio dos delírios e repouso dos inexplicáveis, de onde a sina se arroja para enredar-se com a probabilidade e cada qual dos duendes, das amarguras ou dos loucos possa colher como for capaz e mais a contento, e o jardim de Abcarja, vidente das melancolias e das cores, exatamente onde as fantasias e os sonhos brotam, um beija-flor despojado de desejos depositou, ali, nesta confluência, ao menos duas de suas últimas lágrimas recolhidas entre as remanescentes das rimas e das poesias. A solidão abandonara as lágrimas colhidas pelo colibri antes de se maturar em angústia e esgarçar as incoerências dos destinos, das alegrias almejadas, das tristezas inevitáveis e dos amores ansiados. É assim que se fabricam as quimeras e este era o jardim do cuidadoso e apaixonado Abcarja, arguto profeta. Estendiam-se os canteiros como deus dispunha: o canteiro florido, colorido, das euforias entremeadas de graças ruivas e sutilezas singelas, o dos desejos, sombreados pelas felicidades em botões.  Na outra extremidade se confinavam, par a par, muito petulantes e agressivos, os canteiros da inveja acre, do ciúme sádico, do amor sensível e o da vaidade velhaca. O vento visitava o jardim de Abcarja, para se espalhar em seguida, ardiloso, pelo mundo e contar aos ansiosos as delícias das suas alegrias, cores, magias, mas não esquecendo, jamais, as agruras.
     Era pelo andarilhado livre, sorrisos desperdiçados à conta das alegrias, no jardim, entremeando canteiros e delírios, que os carentes das esperanças se deixavam a brincar soltos e livres, sentindo os perfumes dos sonhos recobertos de fantasias, provando os coloridos dos desejos apegados aos seus medos e fugindo eles das alamedas das tristezas; alguns intendendo pisoteá-las. Mas os porvires dos canteiros castigados se exibiam mais floridos depois de maltratados e judiados, como só os aléns sabem fazê-lo. E por assim sendo, tal se dava com os canteiros sortidos de esperanças ameaçadas de frustrações ou das amarguras contestadas; Abcarja colhia suas plantas para tecer os ornados dos buquês premonitórios, procurados pelos visitantes, vindos com as romarias distantes, intermináveis e chegando sempre a procura dos imprevistos, dos aléns e dos confins. Com as sacolas repletas das suas seguranças afetivas ou ilusões proscritas, retornavam aos seus aconchegos os peregrinos dos pressentimentos, carregados e satisfeitos graças aos buquês de verdades existenciais articulados caprichosamente por Abcarja.
     Ao anoitar, em seus amparados sossegos, os visitantes do jardim de Abcarja, escondidos pelas vigílias dos seus sonhos, espionam seus floridos destinos e os proíbem de murchar. Lembram os fiéis de Abcarja, que enquanto a madrugada se faz, o colibri se disfarça de magia azul e se alucina pelas imaginações do infinito.
     No retorno dos sonhos, lampejados de eternidade, sempre vem o beija-flor carregado com suas lágrimas, para nutrir os poetas e menestréis com as rimas e os delírios com que tecem seus versos e canções.
Ceflorence       03/12/16           email  cflrence.amabrasil@uol.com.br

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