sexta-feira, 16 de março de 2018


DAS ANGÚSTIAS E DAS SOLIDÕES.
O cachorro espreguiçou embaixo do alpendre, não latiu, gemeu, pois viu o sol acomodar, não procedia sombrear mais. Tia Biazinha, que tresandava a alma pelo sobrado esfrangalhando suas velhices de penadas solidões, escutou a algazarra dos cupins corroendo a leitura da folha da bíblia na capela, na parte da desforra sobre as ordens caprichosas de Abraão extraviando sua mulher bonita para o faraó do Egito, ordenando a ela, muito contrafeita, dizer-se irmã e recolherem os frutos das dadivas do Nilo. Coisas das divinas mitologias apostólicas. Gesto enobrecido de confusões e palpites com o qual deus queria castrar em seguida o monarca pelas suas prerrogativas libidinais e pecaminosas sobre os desejos das mulheres alheias.
Coisas dos sacramentos e Biazinha se persignou emudecida, pois tinha muito medo de confusões, arrastou o crucifixo com que contava os cômodos por onde cruzava nos corredores, o gato e o urinol para os andamentos, antes de indicar aos morcegos seus motivos e pousos. Na sala de jantar o vento mexeu agressivo, repetitivo, com os pratos. As travessas de pratas azinhavradas, as taças das cristaleiras, até para se darem justificados entreolhados aos apóstolos da santa ceia conferindo os barulhos. Jesus persistia empolgado nas suas reverentes magias e elucubrações transformando o corpo em pão e o sangue em vinho para todos pretenderem falar das confraternizações e dos perdões por muitos séculos. Restava enorme distância até a solidão da meia noite, hora dos cantos, dos mistérios dos galos, tanto assim que as ratazanas mais antigas, que ainda não haviam abandonado o silêncio do sobrado, ficaram impressionadas com os apóstolos embriagados e Jesus se desfazendo em meditações e prognósticos das traições.
Na capela nenhum santo protestou do barulho dos cupins mastigando os restados da bíblia, enquanto a vela apagada desmerecia seus sentidos, pois caíra exausta sobre os rendados apodrecidos do altar. Seu Vazinho, que despachara a família para as capitais para não penarem com a seca e restou sozinho com Jupitão compadre para afrontarem sozinhos seus silêncios, atentou longe suas angústias, desmediu o infinito pela janela, encruou na vermelhidão do poente sol, prometendo estirar a seca. Um galo perdido, esquecido na sua ignorância das desfeitas, desafinou beirando a capoeira sem saber por que, repetindo seu semelhante das escrituras. O galo cantava quando estava com preguiça, sentia a solidão mourejar vazia ou até no gesto de repetir para não esquecer a melodia, pensou consigo Seu Vazinho, mas nem no ciciado abriu desfeita. Pensou, não procedeu ele no verbo do que imaginara, achou descabido acatar estes desvarios desapropriados com a seca batendo à porta, desfez calado, permitiu-se só ouvir o silêncio entristecido continuar afagando a solidão. Acrescentou suas falas vendo a noite chegar. A solidão iria se estender até que as sete luas de obobolaum se recolhessem em suas manias de adivinharem os tempos das rimas e das poesias.
Ceflorence     08/03/18    email         cflorence.amabrasil@uol.com.br

Um comentário:

  1. Querido Carlos!
    Desde que entrei em contato com os seus escritos estou encantada com eles. São muito originais e de uma inteligência perturbadora. É poesia em prosa, prosa poética, nem sei como defini-la,mas adorável.
    Grande abraço,
    Tânia

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