segunda-feira, 29 de junho de 2020


SALVE O INFINITO E O PADRE NOSSO

Há sete desejos sumidos e cinco luas findas, mesma fé, sonho não provinha.
Criança chorava só, leito, mãe desprovia do peito, cão grunhia.
O sol espreguiçava em sustenido, melancolia dispersada, solta, afronta.
Derriçou o verbo, derramava chuva, turva, sonho despariu infinitos, sumiço.
Feitiço? Prantos, chusma de andorinhas, doze sorrisos, grito no escuro, solidão.
Prontidão, atentas, todas, manias, cartomantes, beatas, rameiras.
Umas santas, sensatas, outras profanas, vistosas, altaneiras.
Padre Bencó professava às primeiras, mas demais abençoava, crendoso, castiço.
Tanto sonho faltado, rua vazia, gente, sandice, sarjetas, sem prosa ou mossa.
Nossa. Fez-se inverno, veio frio, pediu trégua, passou régua. Estica, aguarda.
Não brota sonho, é a sina, povo duvida, rio abaixo, mundo acima.
Desavistou azul, indescortino, gente chora, pintassilgo em muda, descanta, nada.
Desarrumo, aventa praga, não desdiga do vento, sonho, nada.
Sonho? Sonho, que és de ti sonho?
Maré cansou do embalo, o barco saiu sem vela, vela ficou ao tempo.
Restou ao leu, intrigou, sonho, apogeu, cisma subiu ao céu?
Ronda do mar calou, Netuno atenta Iemanjá. Sonho afunda. Se dá mais? Jamais.
E por ser por demais desfeito, se dá dando ao infinito, desassossega, paira, para.
Paira, espera, arvora, clama o sonha, acanha, some sonho. Estranha hora.
No entanto um adeus, regaço, solidão, esperança, lira desfeita, sida.
Deserto, relento, sol, destino, sonho ido, mágoa, morte, não ser.
Caiu o verso, sumiu o senso, fantasia perdeu-se, era, quebrada, desdeu-se.
Seja feita sua desfeita aqui na terra como no além. Pois como sonho desfez-se.
Amarga, o tempo se faz solidão, apavora, desampara, morte. Esgarra. Vez?
Em vez, por ser, talvez, apetece, acontece, veja, astros revertem. Atrás.    
Renasceu pelo amanhã e se verteu incenso, mirra, cantar e galo.
Afogaram cismas, penhor, solidão definha. Porém provérbios, amém, vinham.
Renasce, criança fantasia, mãe aleita, estreita, aquece, sonhama, ama.
É. Só, sonho, sol, maré desponta, fé viceja, veja, Padre Bencó aflora. Ora.
Beatas, santas, rameiras, abundam ruas, sarjetas, festejam, sem réguas ou tréguas.
Festejam vícios e canções, sonhos soltos ao dará, Deus, ocasiões. Transforma, versa.
Morre a cisma, cresce a rima, verbo, sonho abunda, alegria graça. Euforia.
Canta, rua acima, mundo abaixo, alucina, traço, proveito, provérbio.
Enfim fim sós. Só somos só sonhos só!        
 
 Ceflorence   29/06/20    E-mail    cflorence.amabrasil@uol.com.br

quinta-feira, 4 de junho de 2020

FANGAS E OLÓCIOS EM ESPLENDOR DO MACAÇAU.

            A última janela, final do corredor, entre o oratório, quarto do silêncio e fantasias, a biblioteca, sempre deixava entrar à tardinha um resto de luz melindrosa intendendo se insinuar tais libélulas, com certo afeto místico a ser e se fazia deslizar ao além ou invadir o imprevisto. Assim se anunciava o dia feito com o poente debruçando sobre a solidão e o sino da capela de Esplendor do Macaçau chamando para a Ave Maria. Rondeava, tanto por ali também, um aroma delicado de poesia colorida nos chilreados dos pintassilgos entremeados com o sorriso espontâneo de Vó Somezinha.
Cismando, atento, se escutava baixinha a sonoridade dolente de arco íris das asas das libélulas brincando de melancolia. Era mesmo nesta sutileza que Tio Guanduxo apontava-me os sumiços das libélulas ao em se indo infinitas céus afora, misturadas em sustenidos, antes de voltar a solfejar grave, com os dedos magros sobre a partitura de Fígaro, para apresentar-se, um incerto dia, com Maria Callas, quando o Cine Teatro Avenida estaria lotado.
Escapava, depois de ouvi-lo, aos meus aforas insinuados, convencido dos destinos das libélulas, mas intencionado mais na obrigação de puxar pelo rabo Alai, gato russo, ainda com saudades de mamar e ensiná-lo, carinhosamente, a tomar ciência das tarefas da ratazana mais velha, do relógio de carrilhão da sala grande e da aranha felpuda tecendo delicadezas pelos tetos inacabados do solar. Do fundo do pomar vinha um silêncio convidando à preguiça. Os passarinhos ali nas árvores não sabiam que habitavam o prometido, supunha.   
As quebradiças paredes sujas, cada dia uns casquilhos maiores, nos olhavam ouriçadas, pois careciam resguardar o passado plasmando nos desenhos lapidados das goteiras refletindo abstrações e horóscopos. Nestes astrais, Vó Somezinha penetrava com a sua alma imantada de além, impregnada de ciência profunda e esgarçando fé do infinito. Dependendo da forma envesgada do seu olhar pelos cantos das fantasias e das crenças com que acordava, conseguia soletrar em braile, ela, os entrecortados nos tisnados do porvir, pois o passado e presente, ali grafados nos reboques, não mentiriam à evidência do advir a caminho.
Memoro se correto, estávamos na quaresma, pois só às carnes achegava miúdo, eu, escondido e àquela manta despencada longa do jirau, com o melhor perfume do mundo, o proibido, sabor de pecado original, ousadia, pendurada no fundo da dispensa, com certo ar de solidão e meditação confabulada. Para mim festiva e temperada pela dentada gulosa, vigiada pelos olhos ladinos à porta grande, carne sensual, pontas dos pés sobre o caixote bambo, pois se esticava bem ao alto a peça farta, afastada dos ratos, das manias, das crianças.
Nestes torpores, os pretéritos e as andorinhas ligeiras retornavam do infinito ao se pôr o sol, de onde traziam seus mimos para os esparramarem aos pés d’Avó Somezinha no terraço fazendo mandriar-se cochilenta, merecida, no terço em reza ao Vô Albargádio. Neste tempo, Tia Ancinha atravessava dia em busca de todos os cômodos, corredores, pausadamente, repetindo aos falecidos suas obrigações, os quartos de cada um e os cuidados para não assustarem as formigas carinhosas responsáveis por despertarem os sois nas madrugadas.
No sobrado, a imortalidade às vezes se distraia e escapava alguém para se deixar morrer por algum pouco tempo, mas assim que se descuidasse voltava o falecido, fagueiro, ao armário de Somezinha, aos passeios da Tia Ancinha, para o boa-noite do galo índio, coruja do forro, acariciar o cachorro, beber água na bilha, amém das seis horas, ou o sim-senhor de qualquer estranheza ou novidade que atravessasse o imaginário e a fantasia.
Foi neste mesmo outono, ano de chuvas pesadas, roças faceiras, nhambu acanhando moroso das águas no entremeio do ensejo preguiçoso e do pé de serra que se deram os acontecidos e ditos que reponto. O tempo se marcava bem, o casal de fanga e olócio, de que falei, chegou ao sobrado de forma espontânea, metódica, educada. Vieram com intenções de eterno, alongados do pretérito até a suposição do desvelamento, ao que deduzi pelo perfume marcante.
Passaram a se disfarçar de inexistentes e corteses no desvão desocupado, camuflado, vizinho de uma goteira na claraboia enxergando a lua, entre o sótão do forro mais alto, pegado exatamente ao pedaço de imaginário incolor que circulava pelos corredores e um tom indeciso usado para prevenir mal olhado que Somezinha guardava na terceira prateleira do armário das maravilhas mágicas e vidências.
O primeiro olócio a que atentei tímido e recatado, como nas demais vezes, se fazia em azul reclinado sobre a autoconfiança introspectiva, solfejando um sombreado viscoso, elegante, disfarçado de perplexo, nada invasivo. Punha-se ele entre os copos, taças, talheres da cristaleira no canto do fundo da sala de jantar, muito a vontade, tranquilo. Agitava-se sem preocupação entre as prateleiras com sua sonoridade de estilhaços acomodando-se às peças a se fazerem sorrir estagnadas em seus lugares, imóveis, caladas, sensuais, para recepcioná-lo. Davam a nítida sensação de que os cristais se gratificavam com os afagos delicados e cuidadosos ao tocá-los olócio.
A janela do meio espiava o infinito no hábito antigo de se deixar ouvindo o deslizar suave do silêncio de uma parreira começando a florir. Sistemáticas abelhas, borboletas, mosquitos, cirandando suas satisfações nos entornos apareceriam dolentes vagueando desejos, tanto que o sol aproveitou o balanço da poesia em curso e esparramou-se descontraído, preguiçoso, sobre a mesa posta. Notei estranho que o sol antes de se debruçar sobre a última cadeira de espaldar nobre sorriu-me como a pedir permissão pela ousadia e intrusão. Ao ensejo do olócio presente, estes detalhes foram se imiscuindo comigo em um só existir e não conseguia mais, eufórico, diferenciar onde começariam os inebriados derredores e por onde afloravam minhas ideias íntimas excitadas. Pelos segredos intangíveis fui me metamorfoseando em um nós inseparável. Senti-me entrar pela goela melíflua indefinida do abstrato com sabor de imponderável e transmudar o eu em enorme interjeição de nós.
A partir de então, envolvemo-nos suavemente em uma algaravia cativante, não distinguíamos se interna ou externa, nos autodevorando de maneira macia e percebemos um último pensamento meu, isolado, já distante e disfarçado, prestes a alcançar as asas preguiçosas de uma mariposa para esconder e livrar-se de conflitos. Entalamos unidos entre uma suposição arregalada e abduzimos com a cadeira de braços que fora do Avô Albargádio ao sentir o olócio nos encantar. Concluímos, pela forma alegre com que o teto nos acariciou que não estaria o advento do olócio ligado ao horóscopo do dia findo com regência de Capricórnio atraído pelo Zodíaco em Áries, que se separara da constelação de Netuno para enaltecer a fertilidade de Peixe advindo, conforme Somezinha confirmara à prima Mecália engravidada do oitavo filho a nascer no final de ano.
Notamos, neste momento, que olócio estendeu delicado e afetuoso os membros desuniformes de sua sombra elegante, viscosa e juvenil, balançando calma e fagueira, para segurar carinhoso o vestígio da sua fanga adentrando a cristaleira. Invadiu radiante ela, sombra sílfide, misteriosa nuance, secreta, colar invisível tilintando mouco, melodia silente, fragrância de pecado, sabor de desejo. Fomo-nos amalgamando àquelas fantasias e não separávamos mais o antes do azul, os móveis da imaginação, as teias das aranhas trinavam candentes ao sorver os pássaros, enquanto o pomar beijava sofregamente o forro de taquara para se fundirem e, assim, coesos pusemo-nos a introverter em um só êxtase às paredes sensuais.   
Nosso alongamento sala deu-se encolher ao fundo, como braço suave se curvando delicado, tal se portam os sonhos para não fugirem do inconsciente, e nos permitimos desvanecer acompanhando as sombras se aconchegando. No mesmo movimento, nossa integração cristaleira, respeitosa, debruçou-se sobre o aparador para facilitar a descida da fanga e do olócio sobre tábua furada que se envaidecia e se inteirou para os ruídos assombreados deslizarem mansos tais brisas que a tarde trazia. Na medida em que cruzavam nossos espaços as sombras delicadas, as formas dos moveis, objetos retornavam às suas individualidades, as paredes sorridentes reassumiam suas imponências eternas, não antes de se contorcerem para ajustarem os reboques, as poeiras, a preguiça sobre o eterno.
Fanga e olocio, com graça e melindre, irromperam nossa perplexidade, exalando indefinidos silêncios perfumados e dispuseram em nossas mãos curiosas uma única colher miúda de dúvida. Não tinha sabor, cheiro ou cor, mas nos sabia altamente suspeita para o uso sem orientações precisas de Somezinha. Ao deixarem a pequena amostra de dúvida, foram morosamente se despedindo do integrado, nós, e retornaram olócio e fanga pela cristaleira, que se ajoelhou delicada para galgá-los às hipóteses ou às alternativas que os indeterminariam. Olhei o redor e os objetos, sons, os silêncios, imaginações volviam impertinentemente ao estável insonso, imutável convencional, como fossem alegrias desajustadas, tristes. Abandonaram-me cruelmente incompetente com sabor de orfandade deprimida. As lúgubres cadeiras de braços, em suas imponências eternas, destroçando sobre as tábuas puídas plasmaram circunspectas, como se impunham existir, e eu, indefinido, choraminguei tal qual permitido, dedilhando a dúvida na palma da mão sem saber ao que destinar.
Procurei o quarto de Somezinha, ansiedade abraçada escada acima, degrau, degrau, ansiedade. Bati baixinho na porta larga de duas folhas com a mão vazia e segurando a isca de dúvida na outra, cuidadosamente. Somezinha continuou um tempo mais no oratório conversando com o falecido Vovô Albargádio, como me disse ela, pois vinha ele prudente ao anoitecer para deixarem o silêncio os acarinhar, sossegados, antes de agasalhá-lo, pô-lo a dormir. Depois de beijar-me, doce, perguntou o por quê do olhar de socorro. Mostrei-lhe a pitada de dúvida no centro da palma da mão e contei-lhe os detalhes da visita da fanga e olócio, as movimentações das cristaleiras, sons, pensamentos, paredes nos incorporando em uma só deliciosa alucinação inebriante. Chorei novamente por ter sido abandonado à minha incompetência naquela sala de realidades indiferentes, tristes, concretas. Vovó apertou delicada minha mão, fechando-a sem mais olhar.   
- Enásio, menino, hoje se deixou vir em arrebatamento à segunda essência que governa o absoluto, os astros que regem do infinito à nossa insignificância. A primeira foi o desejo, tão logo concebido por seus pais, a segunda a dúvida, que vem com a maturidade, para o bem e para o mal. Veio a você nesta metamorfose entre você e incomensurável entorno, pois tudo ocorre como uma só consciência no seu existir, no pensar. No momento que colocou o todo em eu sentir, o seu sentir, pensar era o todo.
A dúvida chega a cada um de forma muito especial. Quem criou o cosmos pensou em detalhes. Tudo é envolto no êxtase existencial por estes dois fundamentos, desejo e dúvida. O resto são detalhes decorrentes. Se a dúvida antecedesse o desejo o próprio Criador poderia não ter idealizado o cosmos, a terra, a vida. Imagine se ele preferisse o nada ao ter dúvida no seu desejo.
Chegue pelos tempos infinitos a você mesmo, que ficaria desesperadamente em dúvida se preferiria nascer ou se eternizar no útero indefinidamente com sua mãe. Duvidaria se deveria mamar ou ouvir o sorriso dela. Os homens se fazem em desejos de se tornarem Deus, mas duvidam como. Sofrem entre a dúvida a escolher, amor ou ódio, guerra ou paz, afeto ou solidão. Tenho eu dias vários desejos infinitos que minhas rezas, bênçãos, vidências prosperem, se eternizem, mas tenho dúvidas e sofro até que se rebrotam. Pense na dúvida de Guanduxo se Maria Callas virá a Esplendor do Macaçau. E nas dúvidas de sua Tia Ancinha se as formigas não despertarem o sol ou os mortos resolverem migrar para outros aléns.
Só você poderá balancear suas dúvidas e seus desejos. É a vida, eu estou em dúvida de uma alegria triste profunda se lhe dou um beijo porque você se emancipou ou se acabrunho porque vai se alimentar da imensa angústia que é de decidir sempre entre as liberdades que as dúvidas lhe trarão para escolher sempre. Vá dormir. Vou ver se Albargádio está dormindo mesmo, pois à noite duvido às vezes se ele preferiu morrer sozinho em algum além.

Ceflorence     04/06/20         e-mail - cflorence.amabrasil@uol.com.br              

segunda-feira, 27 de abril de 2020


FANGAS - OLÓCIOS E O CÍRCULO INDEFINIDO DE ÁRIES

            A vida se fazia exatamente sonolenta, azul, metódica. Dias longos assistidos cuidadosamente pelas artimanhas das aranhas entrelaçando paredes, escondendo seus silêncios para adornarem os tetos tecendo motivos, melodias. Dava-se existir em passarinhos cantando, jabuticabas amadurecendo, o sol filtrando sensual entre as teias e invadindo pela claraboia.
Raios tais, em sendo sim, eram então véus singelos, tão puros, transvestidos e brincando com a brisa gostosa disfarçada pelas janelas largas. Assim como era o tempo então do ser em ser e só se fazia assim, o ser, porque tudo era muito assim para ser. Refaço este passado, pois não sabia parar, ele, passado, para se presentear e depois se fazer para intentar o futuro o mesmo.
Tal sonhava, eu, e pedia, muito, muito mesmo, para nada mudar e não arruinar os intentos. Era o medo de tudo se acabar para sempre sem eu mais poder beijar os segredos, fantasias, as ilusões. Pelos derredores eram não mais do que preguiças morosas, acomodadas em ruídos macios, abeirando para uns confins dos infinitivos que divisavam com os fundos do pomar do sobrado para depois ganharem os aléns. De então, para os desconhecidos, moravam os medos medonhos que me diziam não cruzar, embora, naquelas pontas, crescessem juntadas de parcerias umas melancolias sem serventia, segundo os antigos, mas não prosperavam ou eram agressivas quando eu chegava bem perto.
Nós ali da morada, desde criança, sentíamos pelos meandros, entre as tábuas largas furadas, sonhos e portais, um sabor doce de delírio com ambrosia, disperso em aconchegos e, se tanto, ao entorno, pois minha avó borrifava, aos pouquinhos, suas mezinhas e benções, no andado lento, arrastado sobre a sabedoria, ensinando o futuro a esperar, pois o presente estava lerdo, enquanto ela alimentava os pássaros, imaginações e dispersava salpicados sorrisos, muito seus, para os apropriados e os momentos.
Domesticadas e silenciosas se acomodavam duas ratazanas em tempo de aposentadoria vagando entre a dispensa, o pretérito imperfeito, uma rosa murcha esquecida no vazo da sala de jantar, os almanaques e livros carunchados e indicávamos ali como biblioteca. Neste envolto medievo abarrotado de prateleiras desordenadas, paradoxos existenciais exóticos amontoados, entre as obras esfacelando, Guanduxo, irmão mais velho de minha avó, esquecido de quando cometera noventa, imitava ler Ilíada, Divina Comédia, a Bíblia, Gregório de Matos, Odisseia, Vieira, os Lusíadas, ou tantos mais, enquanto ensaiava os graves profundos do Fígaro, na cadeira de balanço, para estrear, como afirmava, no Cine Teatro Avenida, que fora demolido há quarenta e nove anos, quando Maria Callas viesse a Esplendor de Mocaçau. Assim era, foi, se foi.
O fantástico e o mágico me corrompiam pelas sombras, contornos e recantos do sobrado centenário onde nos acomodávamos, nascera eu sem até então não arredar o pé e onde gerações se perdiam na memória e na história. Circulava eu pelas paredes, divagados, quadros, poesias, cristaleiras, rangidos, escarradeiras, recantos, medos, encantado com os infinitos sem entender as formas. Rodava por todo ali, em ritmo de complacências e encantos, pelos cômodos, corredores, salas e quartos, puxando um carrinho de rolimã entulhado de bijuterias eloquentes, novidades inimagináveis e ruídos vermelhos, como ela mesma, minha Tia Ancinha, bem descrevia e, convicta, exibia com seu sorriso ingênuo e afetuoso aos fantasmas dos antepassados, seus afetos e protegidos. Resguardava cuidadosamente suas formigas cortadeiras, delicadas, que a acompanhavam pelos cômodos para sugarem, miúdas, de suas mãos os açúcares e doces em calda que lhes oferecia.
Com voz macia as levava Tia Ancinha, no caindo da tarde, para dormirem no alpendre da frente, pois de madrugada se aprontavam, com pontualidade, para atender seu pedido de acordar o sol. Depois que as formigas estavam recolhidas, acomodava os velhos defuntos acarinhados em suas camas e lhes contava estórias infantis para que dormissem tranquilos. Acordava muito cedo e carregava desde então ao ombro a maritaca Remi que aprendera a solfejar em escala de sol e latir como o Capió. Titia se orgulhava de contar até dezessete, suficientes algarismos para saber os números de quartos por onde tresandava o dia todo. Vestia ela um roupão folgado costurado de sacos velhos de adubo emendados com as marcas desbotadas e sandálias de dedos estraçalhadas.
Frequentada em plena vida de alegoria por almas de todos os mantras e cantigas, cozinheira, saudades, arrumadeira, linda, lavadeira, às vezes, convidados, cachorros, bernes, criança, fungando, pescador, mentira, cantador, violeiros, catiras, pois era exatamente ali, neste torvelinho e fé, que se fazia a vida entre a cozinha e o alpendre enormes. Todos voltados em torno das gaiolas penduradas dos passarinhos que filtravam suas melodias para se dizerem canarinhos, cúrios, coleirinhas, azulão, trinca ferros e se davam os demais. Achegavam gentios vários de longas sinas e motivos, conversas de lero-leros sempre, estendidos por aquele aconchego de contos de fadas. O mundo, os embalos, imprevistos e demais inevitáveis preciosos sabores de delírios com tons pueris ocorriam ali, sorriam, faziam-se naquele quadrilátero de magia e sonho. Minha avó atendia a todos na imensidão da sua igualdade e serventia que Deus lhe dera.
Marcava-se imponente e misterioso, protegido pelas preces e afirmações de minha avó, Somésia (Somezinha), Tramaia Alcalunga Dicema, quedando no fim do corredor, a cobrir uma janela inútil, ao lado dos dois últimos quartos, o armário dos impenetráveis e dos interditos onde ela guardava seus sonhos e ilusões para com eles cobrir e proteger as armas, espada e a farda cor de quebranto com almíscar, que seu marido, meu falecido avô, Albargádio Tomasínio Alcalunga Dicema se instrumentara para o inevitável. Fora assim que se preparara ele para assumir, como generalíssimo, a frente do Corpo da Guarda Monarquista de Esplendor do Macaçau. O movimento pretendia destituir todas as autoridades locais, prefeito, juiz de direito, delegado, antes de enviar telegramas definitivos, claros, e expressos aos demais revolucionários patriotas aquartelados nos municípios vizinhos e a beira do Rio Pitomba e cada qual assumindo brava e autoritariamente os comandos locais, para juntos, sob as estratégias definidas por meu avô, navegariam em águas agitadas e corredeiras perigosas, rio acima, até à capital e onde reporiam a realeza chegando do exterior. O movimento frustrou-se, pois fora marcado para o dia vinte e nove de fevereiro em ano que não era bissexto, os revolucionários arregimentados pelo avô Albargádio foram maliciosamente convidados pelos prefeitos republicanos das comunidades para celebrarem juntos o carnaval na sede da Comarca de Ponhatã de Cima.
Todos se embriagaram. O veleiro que transportaria os imperialistas fora requisitado pelo Rei Momo, que recebera a chave da comarca como símbolo dos festejos, e confiscara carnavalescamente a embarcação para transportar a banda de Ponteio da Pedra Velha. Mas ainda para reforçar e deprimir a malograda intentona, os herdeiros da monarquia, descendentes da família lusitana, que já estavam no país, não foram avisados do movimento, não tinham a menor vontade de se envolverem e menos ainda em época de carnaval. Sobraram do movimento o inusitado, o imenso amor de minha avó pelo marido e um aroma debalde do propósito que a nobreza e a aristocracia bateram à porta do sobrado, mas o destino fora cruel.
Guardava vovó, a sete chaves, no mesmo armário fantástico, junto com os sonhos, armas, fardas e dragões monarquistas do vovô, um farnel incontável de utensílios dela para exercer, com muito êxito e ciência, as suas premunições, benções, oratórias, quebrantos e rezas respeitadas por todos em Esplendor de Macaçau e redondezas. Ordenadas em pequenas caixas talhadas com símbolos exotéricos dos rituais e magias, infalíveis, seguiam as peças mediúnicas para celebração dos imprevistos, lupa de enxergar o além, concha de recolher o etéreo e o difuso do fundo do copo com café amanhecido, repousado, virado para o lado da lua cheia em janela do leste do oratório.
Detinha ela na solidão do móvel, sementes e seixos de tamanhos, cores e formas diversas para com eles sentir os tatos e o refluxo dos eventuais, das arbitrariedades, desafetos, angústias, das paixões. Eram estes seus inúmeros tarôs, de origens incontáveis, seus poderes divinos, que só ela traduzia com os olhos vidrados nos imponderáveis e nos inconscientes.
Águas, óleos, pós, misturas efusões das profundezas, abençoadas, exotéricas, poderosas nas curas das malignidades físicas e emocionais, que ela prescrevia com exatidão, crença e resultados. Mantinha ainda no armário um talismã de apalpar o cheiro e o sabor da vida, a definição do sexo a vir à luz, prever doenças a caminho, cataclismo, morte, traição. Patacas antigas a serem apontadas pelos consulentes e só assim nos seus apalpados se tornariam infalíveis para as revelações de vidas eternas, saúde, quebranto, alertas contra desencantos e maus olhados. Pendurados nas portas se colhiam todos os tipos e formas de compassos, triângulos, réguas comuns ou numeradas, heterodoxas, todas entronizadas, santificadas, demoníacas para traçar a exatidão dos horóscopos e dos destinos. Protegidos pelos espíritos de todos os santos e orixás, quedavam os baralhos específicos para responderem, sem titubeios, pelas flutuações do cosmos, das colheitas, para atender moças virgens, semi-virgens, viúvas, as más casadas, traídas, que corneavam. Os baralhos não poderiam jamais ser trocados ou invertidos em seus usos próprios para que os confrontos, fins, astros, fortuna, imponderáveis, não se confundissem e misturassem as almas atendidas. As secções particulares de vovó Somezinha só eram feitas em dias de sol, a partir da madrugada e quando a brisa do noroeste trouxesse o beijo e as benções do Senhor. Caso não houvesse o clima de exaltação, as magias tresandavam. Trajava ela branco para atender até às onze horas, quando o galo índio do fundo do quintal, pontualmente, a avisava do dia sido.
Na prateleira mais alta do mesmo armário enorme de Pinho de Riga, com a sua ripa preta estreita de óleo pregada do alto ao chão, como símbolo eterno do luto, desde que meu avô morrera, guardava vovó os licores de pequi, jabuticaba, framboesa, tangerina de produção de muitos anos que ninguém mais se arriscava. Restavam nesta mesma tábua do móvel descomunal, os cordéis e tarôs para lerem-se os destinos só dos homens, dos animais de estimação e as volubilidades das chuvas e secas. Por último, com o maior carinho e precaução, encontrava-se o vestido com que se casara Vovó Somezinha depois que fugira com Vovô Albargádio de Abadia dos Menestréis, deixando no altar o noivo a que fora prometida pelo pai e que jurou vingança antes de se suicidar. Cavalgaram dezoito horas, três trocas urdidas no correto do manejo e raça das providências pelo avô, animalada soberba de desenvoltura e fidalguia, ajustando as marchas mais pelas aguadas, mor não deixarem rastreados para as catas dos que vinham no encalço e se deram em ser de corpos e almas, desmilinguidos, em Esplendor do Mocaçau. Não era ali então não mais do que um pouso carecido e pobre de muladeiro e jagunço a beira rio. O vestido era estendido ao sol em cerimônia semanal, depois de passado com muito esmero a ferro em brasa, antes de vovó vesti-lo e exibi-lo a todos nós, inclusive aos cães, às invejas, pássaros, formigas e aos segredos, por não mais do que quinze minutos e devolvido ao armário dos incontáveis e dos sonhos.
Mas o que mais me atraia e queria contar agora nesta prosa de beira de fogão de lenha, nesta hora de acarinhar serão, seria sobre duas famílias de fangas e olócios, vindos de um silêncio dodecafônico desconhecido, como garantiu minha tia, e que chegaram entre o repicar do sino da matriz e uma chuva forte de verão que estragou muita lavoura e carregou, beijou o pé da igreja e um eito baita de criação de Esplendor de Macaçau. Passaram a habitar eles o sótão do sobrado, no começo, em total surdina, sem mesmo nos darmos conta, mas com o tempo foram se assenhoreando dos ventos das cumeeiras, dos pensamentos que andavam soltos pelos corredores, ficaram íntimos das aranhas tecendo suas artimanhas, sentiam o perfume das formigas cortadeiras lambendo os doces, definiam os dias pelos cantos dos pássaros que não chocavam no inverno, se encantavam com os sorrisos das visitas para alimentarem seus filhos, brincavam com os ruídos azuis das nostalgias que se escondiam pelos verdes da solidão e, ainda, pelos ......
Bom, vamos apagar o fogo jogando o café requentado e o restado se proseia em outro talvez, pois a noite alongou, as formigas querem acordar o sol e Tia Aninha começará sua ronda interminável. Tio Guanduxo já está entoando seus graves baixos na biblioteca enquanto Maria Callas não chega. O sono apontou e fica para o depois, outro dia mesmo, pois as tramas das fangas e dos Olócios, que dei conta de agadanhar espantado, muito criança eu, no sobrado da Vó Somezinha, ainda me comovem e excitam demasiado.
Ceflorence     São Paulo – 24/04/20    email  cflorence.amabrasil@uol.com.br


segunda-feira, 13 de abril de 2020


DESAFEITAS EM ALQUIMIAS DE EROS E TANATOS
 
            Caíra eu em depressão profunda face às medidas tomadas de reclusão pela invasão dos vírus, políticos, economistas e anões da sonolenta Branca de Neve. Mesmo se fez assim o último outono em Antraçós das Benções, entre pintassilgos, melancolia, inclusa nostalgias, sim, abrindo diariamente as cortinas dos invisíveis para nos pormos a saudar nada menos do que o inelutável, micro infinitesimais, famigerados diluídos no abstrato. Os movimentos eram lerdos, mas nada desmentia o refrão medieval: “uma centopeia não faz verão”; com isto as andorinhas se sentiram ultrajadas. Vesti máscara, chapéu verde oliva, empunhei jornal, com polêmica manchete: fecha, abre ou o bicho pega, assumi as sandálias havaianas e fui proibido de ir à praia ou conversar com o além. Não havia inclusive confronto entre a metamorfose do absurdo e as pequenas soluções das premonições confirmadas sobre a influência do paradoxo, tanto que as brisas contornavam as meditações não permitindo às flores restantes encantarem os sorrisos. Entre o delírio e a loucura não se conseguia introduzir mais do que um nada. O desespero assumiu o tempo e o verbo. Seria a primeira secção de psicanálise com o doutor Aracácio e não poderia deixar de estar com fome, ansioso, sentindo odor de curiosidade e com premonição de que no final da tarde sentiria falta do guarda-chuva, pois o sino da capela avisou que a missa das seis seria professada em mandarim por Dom Keioshan pelo féretro de sete contaminados em sequência e destino.
            Notei, caminhando para o consultório, que os jardins ainda eram muito dependentes por serem da infância. Adentrei pela ótica minimalista sem grande entusiasmo. Saudações ofegantes, discretas. O psiquiatra ordenou-me deitar no canapé e debulhar livremente meus delírios existenciais. Livre pensamento. Obedeci. Existia uma atmosfera de romantismo pueril entre as samambaias deprimidas e as crianças aguardando a hora de recolher pela pandemia. À distância, provável até pela sutileza delicada da neblina indefinida, a mera imaginação não parecia senão relutante silhueta de metáfora a procura de sua poesia. Nos escombros do gerúndio, em que cirandava naquele final de outono a imaginação, confirmou-se a expectativa antiga do vácuo existencial entre a angústia e o conteúdo da melodia dos menestréis compondo as sinfonias dos adventos prováveis, que propõem ser a existência que antecipa a essência para criar o nada, segundo os existencialistas. Com isto descrito, relacionei com o vírus começando a se impor a todos os gostos, gestos, paladares. As ruas se esvaziaram ao se ouvirem os sons retumbantes dos invisíveis com os dentes trincados mastigando o pavor. Pairava, sem preconceito algum, nítido sabor hermafrodito da metamorfose transformando o acanhado silogismo em petulância por ser a liberdade proveniente da angústia. Escutei o psiquiatra coçar o subjetivo ou anotar algo sobre uma folha azul pelo aroma de lua nova dos raios de sol transcendendo as venezianas, as fantasias e os bafos invisíveis dos vírus. Dei a devida distância e retruquei que os dados levantados, segundo autoridade do assunto, pelo sequenciamento da ilusão de ótica, poder-se-iam estabelecer a correlação, indiscutível, entre a menopausa e a síndrome psicológica do afro-lagartixa. Amedrontei-me com o ruído similar ao silêncio tentando ultrapassar a porta do fundo em função das meras equações do segundo grau se recusarem a estabelecer correlações com as escalas dodecafônicas e o assim o vírus poderia ser intransigente. Retornei à infância, lacrimei envergonhado, e atribui o inexplicável ao complexo de Édipo. Não pude atinar se o doutor chegou a entender exatamente o que eu transmitira, mas não havia condições de repetir, pois a sensação de que tirara ele os sapatos, como preferem estes profissionais para verificarem onde estariam os atos falhos ou as censuras, fora indeterminada.
            Enquanto tal, poderia se observar claramente que os jornalistas e as madressilvas procuravam suas razões e preconceitos entre uns papeis rasgados que o almoxarife deixara antes de ir ao cemitério na quarta feira. O psicanalista virou a folha do bloco para a página verde em que são anotados casos pessoais, endereço da namorada, receitas culinárias, informações em sânscrito dos analisados mais esquizofrênicos, melhores safras de vinho. Em seguida tossiu, discretamente, sugerindo, captei, com argúcia, pela entonação da sua mensagem para não ser tão enfático nos assentos graves e intempestivo, eu, nas vírgulas entre o sujeito, o predicado e o objeto indireto.   Não pude deixar de me reportar à borboleta Viléia, mais afeiçoada ao verbo intransitivo, exatamente quando no confronto da pandemia com as decisões de investimento nas bolsas, circunscreveu uma hipérbole original resultando em graciosa parábola ecumênica do entretenimento entre animais imaginários, figuras abstratas, mensagens de pêsames, remédios hermafroditas, orações poderosas. Desta forma intransigente, as formulações consistentes foram aproveitadas pelas crianças saindo repentinamente do Sétimo Sermão de Isaias, Capítulo dos Abstratos e se puseram a saltar amarelinha antes de levarem estas informações fundamentais como trabalho de casa sobre o imprevisível. Lembrei-me, pelo em tendo sido minha infância, que as melhores jabuticabas do outono são as colhidas entre as latitudes boreais e oitava de Beethoven. O único aparte, até então do casmurro médico, foi de que ele preferia a quinta. Pela plasticidade das circunstâncias, sabores das jabuticabas ao tempo, pavor dos invasores, revoadas das aves e da angústia, lembrei Van Gogh retratando o belo com o caos dos seus devaneios. Pousou em surdina em meu além vagando, um som com perfume de fim de dia e tive uma sensação de suicídio ou vontade de beliscar os croissants da Maria Antonieta. Os vírus cairiam, supus, com entardecer e durante as discussões inúteis, repeti ao abismado doutor que imaginara um enorme abstrato de esperança azul, antes de deixar onde estava em transe sobre o canapé cruel, escolheria um solitário banco de jardim e verificaria se seriam horas adequadas para um aperitivo ou a senhorita que passaria mascarada deveria se dirigir em português ou em libras para pedir, desesperada, ao taxi que a levasse para um horizonte sem limites ou a um refúgio desabitado. Descrevi com precisão que uma imensidão cinza fosca envolvera Antraçós das Benções e fomos todos nos diluindo em eu’s - (o psiquiatra corrigiu para egos) - assimétricos e disformes, nos desfazendo dos nossos corpos, almas, por findos intransitáveis, entrelaçando deformidades geométricas, muito irregulares e com seus ângulos indefinidos, nos transformávamos em sabores de absurdo, cheiros de pavor, sensos de incompetências, olhares de inacabados, acenos da morte. Desencarnei então em fá sustenido e pesadelo sobre o canapé, por tempo indefinido, mas foi como apalpei desesperado o nada e me pus a não existir em sendo.
            Acredito que o psicanalista e eu dormitamos neste intervalo de transe, tanto que fomos surpreendidos pelo forte ruído do bloco de papel e peso abrutalhado das anotações caindo no chão. Ele pigarreou sisudo em voz cavernosa que uma hora analítica se fizera. Senti uma fervura de delírio borbulhando entre o passado e o futuro sem o presente solucionar ou comparecer. Metrificamo-nos de tão longe que nossos inconscientes se depauperaram em solidões. Não nos abstivemos, mesmo assim, da sensação clara do vírus intentando imiscuir-se com suas garras sádicas pelas nossas insondáveis demências apavoradas, regurgitando o mistério, o insondável, a intimidade das próprias ignorâncias e por último os pavores que transvestíamos.
            Invadindo, pelo inexplicável entranhado, nos demos um forte jamais, distantes o mais possível, e até o infinito, se houvesse.

Ceflorence      11/04/20        e-mail  cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020


ALMANAQUE DE VERTEBRADOS E OUTROS ESTRAPILHOS

         - Assumi vistas em Egebrando Catimba desentravando gingas e salamaleques, nos tipificados gracejos dele, mesmos ladeiros abaixo no Fundão das Calongas e não desaprazei o sorriso até que os saudados desnecessitassem de complementados. Se deu. Fundão, terras de aprendizados, ariscos, proventos, mal lhe digo e afirmo. Deus não tem enrodilhado nas bocas das Calongas por não tolerar desforras desmerecidas e milagres atentados nos desperdícios. Acunhaé, saudei, por Oracabalun Maior, para não desfazer mal olhado ou diminutivo nas reverências. Ofereci o baseado na substância e praxe, o qual, meritoriamente, não impugnou Egebrando, mas muito aos contrariados específicos apeteceu crismando ele grato na prontidão venerada. Era um poeta abstracionista devaneando prerrogativas pelo bafejo chistoso em riso farto quando assanhava um haxixe extra, benfazejo e baforado. Acatou afetivado no junco, pois não se fazia de mórmon ou psicanalista nos momentos de extravagâncias jubilosas e pautadas, ainda mais na suficiência do fuminho disposto e principalmente dadivoso. Deram-se interligados dando compenetradas as horas salientes e apropriadamente inclusivas para a cachaça essencial e rompantes outros nos assentados nossos, em formosura, no boteco do Pasteca, com vistas aditadas para os preferidos preceitos corretos da preguiça. Tal e foi, pois fartamos atentos convistando ainda nossos arreceios muitos pelo morro enfavelado, desde os baixios alongando nas premissas escalando aprumos, pondo alerta nas passadagens dos transeuntes enveredando opostos para não contracenar com a polícia que, na sucata, poderia vir envelopada no imiscuído disfarçado na parolagem dos outros ademais e imbuída de intransigências e vistorias. Na sucupira, o delito portado da maconha seria de motivado demérito para crioulo desempregado na carteira, embora sobrevivesse muito honestamente dos anotados do bicho e do provimento social indispensável da distribuição equitativa, carenciada, da diamba meritória. Instalamos nossas prerrogativas de proseados nos albergados dos caixotes desconfortáveis e descalibrados de sustentos do forró do Pasteca, dando à viela de sequência aos decisórios e relatos, sempre aditando alvissados olheiros nos indefinidos das definições dos prováveis e nas surpresas dos improváveis. Já dizia um tal de mestre Rosa, que nem daqui do Fundão era itinerante ou avizinhado, desconheço, mas garantia ele que a mania do advento de “viver é muito perigoso”. Atente, se conforme e não desaponte, pois mesuramento não preenche barriga.
             E continuavam os inacabados de gentios rumos contrários se dando, subindo as subidas e outros demais revertiam nas compensações descaindo descidas, como lhe dedilhei, pelas ladeiras tombando baixios. E os das Calongas como sempre foram habilitados de escola respaldada de apetência, onde condignamente, pelo batuque do samba, arremedo do gracejo sincopado do coração, se aprende nas mandingas dotadas por Deus a sobreviver nos ajustados das manias, manhas, dos ariscos e maismente dos possíveis arrebitados das sobranças que se derem, minimadas que sejam, dos impossíveis e das peripécias. Arrepare, proceda e verá no som estalido da bigorna que, nos portantos, alguns mais altivos maturam nos equilíbrios de roubar mansinho para não prejudicar as vicissitudes, outros nos atrevidos mais específicos, especialmente das obrigações de matar jeitoso e com escala bem entoada, sem raiva nas minitudes descarecidas, tanto só de quem desmerece o sovado de desviver, para não encrencar penúria no arrependitório próprio adepois. Quem descompassa nos ritmados das discórdias é porque não sofreu nos cangotes das peles as urticárias das urtigas que adulteram os enveredados pelos sovacos das amarguras das carências. Já nasceu provido e servido e nem se desmanifesta diferente, pois já refestelado nos proventos, sem perversos, embiloca nas repetências dos justificados. Mais, pois, acalo do que falei para corrigir os prementes, tanto sim que não é só desconchavo, mas muito dos entrosados carecidos para sobrevivência sabida. Tudo assiste muito socializado nas desforras e vicissitudes, sem pré-conceitos, o samba, nos meritórios passivos e carinhosos para acalentar socorrências às desgraças dos avizinhados, doença que ataca na madrugada o imprevisto, a desgraça do pronto socorro que o filho da puta prometeu e não achegou e nem nunca chegará. Na contrafeita, é na cadência da malemolência da bateria da escola que se imita rezar fundo para o santo da vez, que está dando as cartadas, sejam os prezados dos orixás, protesteiros cantativos de dízimos arrecadantes de quem se patenteia nas creduras, deputado filiado à maçonaria, futebol, milongas e mentiras e saiba Deus de onde vem a bronha. Aos fumigados das esquerdas, que em bloco roubam imbricados desdizendo maracutaias dos salvamentos repartitórios iqualantes dos desabençoados cativados ou das direitas ditas idealistas trapaceando dos mirrados miúdos aos boletados sisudos, empertigando da manha cínica à gravata cara. Política no Fundão se faz todo dia e toda hora porque sempre muda quem comanda as faltas, as mentiras e as negaças dos consentimentos. Tudo lampana, beldroega e rapapé. Nem desajuste. E por sequência atine, até os muito fingidos dos sagrados das romanas pedofilias e sem se embaralharem nas cantilenas amordaçando nas muambas das meninotas ingênuas aos meninos sofridos e sempre muito ativados. Atente. É no repique do reco-reco que encanta a comadre graceirosa que acende os cachimbos nas curvas retas e alerta não descruzar perigos de fronteiros de padre, traseira de burro, cangote de lobisomem e olhado da polícia, antes do orgasmo manso na cama dura. Mas isto não era papo para os desafogos na porta do Pasteca e desmereci o provisório sem deixar abrir vaza para o Egebrando e suas destemperanças.
           Nem não enroláramos pernas nossas nos acabamentos confortáveis, após achegados nas providências acentativas no socó do banco encaixotado, encardido de ruim e traiçoeiro, amolengado, do Pasteca, e Catimba, de imediato, nos seus feitios parlativos em repentes afobadiços, desfigurou alternado que, se ganhasse na milhar do bicho, adquiriria seu camelo exotérico e montaria exibição de proveitos em frente à Capela de São Jestivado, em Inhoritão da Ressaca e nem Deus daria conta de menosprezar seus sucedimentos. Imiscuí em redondilhas e questionados, pois os proventos não se faziam até então, sem desacato de menosprezo ao proposto do amigo, em sirigaitas paliativas e menos ainda alforjavam temperanças em sentidos objetados. A conversa fugitiva do Egebrando despontou como efeito superlativo antecipado da cachaça imiscuída com o fumo da bamba, mas àquela hora era por demasia antecedida para o desmonte carecido da ideia despropositada. O raciocínio de tartaruga menstruada em desova da amamentação conspirou comigo, mas não truquei em sequências estas reversas intimadas para o amigo, diretamente, tanto assim que me postei correto para não admolestar as premissas. Digo com muita segurança e nem começados os arrazoados da iniciativa falara ele no conceito pretendido ainda e não caberia oposto antes dos definidos definitivos. Só desenrolara os formatados e deixei a bateia cascalhando modesta nas catativas dos absurdos. Não poderia poder desmerecer de inusitado sem acastanhar o sotaque com mais parcimônia, concorda? Coisa de São Irigário, protetor das demências e cafetões, capitaneei no embora e pelo renegado do sigilo às mensagens do Egebrando, porém não ejaculei intercorrências.
            Funguei sem carências profundas no intervalo do por enquanto, pois pardal Tiquinho das miudezas passarinheiras cortou por baixo da mesa a cata dos seus fortuitos, migalhas tantas e, neste mesmo sotaque de avezinha entusiasmada fez questão de apontar, no conjunto do mote, por magia e búzios alvissareiros, outro acaso de mesura. Orixá promove, garanto, pois afrontada nas canhotas, escada abaixo, reticente no mérito e atentada aos olhos justos e esfomeados, a bunda imperdível da Meliá reverbera inteiriçada e passadiça por aquele instantâneo em que Tiquinho realçara. Confirmo sim, coisa de anonimato sem desdouro, a mesma crioula cobiçada de estirpe, não transijo ou refugo, incluso sob tortura, de compromissos, afinidade permanente, mais seus esteios exuberantes da cabeça ao imaginário, com o Cadeco, capoeirista das entranhas eriçadas, sobejado de advertências nos enciumados carcomidos e que nos procedimentos interativos das malocas só analisa os provérbios na contra mão dos seus sentimentos contrários contrariados. Impõe muito assegurado dos seus proventos, com advertências singulares, seguidamente pelo manejo soberbo da navalha e sorridentemente veemente com os dentes de ouro, que sorri brilhado, enquanto atende virtuoso aleijamento, nos casos de desafetos encolhidos de menores, ou óbito do descomponente atrevido nos alargados maiorados. Mas a traseira da zinha resplandeceu impecável e sem dúvida no estreito da ordem e progresso, enquanto, não por isto, o Egebrando avisou que o camelo faria sucesso nos ajambrados nos confeites de São Jestivado. No aleatório eu sucumbia meticuloso o imperdível da retranca emérita da moça com um dos meus ouvidos e as demais outras orelhas enxergavam os ponteios do camelo elucubrado, procedimento místico e interativo, tanto que o pardal se dispôs entremeado para apropriar o Pasteca para ligar a TV do perímetro na hora que o Ritape bateria o pênalti contra meu Carporto. Diversifiquei no que pude os atentos, parcimoniosamente, entre a demência do exotérico ruminante do Brando puxando mais uma baforada, deliciado, o divino ribombo da nina do capoeira, o pardal saltitou de acordo com o imprevisto e o pênalti, que o filho da puta bateu meticuloso, não perdeu. Tudo num de só minuto instantâneo para uma cabeça tacanha como a minha decidir de ponteio. Não discordei, pois o camelo, ou a bunda, espere, misturei os desatentos enquanto o pardal chamava atenção dos preceitos do Egebrando, muito empolgado nos dignos meritórios espirituais heterodoxos e Meliá preferiu seguir pelo beco da destra, mais tortuoso e adentrado nos arrestos, mas sabicha a moça de não cruzar o enlameado em frente ao valha couto dos milicianos da droga e acharem que ela desobedecia aos afetos enciumados do maneiro navalha enamorado.  Preste atenção caso contrário não vai desentender os por menores mais especificados que traduzo. Mereciam cometimentos nos procederes meus confinamentos, mas com um olho no traseiro invejável tresandando indiferente, o segundo olho ouvindo os artefatos do Egebrando e seu camelo deslumbrado em perspectiva para o pátio de São Jestivado. No passadiço das efervescências, calibrada no exato, a terceira vista, mais sagaz, com os ouvidos cuidadosos investidos nas continuidades dos surgimentos da navalha do Cadeco e os dentes de ouro manjados do capoeira zeloso de seu patrimônio fisiológico e, se houvesse sorte a dar, a polícia viria da mesma banda para economizar um mirante. Persignei pelas canhotas como comanda Oracabulum Maior, pois vida de malabarista sem rede é de alta deformidade. Carecia o quarto olhado para as intempéries, mas como o provimento arrefeceu desmereci o recato por conta do Tiquinho que sumiu nos interstícios da solidão ou me desdigo? E os três alarmes não se desmereciam da milícia sorrateira sempre, perguntei? Razão de alienar no preceito, para não visitar a medicina legal na horizontal. Atine as serviçansas e Deus me livrasse se eu não fosse capaz de desprometer sozinho dos alucinatórios. Vida de desmerecido não é permissiva ou garantida até que se descontraia das desamenidades.
            No portanto, o camelo, em processo criativo do imaginário Egebrando, evoluiu nos meus paradoxos, observando soslaiado o rabo da moça do capoeira, procurando desviar do silêncio que ficou na frente fazendo sombra para querer que eu a perdesse das fantasias, enquanto o pardal voltou do infinitivo a voar curto como era dos seus atributos. Tanto se deu, pois o Egebrando refez a corda da língua com uma puxada funda no merengue fumante enrolado, sem soltar a fumaça como comanda a carestia correta do preceito, para surtir mais efeituoso prazer nas perseveranças. Neste interstício, não desacatamos nas merecências a bunda transitória e muito menos a bebida que aquele dia descalibraram nas maledicências e puseram, no provável, etanol em vez de álcool, pelo falsificado ardido da pinga. Deus me livre. Enquanto desproseava os atentos nestes provérbios, veja como não é compassiva a vida de cadastrado bicheiro e comerciante de proibidos no Fundão, como eu atento nas subservivências de sobreviver para ter algum, desce apaziguada entristonhada com seu rebento a Ruinha Manerva, que pariu o dito, estuprada antes, por dois guardas do juizado de menores e no seguido, no desacato, pelo Mericato Brosa, capanga do tráfico do Chefe do Fundão, Catanhê Baleia. A Congregação Atalaia do Redentor, do pastor Ecandário Gressi, convenceu-a que Deus contava com mais aquela alma encarnada para seus fiéis, pois assim desdisse sincopado, o reverendo imaculado, à moça, muito no perfil dele arrecadatório de mais gente contributiva, para não abortar de imediatamente, mor dos pecados que desajustavam as façanhas. Deus e ele ajudariam muito compassivamente a criá-lo, mas as alternâncias dos destinos deu-se nos revertíveis dos inversos da sorte dos astrais do religioso, que eleito foi para federal deputado pelo apoio régio do Anonicato Fronhais, aquele bicheiro dos Realimpérios de Cima, mantenedor da escola de samba. Nos destinos da vida e das manobras do além, deixou-se levar o religioso juramentado na câmara, ajuntado mais com as suas esbórnias espirituais, aditados com os embalos políticos-proféticos, a promessa à menina, a ajuda desfeita em miséria, a puta que pariu e seu Deus particular para a capital. O Fundão não aprovou nem desaprovou, como é do feitio dos anonimatos calados e dos desmerecidos afavelados, mas a prefeitura do prefeito Nibontinho, que precisava ser reeleito, desprometeu e descumpriu que na próxima gestão abriria uma creche perto dos Alagados. E a o mundo que é grande, desarbitrário e mudante, escolheu exatamente os Alagados para desfazer as misérias do rebento, do choro, da fome e do arrependimento da menina sem creche, sem Deus, sem pastor, sem prefeito.
             Mas a vida continuou e nós, Egeberto e eu, mareados já na biinha da droga e da cachaça, desmelindramos dos passos miúdos da Ruinha descendo abeirando o Ribeirinho do Carcome Defunto levando sua ânsia maltrapilha e o filho esfomeado para a esquina do farol de baixo onde tentaria vender um punhado de nada que é o que ela atina só por ter de miséria a oferecer enquanto escuta em desespero o escárnio dos motoristas. E as historias se enfumaçaram nas minhas envergaduras, como acontece com as ideias de quem memoriza vida já em larica no Fundão e justicei com o camelo do Egebrando que o capanga, Mericato, que o chefão Baleia dispensou do serviço de guarda-costas e adicionado de continuar vivendo, pois lhe mandou acrescentar dois tiros diretos na cabeça que não pensava e desobedecia. Sugeriu, condizentemente, que atendia justiças merecidas à pobre Ruinha e com mesuras aos favelados respeitados com medo de acusamentos de imparcialidades indevidas às gentes dos seus arranchados. Os policiais foram promovidos e transferidos, depois de acusados, sem testemunhos, de estuprarem demenor. As contas se acertaram nos esquisitos arrolados das miudezas e dos indevidos inesperados, pois os ilícitos das drogas puniram os intercorridos seus próprios muito nos adicionamentos, mas os despojos dos legalizados arremedaram as conveniências dos ajeitamentos, euforias e acalaram. É a vida nas barrocas, nos alagados e nos morros. Amortece e desentranhe, os manejos são dos reais, nem conjure das mesmices diferentemente. Deu-se Senhor. Creia.     
           Você que conhece o Egebrando, quando ele põe uma mixórdia na cachola só para de elucubrar depois de apanhar da polícia ou bater com os cornos nos insolúveis. A pretensão seria trazer o animal à frente da São Jestivado, ensiná-lo a ler as cartas, búzios, tarôs, as linhas das alianças das madames para ver se furtava algo e ensandeceu em certos e outros simulados funcionamentos de oráculo arrebatando véus, terços, boas intenções, carteiras, contribuições, bolsas, depois dos sermões das rezas do Padre Abelário Ronço, aquele encanto moreno alto e efervescente de olhos verdes das jovens, viúvas, desconsoladas e gays, toca guitarra alto, enquanto é filmado pela TV Educativa, para ver se Deus atenta ou, intuo, se a mãe morta escuta. No vazio, Ruinha desfigurou ruela adiante suportando seu desalento e filho, enquanto a ratazana velha, Ábia, deixou o forro do boteco do Pasteca com nojo do ranço da gordura do sebo catingudo que fedia da cozinha para empurrar os pratos-feitos do dia e enveredou pelo lixão da quebrada de baixo no descarecer, como sempre, de atravessar o esgoto maculado que corria ameiado nos intentos nojentos à viela e encontrar o Ribeirinho do Carcome Defunto. Risco danoso, esgoto acima ou abaixo, além da sujeira para ratazana desalinhada e tudo adernado com os prestativos presentes dos urubus margeados pelos atoleiros empossados do ribeirinho na catança dos petiscos indefinidos, defuntos, melancolias e muito nos agrados das ratazanas distraídas. E meus olhados esgarçados nestes pensamentos envoltados, nas reboludas atrações da Meliá e por venturas a céus abertos, desatendendo as micadas repetidas de pecados e milagres do aventurado ou aventureiro Jocamor Rufante, pregante incisivo, socapando a humilde bíblia encardida, amontado portentoso e eufórico sobre o tamborete no começado da escada subideira para os confins do Fundão das Calongas. E deste então, ponto começante das Calongas, para garantir, como você sabe bem, passam a se pasmar as visturas fronteiras dos indefinidos, lá nos confins dos seus espigões com as divisas latifundiárias dos domínios desconhecidos sós de Deus e do Diabo, colecionadores das entranhas disputadas ferrenhas para recensearem abastanças de almas, refregas, bonanças, as tormentas, condenações, os perdões, castigos. E, muito por assim sendo, até os contratempos dos limites dos cantos e encantos de cada um, de onde ninguém atenta visitado proceder sem convite, cadastro e julgo para adentrar nas conjunturas. Calo para não desdizer mais do que não procedo além dos meus limitantes.  
              Mas carecendo não perder pelos desatentos, digo a você, que ao Carcome foi o codinome aditado de Defunto depois que a polícia, o tráfego, os corneados e outros implicativos atuantes ativos, passaram a desovar trabalhos de desencarnação dos sentenciados no Ribeirinho nos postiços indefinidos das madrugadas. E não margeio pelos indefinidos, tanto que naquele então, muito satisfatoriamente, a larica foi equidistando do razoável ou não se daria do camelo ajuizar prerrogativas e tomar pé ao meu lado, irrepreensível, no proceder de acomodar a bunda da Meliá no caixote e ela acenar pela cerveja ao Tiquinho. Um urubu pediu, cortesmente, antecipadas prévias para depois convencer Ábia, afim de que ela voltasse a transitar sem preocupações pelo esculacho do esgoto para escapar dos dissabores das frituras do Pasteca. E o povo inteirado das serventias começou a voltar a tresandar seguindo os passos gingados do Cadeco que retumbou pelo imprevisto fingindo que não intrigava a presença da namorada ao lado do camelo gesticulando. Contornou do além-retornado pelos caminhos do Senhor ou do Demo, pelas vertentes do Fundão, Mericato Brosa segurando a faixa enrolada na cabeça para garantir que suas balas recebidas não caíssem pelas imundices. O reverendo Ecandário e a pompa da magnitude desceram do carro oficial a procura de Ruinha que se negou a conversar com testemunhas de Jeová sem palavras e se debruçou sobre a barriga enorme de Catanhê Baleia para acomodar o filho próprio na imensidão do nada. O bicheiro Anonicato Fronhais cruzou os indefinidos chutando ratos, fome, urubus, pardais, misérias, defuntos, imundice, guardas, bíblia, tudo que lhe caia nos contrapés para adivinhar qual o bicho daria no fim da tarde e salvar a sua reputação da insânia em ter elegido o Pastor Ecandário Gressi para cometer tantas falcatruas e sacanagens em nome do Criador. O Padre Abelário Ronço albergou sua guitarra mágica sobre o horizonte e as nuvens começaram a bailar entre os azuis e os milagres em floreios tão delicados que Deus e o desafeto se apaziguaram para se encantarem nos rodeios.  Jocamar Rufante esmiuçou os infinitos do seu portanto desarticulado e de seu púlpito de tamborete esgoelava ao Senhor e ao Demo que, se não surgissem perante suas sagradas bênçãos, seriam excomungados e teriam de trocar de infinitos indo Deus para o inferno e o diabo para a cruz.
           A tarde se fez branda, a larica arrefeceu, as lágrimas começaram a subir acabrunhadas acompanhando os passos melancólicos de Ruinha cruzando os ratos, a realidade, a miséria, a vida. Mesmei comigo em só, em triste, perguntei desmotivado de procedências, perversão ou pervertido, por que será Senhor? Se deu dando os demais desembalos, alucinado, alucinante, o desejo é o símbolo do nada, pois não existe ainda antes do risco de ser ou sumir. Mas ao mesmo tempo é esperado que advenha o desejo na sua realização em ser ser e no enfim se descobre, por magia, que não é mais desejo desejado, mas simplesmente a pobre merda da realidade. Solucei ao ver o urubu sacudir um pedaço de defunto entre os dentes enquanto Ruinha beijava o filho. Misericordiei os passos mirrados dela, não imaginando o que teria ela para desejar, com certeza, talvez, nem atinasse o que seria desejo, de tão indesejada de tudo, de si, do mundo. Por quê? Por que. Calei. Olhei o indefinido confuso, conflitante, da viela arregaçando seus enlameados, destinos, urubus, tristezas, ratos, paradoxos, lixo e senti o cheiro acre da angústia da Ruinha, pois o destino escondera seu desejo embaixo do nada. Escondera por um eterno inteiro. Arrastava a cria indesejada, que ela amava que não desejava, mas lhe disseram que Deus, que a desejou, um quase nada de tão insuficiente, não desejava mais. Assim, sem solução, desejava ela que Deus existisse para ela um pouco, poderia Ele nascer dos escombros da sua angústia, poderia então na alegria de ser, ser para todos, não só para o reverendo na capital, para que desejasse o que ela não desejava, mas que a vida obrigou-a a amar sem desejar. Arrastava com os seus pecados imundos, que lhe convenceram em criança para ter o direito de acreditar em Deus, a raiva, preguiça, tristeza, sexo, inveja, choro, atados todos à solidão enorme do seu desejo proibido e querido do filho pelos caminhos dos insolúveis do Fundão. Dava certa sensação de que um bicho sarnento chamado destino enviesando as mandingas da morte, por rompantes e aleatórios, a escolhera para viver ela morta e vê-la morrer vivendo. 
              Amarfanhava ela no coração miúdo uma tristeza sem solvência, sem fim, sem culpa, pior, sem dor apontada, pois era inexplicável. Vi de longe, entre a gota de lágrima que turvou meu cinismo, já sem a droga mais, ela parar no degrau do meio da escada adentrando os infinitos das malocas e insolúveis, salpicar os seios miúdos, boca esfomeada aguardando o nada, a se fazer, vazio para enganar o filho indesejado amado. Soube e avisei Egebrando que o camelo não deu na milhar do dia, deu o imprevisto outra vez. A noite calou trazendo de longe a melancolia enquanto chorava ela no chão insolúvel, duro e chamou a solidão, única emoção disponível que não esquecera para não pecar. E ali, no degrau do meio, onde iria dormir, sussurrou a ela, solidão, que não sabia nem quais eram os seus segredos, pois não sabia nem seus desejos, tanto que não sabia se sabia se poderia ter direito a desejos sem saber, mas pediu que escutasse o que não sabia, pois não sabia mais ninguém a quem contar o que não sabia. O filho escutou, soube pedir os seios no choro, que só ele sabia saber, para ela saber que ele estava ali e não sabia por que.                        

Ceflorence      26/01/20        E-mail    cflorence.amabrasil@uol.com.br

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020


RECITAL EM MELANCOLIA - MADRUGADA SEM DEUS
-Memoro por quê? Pois, pois é. Barafustei doutor, explicativo e desditoso, por estes pormenores intrincados e agora assim repergunto no versado, incluso cismo, se concordaria ao ouvir tudo, tudo, até os diminutivos aumentados? Espere então, diferentemente despropositado em alguns versados e incluso improcedências, ao prosear delongas desmerecidas e importunar vosmesse, doutor. Mas se atendeu concordar, se vamos. Os que não forem se clareando nos principiados se melhorarão nos descaminhos, pois. Atente majoritário, Deus nos acompanha e, Soberano, a vida traça, Ele, em correições por serem. Não, nem sei, mas vêm nestas ideias desacomandadas, outras incorretamente demais, como procederiam se atentassem como preferiria, carentemente, mas assumo assumidas e desmeditadas para não provocar tormentos descabidos. Preocupa não se não desproceder de início, pois meus inconscientisados que enxofro amargado, delegam vindouros de outros desvãos diversos, atrapalham os legados e falseiam os corretamentes. Se dá, veja! Não por intenção, mas por limitantes da cabeça inversada que marejo. No começo é igualmente seja qual potro redomão meus pensados, empaca nos encruzilhos destinados, mas depois que desarremeda pega passo e não furtiva mais, sim, não confunda.
Penso diminuto, meio pelo perverso, no procedente, imbuído de desfaltado e inseguro, por medíocre de ideias, para desdizer o que disse, pois é, sim, amedrontado, do eu mesmo ao vivo de viver, amomentados atuais sendo, como me comporto vindo tudo do que sobrou dos acontecidos ao achego e clareio no estampido mais acalmado para conferir ao achegado do aqui com o doutor remeto, porventura. Meço e repito, proponho ao senhor esperar pelos adiantadamentos dos depois e entenderá corretos os fins. Se aguardar os concedidos e proseados, os permanecidos ficam por minhas competências. No desagravo, ocorre até os contraditos das impertinências miúdas minhas intentar, reticenteio provisório antes, para não errar depois. Asseguro como cabresteado se dessem os receios, pois é igualadamente se achegando ao tronco, mesmo como potranca no cio, arrodeando cercas a cata de cavalo inteiro. Poderia começar pela intuição pensada, seguir palavra sozinha, depois verter a sentença e por ultimado parir o sentido. É como o pensador maduro tange o verbo agir, mas desfaço de seguir as ocorrências. Prefiro o desmereço deste desconflito e direteio já no provento para clarear o incomodo e não ejacular anarquias da minha mente conflitada, bisonha de restolhos desmerecidos e ficar atrelado eu no pretérito dos ditos pelo detrás. E tudo pairando nos indefinidos antes dos seus entendidos completos se darem em ser, paciência, mas prossigo. Ficam mais sugeridos os tais para, sem desavença, contar do princípio. Posso? E já desrespeitoso do autorizado antes pelo senhor firmar o sim, vou terminando o verbo e respondendo de pronto sem as anuências devidas. Coisas das sofreguidões que me desaguam nas melancolias lá das minhas terras e dos atrevimentos. Adesculpe, mas permeio.
Apitou no soturno, noite minguando, dia nascendo, maquinista fardado, imponência incluída no garboso e ajustado nas mesuras inúteis, revidei trajando angústia, desbotado de pretensão e motivo. Luzes apequenadas do meu lugarejo já dispostas a se desfazerem por descarência. Era, pois. Desconjurado eu emudecido no banco, só, do vagão. Partiríamos nas desventuras dos horários. Encolhido, amuado no meu eu capengando cismado, assim reverberando desespero na saída, muito sozinho fui ficando, calado, exatamente, viu (?) mas nem desperguntei para eu mesmo se queria assemelhado como no correto deveria, sim ou não? Mas se deu tal, se deu por se dando e empenhou de se dar, sem solução diferente, deu-se. Falta de manejos, outras conjecturas alteradas de mudanças, nem desfiz fé de descer ali de novo, intentar volta à plataforma ainda embaixada de mim, aquietada, e, nos impraticados, fomos desprazerando. No decidido nem retruquei por ciência, partiu molengando o trem misto e se fez chacoalhando. Cargueiro e gente, destino, fumaça. Castigado no provento preparei os insólitos, no vagão quedado, sem desistência, mas também nada afeito aos empenhados, mas já apito dado nos rumamos, fomos nós. Sem solução alternada, solvemos na espicha. Era um puta que partir, partir sentido ao sempre, ao só, por jamais e outras terras. Me proteja Senhor e fosse o que Deus quisesse, mesmei. Escute e atente, moço. Nos demos eu e comboio, a sorte reverteu para sofrer de conjuntura sem folga ou intervalo e não reversava contar agora, de novo, pro doutor, se não tivesse angustiado de prosear os aborrecidos que vieram marmanjos a se darem adiantadamente nos seguidos que foram.
Achegaram corretos aprontamentos dos esperados e saída. Foi trem estradando moroso, nós no conjunto. Assim deu-se e apitou, por princípio viageiro, em novamente. Conto. A fuligem grossa da lenha queimada, tanto que o evaporado da caldeira ferventando resfolegados sujos visitou quem despedia dos embarcados, das plataformas acenando, em pé acompanhando os vagões puxados de per si um a um, a tristeza embarcada comigo, ao poente, a tiracolo. Comboio procurando tino, indo nós, sequenciamos. Triste, traste, trem. Adeuses demos, eu sem provérbio ou motivo, a alma sofrida, ao nada de ninguém na estação por nós, comigo, e não podia ser diferentemente outras formas de ser, pois tudo por ausência de simpatias e afetos que restassem para adeusar. Os demais a despedirem se permaneciam em tais gentios seus apropriados, sinalizando adeuses, a cuspirem seus intuitos, limparem as desnecessidades encarvoadas das roupas sujadas, assuarem lágrimas fingidas ou sinceras nos lenços agitados, simbólicos, como ensinam as novelas velhacas, e tudo se desfez antes de sentirem saudades das ingratidões ou das justas. Perfez enxabida na estação uma porventura sem sentidos, olhando acabrunhada o desaparecer da solidão sumindo sumida sumiceira, apequenando miúda na perspectiva. Na perspectiva mesmo igualmente a que o pintor desenha por horizontes desavistados ao desbotar no azul grená do fundo do seu quadro, como o resto era similar dos trilhos de não proceder mais enxergar de tão desmerecido restou desavistado, assumiu, sumiu, apitou, pois era como lhe garanto só trem de ferro e solidão.
Retirados os vagões sequenciados um por um atrás do outro, diminuindo, diminutos, um nada, definhando, confundidos nos chiados do resfolego enfumaçado como se nem existissem mais de existir, desfiguraram longe da estação parada no esquecimento. Ainda, esta última vez em que se fez afastar a máquina comboiando comigo embarcado, repelido, se pôs a me adverbiar para longe, para o indeciso, indefinido mesmo, cruel. Madrugada, certo? Perguntei sem repostado. Nem desanuviei no infinitivo e prosseguimos. Justo por ela adentrando o amanhecer, se me permite chamar por correto os aproximados das cinco horas, se tanto, este espaço etéreo e promíscuo da luz titubeada, mesquinha de plenitude a se ver ainda sem enxergar, brotando pávida no nascedouro das serras, esquecendo pelas tangentes os ilimitados dos frontões soberbos para desavistarem os aléns inacabados. Hoje é memória, pode se dizer, repetida, do que se deu e sobrou cá comigo bem depois, amargurada era e deu-se exato ao contado como foi, escute só doutor. Refrega dolorida. Transcorreram as recordações ficadas e dou testemunho acabrunhado por se fazer hora de ser, tristura brava. Descidadeniei encarquilhado sem figuras de alegrias da minha terra naqueles justos, contragosto e nem pecado grosso confessava cometido, por descarrência e justiça, digo, fugi. Desertava de mim mesmo mais das razões sem fim corretas, só para desaprender a sofrer menos majorado de agonia. Ideava amiudados medos medonhos, mais menores, mas propus enxabido, neste então, destinar desacompanhado comigo.
Adiantando outros mais, encerrados os intempestivos da partida, avisado e ponha a saudade na algibeira, repito, na partida, relembro saindo, tanto se deu das estrelas derradeiras ainda intentarem minimizadas de proveitos e nortes, se estes existi-vessem nos firmamentos por mandos do Criador e tal se puseram a ser por descabidas das vistas enxergarem, pois encolhendo amedrontadas se fizeram pelo tamanho do sol guloso querendo estuprá-las fugitivas, começando a...., nem descrevo exato para não chorar molhando àquelas melancolias misturadas no fundão da porventura e das dobranças. Exatamente como estava sendo, o sol espreguiçando pelos nevoeiros escondidos em seus infinitos nem pedia reparo de tanto se fazendo acalorado. E elas, estrelinhas, a se desmerecerem miúdas se deixaram ultimar em sobras, dormilitando apoucadas pelos colos do Senhor e ali infinitivas, devaneadas nos sonhos apagando, quedaram sumindo, lentas se puseram. Embarcamos meus juntados e eu, juntos, apoucadicos de penúria de quase nada eram e outras também amiudadas tiquiras de graças quase anuladas por desserventias, desdigo, comigo se puseram a ir. Trouxe a par, tudo em pencas de portantos, inúteis a bem dizer, se permite, dos quais não me descarreguei nunca por impotência, masoquismo, além de outros perfazimentos de poucas cismas e provimentos. Hábito de rebeldia abobada. Ameados, em conjunto, vinham na matula gorda de melancolia, o farnel dos desatrativos e mais umas circunstâncias grudadas. Todavia não pôde se dar de não me desfalcar e vir junto, as angústias mais arrecheadas, a saudade de Leizinha, o último beijo, contragosto, o punhado de apreensões. Fartura de despropósitos? Penso que sim! Era. Creia doutor. Despropositei, ao partir, do loro, que vizinho acarinhava, o gato que se acomodaria quem chegasse ao abrigo, pois é dos intimados dos bichanos, e o cachorro Deus gostava dele e a rua acataria sem estorva ou desproceder. Por tudo embornado carregava ao lado, naquele dia, na mesma bruaca de desespero e no despedido e nos jamais, nem desconcorde ainda, mão apertada, peito desmedido, entravado completamente os por-motivos da moça do nunca mais, ela, a querer me ver. Vaticinou o finado. Os nãos, sem surpresa, por Leizinha se ficaram no passado, no sonho, saudade e desmeço de despalavrear mais por descarência certa de não querer lembrar no mote do sofrimento atentado. Veja o senhor.
Amargurou, confesso sem pejo, o trem apitou novamente, novamente outra vez e assim se viu o carcará, no provável de ser o que era quase impossível, pela distância afastada de tão longe de enxergar, amiudar das vistas garantidas e despontar alongada, a ave bonita, mas perversa nas cadências, sobre os seus imprevistos a cata das intransigências suas predadoras, carecia. Era gavião e se fazia para tanto, belo, definitivo, cumpridor das manhas da natureza mãe. Saga, voou baixo para caçar mais ajeitado e remoto, bonito, creia, lembrei que não sabia enfeitar o destino eu, como se dava a ser a destreza da ave, para fazer sorrir Leizinha.   A verdade se deu em sendo, cruenta, imperdoável, tanto sim que até a merda do bom senso vencera o não-sei-por-que-causa-das-razões (?) e ela, Leizinha, desfizera qualquer possibilidade de seriamos, seremos ou até..., esquece, agora se deu. Nem um talvez ou um futuro mesmou mais, no quem sabe, desdisse seca como aroeira brava, calou. Conjugou ela, marcando sinas, os verbos na voz passiva, cruenta, tempo intransigente sem subjuntivo, tempo dela do desencanto a me magoar, como ordena a gramática inútil do desamor, implacável, sem contradições prestáveis para desandar sonho e somente os esvaziados prover. Alguns por si, em particípios presentes, irregulares e malditos, como são sempre e há de serem os fins, os verbos, as falas, o fado. Ela, em si, postada no alpendre, maldito, que a desapareceu na noite engolfada pela intransigência, renovou todas as declinações como eram as latinas mortas para selar as línguas sumidas e se fantasiou muda de nada. Sequer temperou ou melindrou com: um dia pode ser, quem sabe, ou aquele quiçá, petulante, cínico que fosse, mentirosamente mesmo, se a tal se desse um pode ser..., com o até quem sabe, provisório, um, por favor. Mas no repente agarrou-se no em-vão, não, não. Fechou a porta no infinitivo, acenou com o jamais, estipulou método, mania, tranca, porta serrada e caso encerrado.
Exatamente como desdigo agora, memorado, apitou o trem, me avisando o fim, o fato, o foi, desobediente, sinistro, indiferentemente partiu a partida, ponteou para o desatino sem ser outro diferenciado do sempre seu, meu eu junto, saudades de Leizinha e ele resfolegando como fazia saber bem. Gesticulou praieiro indo despreocupado, como são as ignorâncias dos trens de ferro, em desamores sempre, apitando agudo como só ele atende com sapiência os deméritos de acordar o silêncio. Vagueou ameno pelos arrabaldes eternos de seus destinos, transitando à frente, desfeito de artes, portando melancolias, sem arrogados ou paliativos. Se deu por ser, trajetando meta enfrentada, vascolejando pelos trilhados meeiros, visita catingas mesmas, velhas e amuadas, escuta o pio do nambu acomodado na tristonha dolência, mira o foco e brinca nos vargedos. Por ser prudente e cansado das impertinências, altera os acomodados nas agruras subidas mais amolengado de sina e pelas descendentes desmiola afobando os passos aligeirados com o folego desatenuado, pois tem destino, trem segue. Era uma viajada viageira de princípio e raça, desforra deixada e eu indo. Acuda. Aponha cisma doutor, me atente. A vida, nos rasqueádos ritmados dos batentes começou a se desconstruir desexplicado nos meus a sós: blau-blatau, blau-blatau choramingavam as rodas nas emendas ruins dos trilhados e por se fazer a frente, seguiu, seguiu pelo pretérito imperfeito atrás conjugado na saudade de Leizinha restada. Confesso que desprezado pelo cargueiro, indiferentemente, desconsiderado na soberba mesmada, ficava o amor, ficava ela, eu indo o vagão levando e conto triste assim mesmo do jeito que foi doutor. Fugia eu, as teimosias minhas, ela sobrou no só da camada grossa da melancolia minha, que debitei para a injustiça. Desadornei no realmente e batia um formigado subindo dos fígados para os desesperos que habitam remanchando perto do coração. Era um acuda sem socorro, sem pelo amor de Deus e só, e se dava só o trem, blau-blatau, blau-blatau, adeus, adeus, oh Deus, blau-blatau, oh trem, atrás, atroz, traz, ah! Trem.
Mas o tempo do verbo gente, do eu sem catimba conjugada ou métrica, nos fomos de sofrimento em procissão e fuga, amor em sempre de desejo e só vendo doutor o verde fora que não surtia efeito de me deslagrimar das saudades. O tal do que me consigo aqui dizer, de imediato, recontando as teimas pro senhor, não transpassa confirmar que sou um presente desmerecido que se desafina do que foi no passado, tanto como do que virá nas frentes a ser nesta cabeça endoidada de doido e como é comigo sempre sendo quando penso o que penso imitando ainda do que penso agora. Imagina. Persigo no persisto e aflijo. Creia. Creia, doutor. Para dar-se, nos resumos, tudo cala igual no atoleimado da mente e não sei se o que se foi é ou era? Se o que será é ou foi? E para não desmerecer o endoidecido, do agora, se era sendo ou sido, se o que foi será ou o que será seria? Doutor é e era nestes cipoais gravetados que meus desatinos desmereciam antes e desmerecem já agora.  E o trem cutucava as cataplasmas das minhas dúvidas, cismadas mesmas, e um vento amanhecido de orvalho tiquira fugindo para as serras tateou até amansado de enxugar minhas lágrimas, mas não ajudou por desmerecido de proventos. A teimosia e ou a tristeza ouviram o trilhar, blatacan-blatacan, moroso do sentido trilhando rumo, rodas surdas, eram do trem, despreocupas, acudiram meus tresloucados verbos do pensamento corricando passado. Com certeza repuxando ideias desmedidas, repetidas, grudadas, secas dos passadiços, atentavam no presente, voltejavam ao futuro, desesperançavam desassossegos, gestavam sem vicissitudes. Aponha prudência.
E o trem se fazia desobrigado de proventos. Apreciava mordiscando os lábios para chorar minguado, escondendo nos disfarces os olhados sem atentos nas delongas encurvadas margeando o gado solto, quebradas de picotos ganhando suas serras e estas pastejando reses inacabadas em camparias infinitas sem finados das medidas e ansiedades. Vidro esfumaçado da fresta da janela, brisa alongada das solidões sisudas, engarupando verdes desmedidos enfrentado os sós dos torneios sumidos lá para os confins dos sopés das vistas perdidas. E o desplante desacomodava acomodando nos murmúrios das tristezas amargas, mas se pontuava melhormente nas restingas quebradiças das grotas faceiras e Deus não improcedia, mas no então nem mesmo descomandava. Invadiam os indefinidos, estes, desesperos meus. Ponha fé, por enquanto, no quanto desembolso o lenço. Atentava o apito que se fazia repetir por motivos seus, do maquinista, do Senhor e das curvas cismadas. Briosa, despreocupada e sorridente, confundindo-se com o além do imaginário e serras, bate pelo lado de fora da fresta uma angústia alvissareira. Mastigo o imaginário na ponta do solfejo, deslumbro e meço a porventura. Acato-a por incompetência e hábito, abro a janela, mas ela prefere descer pelo mesmo teto de onde não se arredam subjetivos meus.  Junto, do além-inconsciente, Leizinha, que se faz em si, pronta e bela, por ser sempre, atentando ao meu lado da agrura, promíscua, apeia na cadeira e enfeita a frente aparada à ansiedade e mesura. Se dá e veja! Parelha de sobeja e paradoxo desarticula o verbo e desentrosa os motivos. Atento nos desatentos por falta de envergadura e corretivos. Acomodo a paixão imaginária às fantasias entre a minissaia grená, meu desejo, banco frontal, no meados da angústia sorridente acalorada e da demência despreparada. Colorido nos olhos esgarçados sorriu-me saindo Leizinha encantada do sumiço como se o pretérito não houvera. Mudara o imaginário, tanto que quando me mandou desistir, alisou o cachorro ao lado, arrumou os cabelos longos, puxou a minissaia para insinuar as pernas nuas, lindas, e envolta em sublime e desejo não se propôs ou condescendeu desenroscando do meu desespero. Mas sem pejo ou conceito, nem não pergunto por que encarnara do infinito, acomodou sorriso, se fez a mesma, encrustada em minha angústia e azul. O apito chama a atenção de uma roça rala de milho seco no compasso de quebra sem pressa e, juntado a par, como são os havidos nos cerrados, por contas dos acontecidos, desvia para o provável esquerdando, sem meditados, um veado campeiro a cata de seus outros portantos. Cismei das imagens vistas chegando de atropelo nos meus exatos e os nãos das turras intimadas, minhas, da cabeça descompassada e vadia e não sabia o que merecer mais atentos, se seriam os proventos na angústia, magrela, mordendo fundo, Leizinha me acossando para não mascar o freio, o veado, infinitivo, indefinido no provável dos motivos próprios e transmudados nos delírios, enquanto o trem sinuoso trilhava mais outros tantos para aconchegar minhas melancolias. Afogueou o provérbio e me perdi destemperando. Justo assim sendo, repito senhor, não duvide, pois se davam os dados. Não discordei, jamais interroguei por descabimento e sobrosso, creia doutor ou postergo os ditos. O maquinista apita suave, tentando me restabelecer em algum finito. Pouso em ponto morto.
Trem não desmente ou discute, transita. Segue. É trem, só trem, trem trilha entre trilhos. Perguntaria até, permitiria invadir-me se não me agradecesse e agradasse em detalhes e solfejos. Não é, mas existe, pois quando não existia, estava nos compensatórios sem saber que iria acontecer. Não descobriria até porque e como começaria adorar a loucura e acarinhar a demência. Atento e saúdo o imaginário das ideias, ou me proíbo e desfaço da mulher juntada ou acaricio a fêmea caramelada em minha doce suave alienação? Para esquecê-la teria de me desfazer, contrariado, da insensatez aparceirada? Nem pense. No vazio das soluções preferi me apegar ao infinito e solicitude, acomodando o deixa para lá e ver o trem balancear na cadência meus divagados e seja o que o destino cumprir nos seus intentados e imprevistos. Arremedo e pontuo sem prerrogativa. Uma brisa competente e sorrateira sussurrou-me, ou doido ou cínico, pairado escutei sem resposta, nem apavorei. O blatacam concordou em trilogia e nós seguimos como o tempo insistia. Olho bem aos fundos dos azuis celestes e se Deus não apareceu é porque levou as estrelas menores para repousar Prossigo. O trem não desmerece e investe caminho e reta. Nasceu trem por destino, competência e sina. Pensei, prazer? Respondeu moroso, Blatacam, blatacam, carinhoso, me desconcertava. Divago, esqueço os trilhos, as estrelas, Deus. Acamo a angústia no espaldar da poltrona dura, seca e, por proverbio ou providência, atento para as displicentes pernas lindas, empertiga os seios do corpo esbelto, saudades, desejo, era ela inteira e sonho. Me excitam gestos displicentes, provocar queria, quis, proveu, insinuou, fingiu que não ouvia meus delírios, se fez, Leizinha, sim e era, foi-se, permitiu-se integral e a despi nua, para engravidarmos os infinitos e aos ledos irresponsáveis. Quem diria que não estaria em lá e em mim. Se músico retornaria em ré, (atrás) para o sol iluminar-me em mi (mim). Pensamentinho medíocre, doutor. Prosa de desgovernado. Solfejo meus indecisos e afino o arbítrio. Penso, logo existo, Descartes. Devaneio, logo persisto, qualquer alguém. Eu, por absurdo, não sei se sou ou enlouqueço, logo não desisto. Converso em inconscientes desfigurações e Leizinha traduz em indecifráveis libras nossas parábolas inexistentes concretas, enquanto eu estiver apaixonado, demente, ela ausente. Fomos. Creia. O trem se ganha no rastejar molenga dos interstícios indiferentes, mas responsáveis pelos passos e prováveis. Ninguém advinha o que nos espera, nem o trem, o maquinista só ponteia, sequer Leizinha, eu nem diga. O veado fincou altivo no provável e voltou para o imaginário. É lindo. Não distingo os intangíveis, veado, o imaginário, sol afrontando, Deus nos infinitos, Leizinha transitando entre o absurdo, o passado, no banco da frente, com as alegrias do inexistente e as pernas dos meus desejos. O trem apita para me pedir sorriso ou pleonasmo. Esgarço um premonitório displicente. Conversamos atabalhoadamente, Leizinha conosco, eu comigo, ela com meus arbítrios, ninguém assume, ficções, meus sonhos. Outra vez e ainda o apito transluz meditativo que a curva da ponte carece aviso e que posso derrapar para a esquizofrenia. Melindro o que será do gato que larguei na minha casucha. Felinos são mais inteligentes e pragmáticos, se apaixonam pelas circunstâncias e lugares, desmerecem as almas, os sonhos, as amantes.
O provável que me acossa para instigar o futuro se faz inteiro, por não existir, fingindo, irônico, que pode acontecer. Louco me acalanto simplesmente no imperdoável, embora sempre faça questão de considerá-lo fiel, confiável e ainda imutável, pois creio ao infinito no provável como na gravidade ou em milagres. Sou um idiota crente profundo de fé, perseverança e autofagia mental incrédulo. Não interessava nada no então, caso contrário pediria para as rodas retornarem à estação e com certeza não soubesse nem para que.
Doutor, mais dois dedos de prosa e folgo o senhor. Sem saber dos porquês, instigava Leizinha meus intrincados pejorativos e indesejados. Assim foi e com cadência de eternamente iguais me puseram a desacorçoar. Acredite e ponha tento. No paragrafo seguinte anotei na solidão, por justificativa e método, bem no ameiado do lenço agitado no adeus colhido, uma gota de lagrima inteirinha que dividi ao meio. A lágrima-meada da ponta de cima, tão nobre quanto, foi repartida igualzinha para engravidar-se do azul e ver se pariria um retorno. A metade sobrante figurou guardada, sem presteza, para remarcar a impotência e até envelhacou amarfanhada para não deixar a saudade secar. Foi em sendo bem assim mesmo, até que me dei por só, chorando e sumindo de mim e o trem encarrilhou sem soberba, como sempre, neste fim de linha da capital. Juntado eu junto vivo por estas beiras. Vim como vim eu mesmo nestes acontados que lhe propus por conta ir desfazendo, mais para me desafogar do que por pertinência de merecer juízo.
Só para finar os encerramentos, reconto que partiu tudo acarregado, dos que trouxe comigo, embornado, como detalhei nos minuciosos, da estação ficada na angústia, onde se é de ser a outra ponta desta estrada e destas rimas, o fim-de-linha de Desafogo do Pontão, nascedouro meu e, no então, juntado ao nunca-mais, se Deus dispusesse, como dispôs. Lá descamba ainda, salvo se pelos ameados de desconhecimentos meus se puseram diferentes, Leizinha, suas indiferenças, latitudes desapegadas, meus desconsolos e os desmerecidos. Foi e é.
Agradeço e fecho os atentamentos do senhor para meus despropósitos. Tome o café, que vai esfriar, diferentemente de como renegam minhas manias, por favor, doutor.
Ceflorence     13/01/20       email   cflorence.amabrasi@uol.com.br