ENSAIOS TRISTES E DESTINOS
REVERSOS.
A
memória, tristonha, revive minha pequena Juriaçu dos Tropeiros onde infelizmente
o tempo cismou de esconder entre meandros d’almas os afetos e os desejos. Como
era de hábito, em sendo sábado, os pássaros imbuíam-se dos melhores sonhos,
tanto que me animava a recontar entre os intervalos das saudades, com as pontas
dos dedos todos em várias vezes, quantos seriam os repiques cadenciados dos sinos
apregoando a hora da Ave-Maria. Indiferente, a praça se abastecia de silêncio
deixando a melancolia sombrear carinho sobre o casario disperso. Cada um portava
a sua solidão com travo nos olhos, angústia na alma, esperança no futuro. Se
faziam em gentes como as gentes são a se fazerem em vontades, enquanto a brisa desobediente
vertia irrequieta pelas folhagens dos jardins brincando de rodamoinhos. As
pombas traziam seus arrulhos sincopados e metódicos, implorando uma réstia de
pão, uma migalha de atenção, um sorriso de alento. Pombas despretensiosas, mas
carentes.
Tanto assim
se dava como rememoro, que a esperança brincava pelas ruas tortuosas ganhando
os valos e as serras querendo visitar o infinito. Era uma alegria deixar a
vista seguir os volteios a se perderem levando pelas ruelas quebradas as
melancolias e ansiedades. Por ser da sina das suas métricas e contornos, as
calçadas aprendiam despreocupadas, dolentes e morosas a arrastar os pedestres
para lhes oferecer as cadências aconchegantes das preguiças entremeadas nos
bancos, desejos, arbustos, sorrisos e paredes. A torre da matriz remarcava as
horas avisando da reza finda. Cada um então se servia de quanto o destino
trouxera da malemolência, sem reparar que o azul despreocupado se dispunha em silêncio
a escutar a noite caindo devagar, amolengada, enquanto se lambuzava no grená do
poente beijo. Me pus em tempo de espera para não perturbar as meninas jogando
amarelinha sobre os seus sorrisos soltos, quadrados riscados e inocências
sinceras. Cada uma sabia ser a mais graciosa e até por isto não se preocupava
em se exibir.
A simplicidade
única das fantasias, para desobedecer aos intolerantes, ordenou ao coreto despreocupado
do jardim retribuir a alegria e se espalhar pelos recantos animados, deixando a
banda singela enfeitar o fim do dia com marchas alegres e dobrados ritmados. Sob
a batuta do maestro, circunspecto, surgiu por trás do espigão uma lua curiosa
para ouvir os compassos e iluminar a esperança. Os meninos brincavam de
pega-pega entre os enamorados atravessando apaixonados os seus anseios. Os
postes pediam aos cachorros para serem urinados, pois as estrelas se escondiam
para não assustarem a lua que se banhava nas últimas lágrimas das chuvas.
Aqui,
agora, Juriaçu dos Tropeiros apetece minha saudade, miúda e sozinha, ainda, naquele
fim de estrada de ferro, rincão dos remorsos, de onde fugi um dia embarcando só,
espremendo no garrote retorcido minha angústia, tristeza e solidão.
Ceflorence 15/10/18 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
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