ÉDIPO EM PROVIMENTOS
Quando
acordo com aquele sabor oxigenado de guarda-chuva envelhecido em canela avinagrada
por alcatrão, ocorre algo mais assintomático, segundo Pai Joãozinho de Oxossi,
meu conselheiro espiritual das fazes gravosas primitivas. À noite, sozinho, na
coxia, internado com a angústia, tomei dois cálices de tristeza mordiscando um
sanduiche de solidão, embebido em paranoia, lendo as adoráveis tropelias
eróticas do Velho Testamento. Como sempre, escovara a dentadura careada e a trancara
no deposito escuro sob a escada, para que não ficasse, sadicamente, me
espionando dormir. Não entendi por que o psiquiatra, do sanatório ao qual fui
coagido no dia seguinte a estes fatos, não captava as minuciosas ponderações
expostas agora por esta carta. Relatei-lhe que pegando no sono, pela janela do
além, entrou o velho companheiro de meu avô Joquinha nas vaquejadas lidas,
Clemêncio Donato, que morrera há cem anos.
Depois
da cachaça, adiantou-me que viera a mando correto e respeitoso nas composturas,
a pedido do parceiro demais prezado, meu antepassado, para revelar no soturno
da confidência que eu teria sido parido em encarnações anteriores, carismáticas
e simultâneas, em verdade dos espíritos alados, por obra do amor perfeito de
Alexandre da Macedônia com a camela preferida do seu harém para equitação
guerreira. Os ventos dos desertos embalavam as folhas das tamareiras,
inspirando as poesias para os encantos dos sonhos e seduções. Alá, criador do
céu. Das alas e dos aléns era testemunho das reencarnações ara aprimoramento do
espírito.
Registro
que antes de me dirigirem obstinadamente para esta casa de saúde, havia
procurado meu conselheiro amigo, Monsenhor Rossi, para elucidar os mesmos
detalhes levados ao psiquiatra. Ponderado, calmo e racional como sempre sou,
fui expondo ao Monsenhor que assassinar meu pai Alexandrino foi tão fácil como
resfolegar penitência de oração após a confissão sabatina para comunhão na
missa de domingo. A dificuldade se prendia à revisão incestuosa, sob a nova
singularidade heterodoxa e inusitada de praticá-la com a figura de uma
quadrúpede maternal surrealista, longas pernas dalinianas, inibindo qualquer
fantasia erótica por todos os achaques edipianos disponíveis. O monsenhor
plasmava sua preocupação tentando chamar alguém para também ouvir a verdade que
eu lhe relatava.
Resistindo
ao óbvio, pensei que o Monsenhor estaria mais surdo do que de hábito e, suavemente,
tentei balançá-lo pelo pescoço para melhorar a audição. O sacristão, não
entendendo o gesto carinhoso, despencou-me o crucifixo no lóbulo frontal,
prejudicando-me os raciocínios dos dias pares. Depreendi ser a razão de estar
escrevendo deste local e sorrindo ao simpático pessegueiro ao meu lado, aqui internado
por envolver-se afetivamente com uma seringueira geneticamente modificada, sem
autorização da ONG de plantão.
Cflorence 17/07/18 email cflorence.amabrasil@uol.com.br
gostei especialmente dessa crônica por causa da imagem que ela me proporcionou do monsenhor sendo suavemente balançado pelo pescoço rs rs .
ResponderExcluirQuerida Marcia
ExcluirSou um descuidado em relação aos retornos carinhosos seus e de outros no blog. Vou me cuidar com mais afinco. De toda forma, muito obrigado pelo carinho.