sexta-feira, 8 de abril de 2016

DESPAUTÉRIO EM SOLILÓQUIO
            A cada passo alçava dúvida.  Cada dúvida deslocava com absoluta convicção, de um infinito camuflado de tonalidades alternadas de azuis, para oferecer gotas de demência, que eu escolhia a vontade, embora elas se recusassem a atender-me, educadamente. Assim se iniciou o despautério em solilóquio, atividade gratificante para entronizar o absurdo afetivo no diálogo que mantenho comigo e, limitar e definir, claramente, à distância, a semelhança e ou fusão entre emoções, raciocínio e princípios. Não é processo de caráter teológico, sinfônico, político, racista ou sexual, nem ligado exclusivamente a traços espirituais, acadêmicos ou mágicos. Caso sincronizado até as últimas consequências, sem censuras paralelas, atravessaria com elegância a agradável linha da incoerência, sintetizaria modelos matemáticos utilizáveis em premonições, que raramente se confirmariam, mas poderiam ser muito gratificantes se servidas com vinho tinto ou espumante em reuniões sigilosas. Militantes conservadores e revolucionários consideraram a atividade processo regressivo, reacionário ou fundamentalista, razão de eu passar a evitar tomar posições nestas alternativas em jejum, após as comunhões pascais e em voos de longa distância.  
Com estes pontos claros, cabe esclarecer que o primeiro movimento, físico ou intelectual, ainda não escolhido até então, colocava em cheque se o sentimento seria de saudade ou poderia conter uma dose razoável de vingança. Se vingança, seria por inveja ou por ciúmes? Se ciúmes, deveria considerar se teria agido por frustração ou possessão? Se possessivo, a natureza do objeto amado ou de adoração ficaria circunscrito a alternativas de fuga psicológica ou esquecimento proposital.  Mas o contorno dos verbos não se matematizaram dentro das minhas incógnitas e as intersecções dos paradoxos brincaram de demência perguntando: mas, no mesmo contexto, se o ciúme possessivo nascesse cândido como o silêncio do amor, gerando a suavidade da saudade? Nestas circunstâncias as abstrações se reverteriam e seria justificável o desejo límpido da vingança? Plasmei debruçado sobre a incógnita e utilizei uma sinfonia dodecafônica sem saber absolutamente do que se tratava, para que serviria e se poderia trocar, em tempo, dois absurdos descartáveis por um desejo ainda não confirmado. A psiquiatra perguntou como me sentia, antes de beijar-lhe o auto ego frontal. Passamos a não nos entender apesar da afabilidade cínica. Exatamente neste ponto não sabia se o sentimento de cuspir sobre a alucinada psiquiatra seria racional ou se prevaleceria o sentimento da alucinada médica de cuspir em mim? Como os fatores eram equidistantes não houve parábola a ser aproveitada e prometemos nos reencontrar em datas indefinidas ou alternadas.   
Frente ao fato concreto poderia tentar ser sincero, se esta abstração emocional tem algum elemento de realidade existencial ou optar por um gesto simulado, oportuno e prático nos momentos de tensão ou, por último, ao encerrar, soerguer um supercílio com soberba convencional, quando não se atina com as respostas intimas. As externas são óbvias, basta estender uma concreta carreira de nada sobre um fundo de indefinido, que a solução se posterga enquanto se capta um disparate charmoso, decorativo e inútil. Maturei nesta linha, com a tranquilidade conformada que não chegaria a nada, mas, por indispensável, no caso, questionando se os demônios que me beijam ao dormir seriam os mesmos que, carinhosos, tocam os clarins quando definem que a preguiça deva ser interrompida? Porque demônios? São mais irreverentes, mais achegados à sinceridade, calados por natureza e difíceis de serem interpretados. Com estes valores claros, duas colônias demoníacas contraditórias, parti de forma concreta para empreender diálogo permanente com trechos, traços mentais em movimento, entre o meu sentimento e o meu raciocínio. Intui que são duas abstrações distintas, quando não opostas. Tem sido tarefa gratificante, embora, na maioria das vezes, intermináveis e vãs.
Ao encerramento elegante e circunspecto cabível, poderia formatar a tese com objetos esparsos sobre o subjetivo, a taça de vinho, o talmude ou até o espelho convexo para realçar o orgasmo. Mas optei pela tartaruga lésbica a fim de definir as partes menos claras do conflito. A noite beijou o dia, doparam-me com o sentimento de que não raciocinava. Estilhaçou-se meu consciente. Atribuíram despautério ao meu solilóquio.
Cefloence  28/03/16        email  cflorence.amabrasil@uol.com.br

4 comentários:

  1. Sempre muito bom, Carlos! Já pensou no livro?
    Abraço!

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  2. Olá Carlos!
    Você concordaria se eu postasse uma de suas crônicas na minha página do Facebook?

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    1. Querida Tania, primeiro desculpe pelo atraso, eu mesmo, meio correndo e mais por falta de hábito não retorno como deveria ao próprio Blog. Em seguida, na realidade nem precisaria solicitar publicar a minha crônica, pois para mim é extremamente gratificante participar no seu Facebook. Muito obrigado e embora seja adorado receber os seus retornos, fique inteiramente a vontade para postar o que quiser. Repetindo, isto só me engrandece. Grande abraço. Carlos

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  3. Então tá, Carlos! Vou postar e ver o resultado. Abraço!
    Tânia

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