ANSEIOS E OUTROS SONHOS.
É seu
destino, lua tímida, cuidar das marés e paparicar os bardos canalhas. A
madrugada sabe brincar de inusitado, momento em que os deuses e os demônios
repousam depois de se esfalfarem em orgias. O mar chamou-me delicado a atenção
para uma casa escondida entre as árvores e encoberta, em parte, pelas sombras
das ilusões que a confrontavam. A areia guardara, com cuidado, as marcas das
pegadas de um pé miúdo, indeciso, com certeza de esbelta ternura que por ali
transitara. Segui as marcas, medindo-as com fantasias, imaginação e sonhos,
transfigurando em colcheias. Abaixei os olhos para atender um beija-flor
alegre, que tentava pousar em minha alegria para ensinar-me o caminho do amor. Receoso,
alertei o beija-flor para não bater as azas tão alto para não assustar a
princesa que deixara as pegadas que perseguíamos e se refugiara na casa isolada.
O passarinho, indiferente, puxou-me para a trilha do carinho, que contornava o
lado esquerdo do afeto e se pôs a brincar no aninho das minhas divagações.
Poderia
ser que o colibri intencionasse arrastar-me diretamente ao castelo para que eu
entrasse imperioso, com suaves insinuações e verbos carinhosos e salvasse a
princesa do monstro da solidão que a devorava. O beija-flor e eu nos sentamos
calmos para um diálogo franco e aberto sobre o amor e o devaneio. Os sonhos são
construídos destas sutilezas e fomos trocando nossas extravagâncias, seguindo
cuidadosamente as pegadas para não acordar o silêncio. A madrugada veio calma
puxando um sol ranzinza com preguiça de enfrentar um dia todo de tarefa marulhando
a maré montante. Aqueles todos faziam parte da certeza de que encontraria nos
rastros das pegadas um imenso amor me esperando para sanar as minhas fantasias
mais agitadas. Caminhei sobre os sonhos como quem pretendesse deflorar o
futuro. Perguntei ao colibri se me acompanharia até os delírios enquanto
acompanhava as ondas invadirem a solidão.
Os
regatos, no entanto, que desciam das serras, margeando os muros altos do castelo,
trouxeram notícias não alvissareiras de que as pegadas da praia estariam sendo destruídas,
pois o vento se desentendera com a maré e as ondas prefeririam subir canalhas
pelas areias e recifes, não deixando vestígios para os ingênuos e sonhadores. Voltei
à praia com o colibri, por prudência, onde as pegadas haviam sido
impiedosamente comidas junto com as minhas desilusões pelas ondas que nunca
perdoam a dúvida.
Um barco
chega requebrando sobre o silêncio, recortando as ondas e desfazendo as espumas,
de onde salta um rapaz atrevido, petulante e seguro, bonito, se empertigando a
caminho das trilhas que levavam a casa. O mundo se estraçalhou, minha princesa
se esvaiu do inconsciente e me agrediu encarnada numa plebeia vulgar, concreta e
linda para jogar-se nos braços do moço que a segurou e carregou carinhoso, bailando
no ar, até o barco, para que ela nunca mais deixasse pegadas eróticas na areia e
não atiçasse fantasias nos loucos. O colibri sorriu sobre as ondas destruindo
os desejos e se escondeu nos meandros da solidão.
Ceflorence 10/05/15 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
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