CEM ANOS DE GRANDES
SERTÕES.
À mesa
grande, desconjuntada, sentado na sala da casa velha ruindo, pelo mesmo lado
que o morcego solitário, indeciso, se encantava com a coruja ao lamber, molenga,
suas mazelas e tristezas na cumeeira, não via eu mais do que a prateleira carunchada
da estante caindo e desacomodando desordenada pilha de livros largados. Na
fileira do meio, obras desajustadas ao dará, acompanhava eu a tábua torta sob o
peso e o tempo, alongando-se para me chamarem atenção os dois últimos exemplares.
Estilhaçados, se enrolando umedecidos, exibiam-se ali do fim da fileira -
Guimarães Rosa - Grandes Sertões: Veredas e Gabriel Garcia Marquez - Cem Anos
de Solidão. O destino ou o desejo, nunca apuro por preguiça ou rabugice, roçou pelas
minhas pernas e segui o rato mais antigo do sobrado, sem questionar, subindo
pela prateleira do meio e, requebrando faceiro, retornar provocativo, fitando-me,
atrevido e enfeitiçado, assentando-se ele sobre Guimarães e Garcia Marquez.
Fantasiei
desafios dos aléns apontados pelo roedor sênior. Arrastei-me à estante e puxei
Grandes Sertões, que trouxe compelido, atadas às suas entranhas paginadas, Cem
Anos de Solidão. Joguei as peças assustadas, carência de manuseios há anos, sobre
a mesa e garimpei Guimarães, para rever saudoso o Riobaldo, das guerrilhas
labutas, se aloprando indefinido, machista e perdido nos tormentos afetuosos
inexplicáveis do seu fascínio confuso por Diadorim. Nas refregas das capoeiras,
sob o silvado das carabinas baleando, volteei às lutas dos sertões. Atordoei plasmado,
no entanto, pois os percevejos embaralharam os caminhos das palavreadas
tramoias para jogarem os atribulados Diadorim e Riobaldo, depois de cortarem atirando
pelas quiçaças mineiras, serem pegos invadindo, pelos trilhos da Estrada de Ferro
da Companhia Bananeira, os fundos do Quartel de Macondo aonde o Coronel
Aureliano Buendia se preparava para enfrentar o batalhão de fuzilamento. Por
ordens do governo central o executariam de pronto, não fosse a oportuna chegada
do grupo chefiado por Riobaldo, escapados dos sertões de Guimarães e irrompendo
de supetão na cena da estória florida de Garcia Marques. Assisti assim, sob os
beirais ruindo, por lampejos criativos dos percevejos rebeldes e revisores,
versão outra do original.
Em
resposta inusitada, graças às grafias novas dadas pelos percevejos
surrealistas, o Coronel Buendia, exibindo o peito enorme nu, tatuado, tomou um dos
fuzis dos executores do pelotão e se arremeteu contra os jagunços das gerais, enaltecidos
por Guimarães e bradando furioso espanhol – hijos de unas putañas, Garcia
Marquez mi arriba desta loucura de libro sien direction! Ursula repôs sobre a
mesa capenga as garrafas de cachaça e tequila a tempo de ouvir Garcia Marques
mostrando para Guimarães, no mapa das liberdades literárias, a trilha das
fantasias por onde as Gerais das agruras se achegavam ágeis à Macondo das
quimeras surpresas. Diadorim, o coronel e Riobaldo se entreolharam com as
garrafas portadas, estupefatos - seriam personagens, eles, do realismo
fantástico ou os gênios criativos endoideceram?
O rato
velho sussurrou para espacearmos, pois a magia empolgada dos escritores e dos
personagens mastigava a realidade pretensiosa, insossa e inútil ali.
Ceflorence 09/10/16 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
Prezado Sr Florence.. A sua maravilhosa "mistura" de Guimarães Rosa e Gabriel Garcia Marquez me fez esquecer por completo a obrigação de escrever algumas linhas sobre o futuro do mercado de TSP. Cheguei mesmo a sentir uma ponta de inveja do ratinho na estante de livros...No fim do dia certamente irei revirar as minhas prateleiras atrás de Riobaldo, Diadorim, do coronel Aureliano Buendia e de ùrsua e vou me dar ao "desfrute" de alternar a leitura de páginas de um e de outro. Muito obrigada por ter me dado essa ideia!!! Um cordial abraço....
ResponderExcluirSra. Marcia, é uma alegria saber que a senhora motivou-se a revisitar os nossos amigos e inspirações dos sertões do Guimarães e dos caribes do Garcia Marques. Ótima leitura, vale a pena.
ExcluirSra. Marcia, é uma alegria saber que a senhora motivou-se a revisitar os nossos amigos e inspirações dos sertões do Guimarães e dos caribes do Garcia Marques. Ótima leitura, vale a pena.
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